A curto prazo resolvemos criar programas de cotas, iniciou-se ainda no governo FHC, um programa que amenizaria a curto prazo os problemas sociais, raciais e de deficientes físicos, os problemas atuais são débitos históricos do passado que não podem simplesmente ser desconsiderados, se forem desconsiderados podemos esquecer o futuro sem mais conflitos, igualdade e muito menos liberdade.
Hannah Arendt em seu livro “Entre o Passado e o Futuro” avalia a lacuna e o espaço entre o passado e o futuro, a lacuna que ela fala e nos alerta é o nosso deixar de lado olhar para o passado, ao deixar de lado, deixa-se de termos base para olhar para o futuro, este esfacelamento causa a perda desta referência, e leva consequentemente a desigualdade que torna a sociedade mais conflituosa, temos no passado débitos e créditos que devem ser contabilizados, e não apenas zerados sem causar consequências discriminatórias, pois não resolvem o sério problema que a sociedade já está comprometida.
Boa parte da solução está na educação formal, a longo prazo a educação poderá conseguir reverter este processo que parece não ter fim, mas não é esta qualidade de ensino que temos hoje que conseguirá reverter, falo de outra realidade escolar que possa resolver o problema que as cotas tentam minimizar que são as desigualdades. Me refiro a um ensino público inclusivo dentro de um processo político e econômico, que saiam das classes escolares pessoas que tenham capacidade de fazerem escolhas, preparadas para o mundo do trabalho, o trabalho é capaz de nos proporcionar condições para falarmos de liberdade.
Cada vez mais nos concentramos num mesmo ambiente e convivemos com pessoas diferentes, seja num shopping, seja nas escolas, seja no ambiente de trabalho, onde quer que estejamos nossa singularidade pode passar desapercebida ou não, a singularidade do outro talvez nos chame atenção por não parecer ser tão singular quanto a minha singularidade, alguma outra singularidade pode chocar se não estivermos preparados a conviver juntos, muito do que culturalmente aprendemos é fruto daquilo que me foi transmitido pelo aprendizado e experiências do passado, não é possível simplesmente descartar o passado e iniciar do zero daqui para frente.
Nós aprendemos a criar diferenças, diferenças que criam lacunas por negar parte da história, quase uma perda de memória, como por exemplo, por trás da forma que pensamos, tem toda uma carga histórica e de práticas culturais, aquilo que pensamos a respeito de raça estaria restrito a história antes da modernidade, atualmente o racismo é que constrói o conceito de raça, muitos conceitos de raça tirados desta premissa tendem a ser equivocados, pois desprezam o passado e negam origens, passam a criar lacunas e perdem o arcabouço de experiências, a ciência não perdoa a negligencia aos resultados da experiência, ou seja, temos presente o tempo todo praticas culturais que nos tornam assim como somos, inclusive em nossa forma de olhar, nossos filtros culturais funcionam como lentes que criam diferenças absurdas.
Nosso olhar foi educado a fotografar e rotular a medida que piscamos os olhos, as vezes nem dá tempo de piscar e já temos uma ideia formada, seja preconceituosa ou não, tudo isto nos foi dado desde o momento que pela primeira vez abrimos os olhos, até mesmo antes ainda quando estávamos no útero de nossa mãe e absorvíamos suas emoções e vibrações quando ela sentia em seu interior indevassável aos olhos dos outros, as emoções descortinavam para nós fetos os seus verdadeiros sentimentos, isto não é pouco, talvez a hipnose explique porque carregamos certas impressões positivas ou negativas, a educação que recebemos nos ensina a ser hipócritas e velarmos nossos verdadeiros pensamentos, então cientes disto, cabe a nós preenchermos nossas lacunas pessoais e singulares a medida que vamos vivendo e nos humanizando.
Todos nós convivemos diariamente com pessoas aos nossos olhos, diferentes, a maior parte do tempo é vivido no ambiente de trabalho, e é lá que travamos uma luta interna de aceitação dos diferentes, sejamos nós os aceitos e sejam os outros que teremos de aceitar para termos sucesso, é natural que as pessoas sejam diferentes e singulares, alguns mais extrovertidos, outros menos, mas tudo isso ajuda no crescimento humano e no crescimento da empresa, a diversidade amplia nossa visão e abrem possibilidades de criatividade, há diferença em ser diferente pelo pensar produtivo e diferente por ser preconceituoso, ser preconceituoso já nos coloca em posição de exclusão, excluído e excludente . É preciso que as pessoas aprendam a lidar com o diferente, muitas vezes é bom, pois, para convivermos em sociedade e e obviamente no ambiente de trabalho, é necessário que saibamos respeitar o espaço do outro, o outro também passara a nos respeitar. O convívio com pessoas diferentes nos faz entender isso na prática. Sabendo disso, entendemos que é importante que cada um se conheça bem internamente, aqui entra o autoconhecimento, pois essa é a base para construir qualquer projeto que se quer levar para a frente. Sabendo se posicionar da maneira que se julga correta e ideal para si mesmo ajuda a pensar na relação com os demais, as posições contrarias a nossa são importantes para nos fazer ver outra forma de pensar e talvez até de agir. Sobretudo, independente das diferenças, sejam elas a introversão ou extroversão, o que realmente conta num projeto de humanização é aquilo que é necessário para os profissionais fazerem seu trabalho da forma correta, se ajudando sempre, colaborando e compartilhando experiências, experiências envolve o passado. E o respeito é algo básico que deve prevalecer, assim como os esforços para que o trabalho flua bem e leve a sociedade e a empresa no melhor caminho possível.
Em seu livro “Entre o Passado e o Futuro” quando afirma que a palavra e a ação, para se converterem em política, requerem a existência de um espaço que permita o aparecimento da liberdade, este espaço é aquele em as pessoas estão preparadas para ouvir e escutar, refletir e ponderar, se olharem e ouvirem respeitando as diferenças e diversidades.
A compreensão do passado presente em nosso presente preenche supostas lacunas e para que isto ocorra, é fundamental acomodarmos nossa percepção da realidade, considerando a maneira do outro percebê-la, construir um novo olhar. Em outras palavras, é aceitar o outro como ele é; respeitar seus pontos de vista e compreender que ele tem todo direito do mundo à sua singularidade, sem que ninguém queira ou tente mudá-lo, afinal nós também não gostaríamos de sermos forçados a mudar por mudar, mudar por simplesmente sermos diferentes.
De acordo com os gregos, a circularidade da vida
biológica conferia à natureza o seu caráter de imortalidade, em contraste com a
mortalidade concreta dos homens. Entretanto, o tempo retilíneo de uma vida
individual, onde o presente não repete o passado e cada instante é único e diferente
– “que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas – mas que
elas vão sempre mudando”, como diria Guimarães Rosa – pode
albergar feitos e acontecimentos que, pela sua singularidade, merecem ser
conservados. A função da História seria a de registrar estes feitos e
acontecimentos garantindo, desta maneira, a imortalidade do homem na terra –
“Por estender co’a fama a curta vida”, como nos ensina Camões [9]. Esta visão
da História foi modificada quando Vico enfrentou o
problema da distinção entre processos naturais e processos históricos. De acordo
com Vico, a natureza é feita por Deus, e só Ele pode compreender os seus
processos. Entretanto, a História é feita pelo homem, que pode,
consequentemente, entender os processos que desencadeou. Em outras palavras, e
para usar a formulação de Ortega: A
História é o sistema das experiências humanas. A natureza do homem é a sua
história – as suas res gestae – e o sistematismo das rerum gestarum abre a possibilidade
da cognitio rerum gestarum. Pg. 12
Em cada sociedade podemos encontrar pessoas culturalmente diferentes por seus hábitos, mesmo dentro de cada sociedade encontraremos pessoas diferentes, mesmo praticando os mesmos hábitos culturais, pois as pessoas são diferentes umas das outras, cada ser é único, com emoções, histórias, experiências e modelos sociais dentro da sociedade que influenciam a maneira com que elas percebem o ambiente ao seu redor. Saber lidar com pessoas diferentes de nós é um desafio diário e constante, seja lá onde for, dito isto inclui aqueles que vão trabalhar no estrangeiro.
Diferente para muitas pessoas significa dizer que algo não é comum na sociedade, os estrangeiros se surpreendem com os hábitos das sociedades as quais passaram a compor e vice-versa.
“A análise de Marx explodiu a tradição através da radicalidade de alguns de seus conceitos básicos, a saber: (i) o trabalho cria o homem, o que equivale a dizer que o homem cria a si mesmo pelo trabalho e que, portanto, a sua diferença específica é ser animal laborans e não animal rationale.” Pg. 11
Os ditos diferentes ficam ainda mais diferentes porque são penalizados pela discriminação, seja ela religiosa, racial, social, deficiências, todos os discriminados são empurrados para o submundo dos injustiçados. As diferenças econômicas e sociais podem ser identificadas numa sociedade onde flui a injustiça social, e nesta sociedade as classes dominantes se dizem neutras, está suposta indiferença os colocam do lado dos opressores e exploradores, desnudando a suposta neutralidade. Devemos refletir perguntando-nos a partir de qual lugar social pensamos e agimos? Não é difícil responder, precisamos primeiro saber qual nosso lugar na sociedade, “O lugar social determina o lugar epistemológico”, diz Karl Marx. Ou seja, se vivo na periferia sendo marginalizado, vejo o mundo a partir da ótica da periferia, se faço parte da pequena burguesia, eufemisticamente chamada de classe média, vejo o mundo a partir da classe média. Assim como quem é empresário vê o mundo a partir dos interesses da empresa. Estando em uma sociedade injusta socialmente, faz-se necessário sempre perguntar: a partir de qual lugar social estou falando, pensando e agindo? Isso para que “oprimido não seja hospedeiro de opressor”, para que “explorado não seja cúmplice dos exploradores”. Pois a opressão não seria tão forte se os exploradores e violentadores não encontrassem apoiadores no meio dos explorados e violentados, já dizia Hannah Arendt. As diferenças dos diferentes podem ser minimizados através de ações de curto e longo prazo, a curto prazo apresentamos a lei de cotas, sociais, raciais e para deficientes, porem a longo prazo onde a educação entra no jogo, ainda não entrou para jogar, assim vamos tentando resolver as diferenças sem fazer muita diferença, há ainda muito preconceito, discriminação e intolerância.
Para superarmos os preconceitos, as discriminações e a intolerância temos que fazer muitas coisas de forma sincronizada, a sociedade representada pelo Estado e o núcleo familiar.
Todos os seres humanos nascem da mesma forma, alguns em berço de ouro e a maioria não, porem todos nascemos humanos e as condições sociais objetivas podem nos humanizar ou nos desumanizar. Já dizia Rousseau: “O homem nasce bom, a sociedade é que o perverte”, assim como nascemos bons em nossa singularidade, cabe a nós que temos as experiências do passado, apresentarmos um presente diferente para melhor, a sincronização pode ser aquela onde todos procuram fazer o seu melhor o tempo todo, cada um em sua singularidade é responsável pela transformação da sociedade.
Fonte:
Arendt, Hannah. Entre o Passado e o Futuro. (tradução Mauro W. Barbosa). 8ª. Ed. São Paulo perspectiva 2016 – Debates.