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quinta-feira, 31 de outubro de 2019

É Bizarro!


Já vivenciei esta cena mais de uma vez, no entanto sempre penso que seja pelo menos estranho e até muito bizarro!

Pois bem vou contar: Minha Linda e eu, fomos almoçar num restaurante de comida natural em Porto Alegre, porem antes de entrar no assunto que estou me propondo a contar, faço um esclarecimento, porque certa vez ouvi alguém me dizer que para ele não havia diferença no tipo de comida (era tudo comida natural), e em seguida me perguntou “afinal o que é comida natural para ti? ”, então esclareci: comida natural é um alimento natural que é minimamente processado, sem corantes artificiais, conservantes, aromatizantes e outros aditivos. A alimentação natural é baseada em alimentos mais próximos de sua natureza, preservando o equilíbrio original dos nutrientes. Ora, esta dúvida me pareceu estranha, afinal veio de alguém que não enfrentava nenhuma dificuldade em satisfazer suas necessidades básicas como é a alimentação em bons restaurantes. Me perguntei, e a tal da educação alimentar, onde foi parar? 




Bem, vamos ao que interessa, no citado restaurante natural, (diga-se, é um ótimo restaurante, com ótimo ambiente, moderno e com decoração caprichada, com buffet livre maravilhoso, muito bem atendido por seus proprietários), cobra o valor do buffet por pessoa de R$25,00, como éramos duas pessoas, a conta facílima de se fazer (2 x 25,00=R$50,00) ou (25 + 25 = 50), pasmem: o caixa (muito simpático) para fazer a conta sacou de uma calculadora, daquelas antigas e com números bem grandes, digitou alguns algarismos, e antes de me dizer fez o cálculo, são R$50,00.

Confesso que por alguns segundos fiquei sem reação, não porque achei caro, mas porque estava refletindo sobre o que tinha acabado de acontecer. Pensei pretensamente que o funcionário acostumado a fazer cálculos, para fazer um cálculo tão simples, não lançaria mão de uma calculadora eletrônica para chegar ao valor total da conta. Que decepção!

Não me contive e lhe perguntei: “Tu precisas de uma calculadora para calcular quanto custam dois almoços de R$25,00 cada um? ”, a resposta do caixa foi um olhar de quem não havia entendido a pergunta, e ele respondeu positivamente como o aceno da cabeça. Penso que seja certo e correto utilizar a calculadora, afinal o caixa não pode errar, mas precisa usar sempre a calculadora, será que não confia mais na habilidade a priori de calcular (não inata) que possui?

Enfim, esta não foi a primeira vez que me deparei com tal situação, até cálculo mais simples como 3 + 3 = 6 (2 cafezinhos), já vi usarem a calculadora, para chegar no resultado da soma e também para dar o troco de 4, pois ao pagar tinha dado uma nota de 10, assim teria de fazer uma subtração.

Nada errado nisso? Como professor, como pai, como cidadão, confesso que tal situação me incomoda, o fato de alguém não fazer uma conta de soma, subtração, multiplicação, divisão, são tão elementares que podem ser feitas de cabeça. Afinal, é ou não, estranho ou bizarro?

Refletindo levantei duas questões: O nível da educação básica no Brasil é assim tão sofrível? E, a segunda foi a relação homem/tecnologia. Trata-se de uma discussão de nosso mundo contemporâneo, até que ponto a máquina pode emburrecer o homem, por assumir boa parte de suas tarefas cognitivas, será que também estamos desaprendendo a fazer contas? (também estamos desaprendendo a escrever/caligrafia/ortografia e a ler/interpretação já cheguei à conclusão que sim, estamos emburrecendo, basta ver através da comunicação).

Desde que Lamark enunciou a Lei do Uso e Desuso, lá no século XVII, sabemos que nosso corpo, incluindo aí o cérebro, se beneficia e se fortalece pelo uso constante. Músculos crescem, se tonificam e ficam fortes pela musculação, logo no caso do caixa, os músculos utilizados na elaboração da conta foram os músculos dos dedos, olhos e da língua para falar o resultado, muito pouco do cérebro para fazer o cálculo. Uma macaquice!

Penso que a evolução tecnológica está nos proporcionando deixarmos de fazermos trabalhos físicos, e mais pessoas passaram a frequentar academias, pelo simples fato de que o corpo precisa fazer força e manter-se em movimento. Senão atrofia. O Cérebro é igual. Se não for convenientemente desafiado, atrofia também.

Lembram de Arquimedes? Quando Arquimedes de Siracusa, lá no século II a.C. fez seus incríveis cálculos matemáticos usando apenas o cérebro, entre outras coisas, explicou a importância da alavanca. “Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”, teria dito ele. Hoje a calculadora do caixa, nada mais é do que uma alavanca de Arquimedes, só que a alavanca não dispensa o braço, a calculadora apenas ajuda no caso de cálculos mais complexos, não podemos definitivamente confundir a alavanca com o braço, não confundir a facilidade tecnológica negando o uso do cérebro, pois estaremos emburrecendo!

Refletindo e falando de nossa atual educação básica, a educação que deveria nos ajudar a pensar com o uso de ferramentas, e ela que está na raiz de nossos principais problemas. Penso imediatamente no ensino da Matemática, pois é ela que desenvolve o pensamento lógico e é essencial para construção de conhecimentos em outras áreas, além de servir como base para as séries posteriores. A matemática é fantástica por sua precisão, lógica e nos ajuda na interpretação do mundo, ela é um conhecimento a priori, no entanto, isto não significa que essa crença seja inata, i. e., que nascemos com elas. Como é óbvio, precisamos primeiro de adquirir os conceitos e a linguagem para as expressar, antes que possamos acreditar que 25+25=50. O caráter inato é uma noção psicológica, ao passo que o apriorismo é uma noção epistemológica, que tem a ver com a forma como a crença é justificada, o que conta como prova, quer a favor, quer contra esta. 



Segundo Descartes, a veracidade da matemática mantém-se mesmo durante os sonhos: “quer eu esteja acordado quer durma, dois e três somados são sempre cinco e o quadrado nunca tem mais do que quatro lados”. Assim, para Descartes, mesmo que a hipótese céptica da vida ser um sonho fosse verdadeira isso não implicaria por si só a falsidade da matemática.

Kant, através da diferenciação entre os juízos a priori, a posteriori, analíticos e sintéticos, Kant classifica os juízos em analíticos, sintéticos a posteriori e sintéticos a priori. Desses três o único que tem a possibilidade de criar novos conhecimentos são os juízos sintéticos a priori pois são ao mesmo tempo universais e necessários e fazem o conhecimento evoluir. Os juízos sintéticos a priori são os juízos da matemática e da física.

Ora, dito isto, me pergunto se não estamos perdendo mais do que estamos ganhando? A educação básica não estaria cometendo erros e iludindo a sociedade ao transmitir o conhecimento tal qual atualmente está sendo ministrado? O exemplo do caixa do restaurante é um entre milhares de situações as quais banalizamos por não haver mais estranhamento. Eu me recuso a aceitar, vou continuar me assombrando, é estranho e bizarro!

Estamos cientes que todo conhecimento comporta o risco do erro e da ilusão. Conforme Morin, a educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se reconhecem, em absoluto, como tais.



Erro e ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo sapiens. Quando consideramos o passado, inclusive o recente, sentimos que foi dominado por inúmeros erros e ilusões. Marx e Engels enunciaram justamente em “A ideologia alémã” que os homens sempre elaboraram falsas concepções de si próprios, do que fazem, do que devem fazer, do mundo onde vivem. Mas nem Marx nem Engels escaparam destes erros.

É muito difícil, para nós, distinguir o momento de separação e de oposição entre o que é oriundo da mesma fonte: a Idealidade, modo de existência necessário à Ideia para traduzir o real, e o Idealismo, possessão do real pela ideia; a racionalidade, dispositivo de diálogo entre a ideia com o real, e a racionalização que impede este mesmo diálogo. Da mesma forma, existe grande dificuldade em reconhecer o mito oculto sob a etiqueta da ciência ou da razão. Uma vez mais, vemos que o principal obstáculo intelectual para o conhecimento se encontra em nosso meio intelectual de conhecimento. Lenine disse que os fatos eram inflexíveis. Não havia percebido que a ideia-fixa e a ideia-força, ou seja, as suas, eram ainda mais inflexíveis. O mito e a ideologia destroem e devoram os fatos.

Entretanto, são as ideias que nos permitem conceber as carências e os perigos da ideia. Daí resulta este paradoxo incontornável: devemos manter uma luta crucial contra as ideias, mas somente podemos fazê-lo com a ajuda de ideias. Não nos devemos esquecer jamais de manter nossas ideias em seu papel mediador e impedir que se identifiquem com o real. Devemos reconhecer como dignas de fé apenas as ideias que comportem a ideia de que o real resiste à ideia. Esta é uma tarefa indispensável na luta contra a ilusão.

O inesperado surpreende-nos.
É que nos instalamos de maneira segura em nossas teorias e ideias, e estas não têm estrutura para acolher o novo. Entretanto, o novo brota sem parar. Não podemos jamais prever como se apresentar á, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja, esperar o inesperado. E quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz de rever nossas teorias e ideias, em vez de deixar o fato novo entrar à força na teoria incapaz de recebê-lo.

Um dos caminhos é inicialmente sair da atual alienação, procurar pensar, havendo duvidas ai então utilizar as alavancas tecnológicas, lembram de Arquimedes?



Realmente, o inesperado não deverá ser pautado pelo emburrecimento, e os exemplos do automatismo alienante brotam sem parar, precisamos rever nossas teorias educacionais, rever nossos paradigmas, não será a fórceps, será a partir de novas ideias, afinal vivemos num mundo que evolui (aqui cuidado com a palavra evolução, porque o câncer evolui para a “morte”) de maneira veloz e ampla. A importância da educação básica vai além do aumento da renda individual ou das chances de se obter um emprego, pois assegura o cumprimento de outros direitos que são fundamentais.

Bibliografia

Sites:


KANT, I. Kants Gesammelte Schriften. 29 Band. Berlin: Georg Reimer, 1902._
_____. Prolegômenos a toda metafísica futura que se queira mostrar como ciência. In: ______. Textos Selecionados. São Paulo: Abril Cultural, 1980. (Coleção Os Pensadores, Kant II). p. 5-99.

______. Crítica da razão pura. 2. ed. São Paulo: Abril Cultural, 1983. (Coleção Os Pensadores, Kant I)._
_____. Lógica. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1992._
_____. Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.

Mussak, Eugênio. Um Novo Olhar: e outras crônicas sobre o mundo volátil – São Paulo: Integrave Editora, 2016

segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O Enigma da Esfinge e Outros Mitos



A esfinge era um monstro mitológico, com cabeça de mulher, corpo de leão e asas de águia. Essa tradição originou-se no Egito e passou para a Grécia. Sua principal estátua ficava no templo de Apolo, no chamado Oráculo de Delfos.

Esfinge é uma palavra do egípcio arcaico, significa apertar a garganta até sufocar ou mesmo asfixiar. Era conhecida por seus enigmas. Quem já não ouviu falar? “Decifra-me ou te devoro”, ou seja, aquele quem não decifrasse era por ela devorado. 

Um desses enigmas, muito conhecido, era mais ou menos assim: “o que é, o que é? Qual o ser que de manhã caminha de quatro, ao meio-dia, sobre duas pernas, e pela tarde, com três pernas”. 

Naturalmente, referia-se ao homem, que em criança engatinha, quando adulto anda sobre duas pernas e ao envelhecer necessita de uma terceira perna, que é a bengala. Essa charada era um truque, na verdade, pois o homem é muito mais do que apenas isso. Define a vida como um processo de desenvolvimento, refere-se ao tempo e as etapas da vida.

Lembrando que Édipo responde ao enigma, no entanto para quem conhece a estória, após decifrar aparentemente ao enigma, depois afunda no incesto e no parricídio, este paradoxo pode significar que ele aparentemente a vence pelo intelecto, mas que a vitória intelectual é ilusória, pois, na realidade existencial, ela retorna do fundo do abismo para derrotá-lo. A falsa vitória do intelecto sobre a 

Esfinge representa, assim, a onipotência da Consciência racional que, ao descrever a vida, acredita controlá-la.

Freud descobriu e Édipo tragicamente aprendeu, é o processo de desenvolvimento existencial através das vivências que formam a Consciência, e não o contrário. Se Édipo houvesse compreendido o enigma que decifrou também na dimensão existencial e não apenas intelectual, talvez tivesse examinado melhor sua infância e a relação com seus pais em Corinto e descoberto a história real do seu processo existencial. Ao decifrar a Esfinge somente no nível intelectual e sentir-se onipotentemente conhecedor da verdade, Édipo teve que pagar o preço da tragédia para descobrir sua verdade existencial. Infelizmente, a Psicanálise está tendo que pagar a onipotência da interpretação racional com mais de um século de frustrações.

Os enigmas da esfinge são os nossos enigmas internos. A nossa busca pelo autoconhecimento.

Os nossos questionamentos quanto a nossa existência. Enfim, o verdadeiro enigma: Quem sou?  O que faço aqui? De onde venho? Para onde vou? (SALIS, 2003)

A esfinge tinha cabeça feminina porque representa a intuição. É dessa maneira que devemos indagar, pois a razão e a lógica são inúteis para investigar o mistério da existência. Além disso, é preciso faze-lo com sensibilidade – outra característica do arquétipo feminino. O corpo da esfinge era de leão porque é preciso ter coragem e força para indagar. Além disso, sem saúde forte não se vai a lugar algum. Finalmente a esfinge tinha asas de águia porque o caminho do homem é para o alto, para os deuses ou, como dizemos hoje, para a espiritualidade.

Voar para o alto não significa lutar para provar que somos melhores do que os outros – isto é tolo, vão, e somente nos rebaixa. Voar para o alto muito menos significa conquistar cada vez mais bens materiais – não custa lembrar que tudo ficará por aqui. Voar para o alto é saber nos bastar e buscar a única coisa que levamos para a eternidade: a sabedoria e a espiritualidade ou, como diziam os antigos, a nobreza, a beleza e a bondade.

A chave do enigma para a modernidade: conhece-te a ti mesmo, depois os outros, e finalmente ao mundo – e então, finalmente, serás alguém capaz de voar para o alto.

Como diz Joseph Campbell, é possível extrair dos mitos certo conjunto de normas morais e sociais.

O mito é um paradoxo, é algo que nunca aconteceu, mas sempre existiu. Lembro-me das palavras de alguém que agora não lembro quem, mas lembro de suas palavras: "Que seria de nós sem o socorro das coisas que não existem?". 

O mito é uma fala, como diz Barthes, naturalmente não é uma fala qualquer, pois são necessárias condições para que a linguagem se transforme em mito, trata-se de um sistema de comunicação, é uma mensagem. A linguagem é carregada de proposições e palavras, Wittgenstein tem nas palavras o poder enfeitiçante.

O mito não esconde nada e nada ostenta também: deforma; o mito não é nem uma mentira nem uma confissão: é uma inflexão. Ele esta encarregado de transmitir um conceito intencional, o mito só encontra traição na linguagem, pois a linguagem ou elimina o conceito, escondendo-o, ou o desmascara, dizendo-o, no entanto sua ação é mais forte do que as explicações racionais que podem pouco depois desmenti-lo. 

Quando ficamos velhos nos voltamos mais “para a vida interior” e se não soubermos “o que é esse centro (vida interior)”, vamos sofrer. É aí que entram os mitos. De certa forma, eles servem para nos contar a nossa própria história.   Para Campbell, “quando a história está em sua mente, você percebe sua relevância para aquilo que esteja acontecendo em sua vida”. Para ele, “isso dá perspectiva ao que lhe está acontecendo, os mitos tem a ver “com os profundos problemas interiores, com os profundos mistérios, com os profundos limiares da travessia, “se você não souber o que dizem os sinais ao longo do caminho, terá de produzi-los por sua conta. 



São pistas para as potencialidades espirituais da vida humana, são experiência de vida que nos ensinam a voltar para dentro e nos conectam com a experiência de estar vivo. Mais do que isso, para 

Campbell, “aquilo que os humanos têm em comum se revela nos mitos”.
Justamente por isso, contamos e estudamos mitos, para compreender a nossa própria história, já que todos nós precisamos compreender e enfrentar a morte, assim como precisamos de ajuda em nossas passagens ao longo da vida. Assim, de acordo com Joseph Campbell, mitos são histórias sobre a sabedoria de vida”.

Campbell, em seu livro “O herói de mil faces”, apresenta a ideia de monomito, um mito comum a todos nós. Pensando no que o próprio Campbell (1992) definiu como a “função pedagógica do mito”, que nos ensina “como viver uma vida humana sob qualquer circunstância”, a jornada do herói nos ajuda a compreender cada etapa da nossa jornada, seja de nossa vida como um todo ou das pequenas e grandes jornadas pelas quais nos aventuramos durante nossa trajetória. Nesse sentido, a jornada do herói pode ser considerada “um modelo arquetípico que pode conter sentido e significado para pessoas reais e contemporâneas” (DEL PICCHIA e BALIEIRO, 2010:22).

Como bem resumem Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro, “o modelo da jornada do herói é composto de um ponto de partida – que, de certa forma, é também o ponto de chegada – chamado mundo cotidiano e de três fases: ruptura, iniciação retorno” (2010:22). Cada uma dessas fases é composta por algumas etapas, sendo que, dependendo da jornada, algumas delas podem ou não ser vividas. Em outras palavras, todo herói vive as três fases, que podem ser compostas de mais ou menos etapas.

As etapas da jornada do herói ou aventura do herói, como Campbell chama, descritas em seu livro “O herói de mil faces” são:
  1. A partida
  2. o chamado da aventura
  3. a recusa do chamado
  4. o auxílio sobrenatural
  5. a passagem pelo primeiro limiar
  6. o ventre da baleia
  7. A iniciação
  8. o caminho de provas
  9. o encontro com a deusa
  10. a mulher como tentação
  11. a sintonia com o pai
  12. a apoteose
  13. a última benção
  • O retorno
  1. a recusa do retorno
  2. a fuga mágica
  3. o resgate com auxílio externo
  4. a passagem pelo limiar do retorno
  5. senhor de dois mundos
  6. liberdade para viver
Para Beatriz Del Picchia e Cristina Balieiro que, além de grandes estudiosas de Campbell também pesquisaram a relação da jornada do herói e a vida de pessoas reais, as etapas podem ser descritas da seguinte maneira:

Mundo cotidiano: o ponto de partida, contexto, passado, origem, história pregressa e para onde o herói retorna.
  1. Ruptura
  2. Chamado à aventura: apelo, convocação para o rompimento com o conhecido, crise.
  3. Recusa ao chamado: dúvidas, hesitações, relutância e recusa em aceitar o chamado.
  4. Travessia do primeiro limiar: primeira busca ativa de respostas ou soluções para a ruptura que ocorreu devido ao chamado; primeiro momento de ação.
  5. Iniciação
  6. Encontro com o mestre: mestres encontrados no caminho.
  7. Aprendizado: etapa de educação e aprendizado, tanto vivencial quanto intelectual.
  8. Travessia de novos limiares: comprometimento ainda maior com a mudança, ações e buscas mais radicais.
  9. Situação-limite: ponto de inflexão que implica provações e sacrifícios ou rendição para poder continuar a jornada.
  10. Bliss: encontro do “tesouro de cada um”, aquilo que traz sentido e significado à vida.
  • Retorno
  1. Caminho de volta: preparação para viver no “mundo cotidiano” outra vez, mas pessoalmente modificado
  2. Ressignificado: Transformação pessoal advinda da jornada e do encontro da bliss.
  3. Dádiva para o mundo: o que se traz como doação concreta para o mundo, de acordo com a bliss.
Para as autoras, é importante lembrar, ainda, que “as etapas não acontecem de maneira linear como no mito” (p. 22). Segundo a observação delas, nas vidas das pessoas “algumas dessas etapas acontecem para todas, são inerentes ao caminho: o chamado à aventura, a travessia, a travessia do primeiro limiar, a bliss, o caminho de volta, o ressignificado e a dádiva ao mundo” (p. 23). De acordo com a observação delas, “as outras etapas podem ocorrer ou não: a recusa, a travessia de novos limiares, o mestre, o encontro com o mestre, o aprendizado e a situação limite”.

Para Christopher Vogler (2006), a jornada do herói também está dividida em doze estágios: mundo comum, chamado à aventura, recusa do chamado, encontro com o mentor, travessia do primeiro limiar, testes, aliados e inimigos, aproximação da caverna oculta, provação, recompensa (apenhando a espada), caminho de volta, ressureição e retorno com o elixir.

Círculos e ciclos

Joseph Campbell, assim como C.G.Jung, pesquisaram sobre os acontecimentos circulares, especialmente os círculos e mandalas, que também possuem um conteúdo mítico. Também Mircea Eliade, ao falar do mito do eterno retorno, abordou esse tema.

Mandala é uma palavra em sânscrito que significa o círculo que é montado ou desenhado simbolicamente, adquirindo um significado de ordem cósmica. Quando alguém faz uma mandala, está tentando coordenar seu círculo pessoal com o universal. Muitas cerimônias e rituais indígenas, por exemplo, acontecem em formas circulares.



A própria jornada ou aventura do herói pode ser descrita de forma circular, considerando que o herói parte do mundo comum, para onde retorna. O mito, aliás, rompe com o tempo linear histórico e inclui os ritos e rituais que, de forma circular, “asseguram a continuidade da vida” (ELIADE, 1969:66).

Essa concepção cíclica ou circular de mundo está ligada aos movimentos celestes, especialmente aos ciclos de Sol e de Lua. Mircea Eliade nos lembra que as fases da Lua “desempenharam um papel importante na elaboração das concepções cíclicas” (1969:101).
Vilém Flusser (2007:69) lembra sobre a “roda do Sol, o círculo do tempo”, que “coloca tudo e todas as coisas de volta no lugar que lhes é devido”. Flusser ainda lembra que “os planetas descrevem órbitas circulares, epicíclicas ou elípticas”.



Nesse sentido, a base da Astrologia está relacionada a esses movimentos circulares e a ideia de ciclos que sempre se repetem. Apesar dos ciclos astrológicos possuírem diversos referenciais, todos eles são circulares e cíclicos. Considerando o homem na Terra como observador, a Astrologia considera o aparente movimento de Sol, Lua e dos planetas ao nosso redor. Além disso, tendo como base o local geográfico no qual está o observador, formam-se as doze casas astrológicas, diretamente ligadas ao movimento diário da Terra em seu próprio eixo, que faz com que tenhamos o tempo dividido em dia e noite.

Então, uma função mitológica é voltada para orientar os indivíduos à superação das etapas da vida, do nascimento à maturidade, da senilidade à morte.


Na visão de Nietzsche, o Eterno Retorno é uma espécie de mito introduzido na filosofia por ele que descrevera a "condição humana", revigorando uma ideia esboçada por certos pitagóricos, admitida pelos estoicos e certos neoplatônicos, sob uma forma astrológica, para designar a doutrina no movimento cíclico absoluto e infinitamente repetido de todas as coisas. Em Assim Falou Zaratustra (1883-85), ele retoma a ideia de Heráclito do devir, segundo a qual tudo flui, tudo muda, tudo retorna, e declara: tudo passa e tudo retorna, eternamente gira a roda do ser. Em Ecce Homo (1888), tem sua primeira intuição, quase mística, do eterno retorno: se o tempo não é linear, não faz sentido a distinção entre o "antes" e o "depois". Se tudo retorna eternamente, o futuro já é um passado; e o presente é tão passado quanto o futuro.

Teoria pitagórica e estoica segundo a qual as coisas voltam exatamente semelhantes ao que foram após um período de vários milhares de anos (o Grande Ano). Essa periodicidade do estado do Mundo será admitida ulteriormente a título de mito poético por vários autores, mas é com Nietzsche que encontra um novo vigor, principalmente por sua dimensão moral e porque constituirá o equivalente de um salto na eternidade ou na imortalidade compatível com, simultaneamente, o pessimismo com relação ao mundo contemporâneo e a espera do super-homem.

Diferentemente do “eterno Retorno” de Nietzsche, numa visão holística, início e fim são a mesma coisa, são constantes do círculo da vida, tem a ver com o tempo. Estamos acostumados a ver o tempo como uma linha reta, e nós no meio dessa linha e os acontecimentos acontecendo antes e depois.

Existe uma forma de pensar holística oriental ser a mais coerente com a lei carmica, devemos imaginar o tempo como um círculo, ao invés de uma linha, conosco no centro do círculo do tempo, acontecimentos ocorrem ao nosso redor, todos ao mesmo tempo.

No círculo do tempo, nada vem antes e nada vem depois. É assim que o tempo realmente é. Não há nada antes e nada depois, tudo é igual, percebe-se aí a possibilidade de um entrelaçamento quântico, que permite que dois ou mais acontecimentos estejam de alguma forma tão ligados que um acontecimento não possa ser corretamente descrito sem que a sua contra-parte seja mencionada - mesmo que os acontecimentos possam estar temporalmente separados. “Temos de aprender a pensar o mundo não como algo que muda no tempo, mas de alguma outra maneira. As coisas mudam apenas uma em relação a outra. No nível fundamental, o tempo não existe”.


Talvez, a dificuldade em entender o conceito se deva ao fato de que é praticamente impossível pensar em um mundo sem tempo e sem espaço. Isso porque essa ideia coloca em risco a própria realidade a nossa volta — daí para o niilismo de Nietzsche é um pulo. Mas, como alertou o físico italiano, “compreender o mundo muitas vezes significa contrariar a nossa própria intuição”.

Com esta teoria da física, ironicamente, ganhamos uma maneira mais filosófica de ver o mundo, já que vem da filosofia essa ideia de deixar de ver o espaço como um “recipiente”. “Quanto mais aprendemos de forma interdisciplinar, melhor compreendemos as coisas. Einstein lia muita filosofia; Kant, Milton e Borges foram muito influenciados pela física... Manter a educação separada nos faz mais ignorantes”, segundo o físico italiano Carlo Rovelli.


Falar sobre o tema “Tempo” é apaixonante e instigante, a ideia do tempo está presente desde a antiguidade, presente nos mitos como por exemplo no mito grego de Kronos que nos remete à compreensão do tempo e das limitações da vida mortal. Nada pode ir além do âmbito da própria vida e nada permanece inalterado. Kronos é o deus que encarna o sentido do tempo, mas também se rebela contra ele. E, por isso foi destronado e humilhado, aprendendo assim no silêncio da própria dor.

PENSAR SOBRE O TEMPO NO CIRCULO HOLISTICO CARMICO - No círculo holístico oriental de encarar a vida, não há pecados, apenas dividas carmicas, e ninguém pode pagar estas dividas por nós. Para ascender a círculos mais elevados e evoluídos, o mérito é necessário, é preciso que o herói realize uma mudança de padrões de comportamento. Só assim o ciclo se encerra!…, caso contrário estaríamos vivendo no eterno retorno apontado por Nietzsche. O aprendizado é o que realmente importa nas questões carmicas. Se ele não ocorrer, o carma não é resgatado, por mais que tenhamos sofrido com a sua ação impiedosa… Inclusive, o carma pode até ser mudado, ou mesmo anulado, a partir do aprendizado.

A função de nossas experiências na matéria é provocar evolução interna, ou seja, instruir-nos sobre o caminho da luz. Não existe punição divina. O homem é que ainda percebe a causa da dor dessa forma equivocada, ou seja, acreditando que ela é um castigo em vez de um ensinamento. Isso dificulta a libertação dos ciclos reencarnatórios de sofrimento.

Apenas viver o carma não é suficiente. É necessário aprender com ele e modificar-se para melhor. Em outras palavras: dar novas respostas ao mundo ao nosso redor, abandonando antigos padrões de comportamento… Sobre o carma, nada mudou com relação à visão dos estudiosos espiritualistas do passado. A única diferença é que a percepção da humanidade de agora é mais ampla, permitindo que ela compreenda melhor esse mecanismo. Não existe culpa e castigo. O que existe é erro e aprendizado. O carma só se manifesta com essa intenção. Quem se conscientiza rapidamente que ingressou na estrada da sombra, logo se liberta da imposição do carma, podendo até mesmo evitá-lo.”


Do início ao fim do caminho do herói, seu herói é, e sempre será, apenas você.


BIBLIOGRAFIA

CAMPBELL, Joseph (entrevista com Bill Moyers). O poder do mito. São Paulo: Associação Palas Atenas, 1992.

CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Pensamento, 2013.
                                    Mito e Transformação, 2008, p. 36.

DEL PICHIA, Beatriz. BALIEIRO, Cristina. O feminino e o sagrado: a mulher na jornada do herói. São Paulo: Ágora, 2010.

DUROZOI, G. e ROUSSEL, A. Dicionário de Filosofia. Tradução de Marina Appenzeller. Campinas, SP: Papirus, 1993

ELIADE, Mircea. O mito do eterno retorno. Lisboa: Edições 70, 1969.

FLUSSER, Vilém. O mundo codificado: por uma filosofia do design e da comunicação. São Paulo: Cosac Naify, 2007.

JAPIASSÚ, Hilton e MARCONDES, Danilo. Dicionário Básico de Filosofia. 5.ed. Rio de Janeiro: Zahar, 2008

JUNG, Carl Gustav. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2008.
______. WILHELM, Richard. O segredo da flor de ouro: um livro de vida chinês. Petrópolis: Vozes, 2012.

FREUD, Sigmund (1900). A Interpretação dos Sonhos. Obras Completas. Rio de Janeiro: Ed. Imago, Vols. 3 e 4, 1972.

SALIS, Viktor D. Mitologia Viva – Aprendendo com os deuses a arte de viver e amar. Ed. Nova Alexandria, São Paulo, 2003

VOGLER, Christopher. A jornada do escritor. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006.

Sites consultados: