Já vivenciei esta cena mais de uma vez, no
entanto sempre penso que seja pelo menos estranho e até muito bizarro!
Pois bem vou contar: Minha Linda e eu, fomos
almoçar num restaurante de comida natural em Porto Alegre, porem antes de
entrar no assunto que estou me propondo a contar, faço um esclarecimento, porque
certa vez ouvi alguém me dizer que para ele não havia diferença no tipo de
comida (era tudo comida natural), e em seguida me perguntou “afinal o que é comida
natural para ti? ”, então esclareci: comida natural é um
alimento natural que é minimamente processado, sem corantes artificiais,
conservantes, aromatizantes e outros aditivos. A alimentação natural é
baseada em alimentos mais próximos de sua natureza, preservando o
equilíbrio original dos nutrientes. Ora, esta dúvida me pareceu estranha,
afinal veio de alguém que não enfrentava nenhuma dificuldade em satisfazer suas
necessidades básicas como é a alimentação em bons restaurantes. Me perguntei, e
a tal da educação alimentar, onde foi parar?
Bem, vamos ao que interessa,
no citado restaurante natural, (diga-se, é um ótimo restaurante, com ótimo
ambiente, moderno e com decoração caprichada, com buffet livre maravilhoso,
muito bem atendido por seus proprietários), cobra o valor do buffet por pessoa
de R$25,00, como éramos duas pessoas, a conta facílima de se fazer (2 x
25,00=R$50,00) ou (25 + 25 = 50), pasmem: o caixa (muito simpático) para fazer
a conta sacou de uma calculadora, daquelas antigas e com números bem grandes, digitou
alguns algarismos, e antes de me dizer fez o cálculo, são R$50,00.
Confesso que por alguns
segundos fiquei sem reação, não porque achei caro, mas porque estava refletindo
sobre o que tinha acabado de acontecer. Pensei pretensamente que o funcionário
acostumado a fazer cálculos, para fazer um cálculo tão simples, não lançaria mão
de uma calculadora eletrônica para chegar ao valor total da conta. Que
decepção!
Não me contive e lhe
perguntei: “Tu precisas de uma calculadora para calcular quanto custam dois
almoços de R$25,00 cada um? ”, a resposta do caixa foi um olhar de quem não
havia entendido a pergunta, e ele respondeu positivamente como o aceno da
cabeça. Penso que seja certo e correto utilizar a calculadora, afinal o caixa
não pode errar, mas precisa usar sempre a calculadora, será que não confia mais
na habilidade a priori de calcular (não inata) que possui?
Enfim, esta não foi a primeira
vez que me deparei com tal situação, até cálculo mais simples como 3 + 3 = 6 (2
cafezinhos), já vi usarem a calculadora, para chegar no resultado da soma e também
para dar o troco de 4, pois ao pagar tinha dado uma nota de 10, assim teria de
fazer uma subtração.
Nada errado nisso? Como professor,
como pai, como cidadão, confesso que tal situação me incomoda, o fato de alguém
não fazer uma conta de soma, subtração, multiplicação, divisão, são tão
elementares que podem ser feitas de cabeça. Afinal, é ou não, estranho ou bizarro?
Refletindo levantei duas
questões: O nível da educação básica no Brasil é assim tão sofrível? E, a
segunda foi a relação homem/tecnologia. Trata-se de uma discussão de nosso
mundo contemporâneo, até que ponto a máquina pode emburrecer o homem, por
assumir boa parte de suas tarefas cognitivas, será que também estamos
desaprendendo a fazer contas? (também estamos desaprendendo a escrever/caligrafia/ortografia
e a ler/interpretação já cheguei à conclusão que sim, estamos emburrecendo,
basta ver através da comunicação).
Desde que Lamark enunciou a
Lei do Uso e Desuso, lá no século XVII, sabemos que nosso corpo, incluindo aí o
cérebro, se beneficia e se fortalece pelo uso constante. Músculos crescem, se
tonificam e ficam fortes pela musculação, logo no caso do caixa, os músculos
utilizados na elaboração da conta foram os músculos dos dedos, olhos e da língua
para falar o resultado, muito pouco do cérebro para fazer o cálculo. Uma
macaquice!
Penso que a evolução tecnológica
está nos proporcionando deixarmos de fazermos trabalhos físicos, e mais pessoas
passaram a frequentar academias, pelo simples fato de que o corpo precisa fazer
força e manter-se em movimento. Senão atrofia. O Cérebro é igual. Se não for
convenientemente desafiado, atrofia também.
Lembram de Arquimedes? Quando Arquimedes
de Siracusa, lá no século II a.C. fez seus incríveis cálculos matemáticos usando
apenas o cérebro, entre outras coisas, explicou a importância da alavanca. “Dê-me
uma alavanca e um ponto de apoio e eu moverei o mundo”, teria dito ele. Hoje a
calculadora do caixa, nada mais é do que uma alavanca de Arquimedes, só que a
alavanca não dispensa o braço, a calculadora apenas ajuda no caso de cálculos mais
complexos, não podemos definitivamente confundir a alavanca com o braço, não
confundir a facilidade tecnológica negando o uso do cérebro, pois estaremos
emburrecendo!
Refletindo e falando de nossa atual educação básica,
a educação que deveria nos ajudar a pensar com o uso de ferramentas, e ela que está
na raiz de nossos principais problemas. Penso imediatamente no ensino da
Matemática, pois é ela que desenvolve o pensamento lógico e
é essencial para construção de conhecimentos em outras áreas, além de servir
como base para as séries posteriores. A matemática é fantástica por sua
precisão, lógica e nos ajuda na interpretação do mundo, ela é um conhecimento a
priori, no entanto, isto não significa que essa crença seja inata, i. e., que
nascemos com elas. Como é óbvio, precisamos primeiro de adquirir os conceitos e
a linguagem para as expressar, antes que possamos acreditar que 25+25=50. O caráter inato é uma noção psicológica, ao passo que o apriorismo é uma noção
epistemológica, que tem a ver com a forma como a crença é justificada, o que
conta como prova, quer a favor, quer contra esta.
Segundo Descartes, a veracidade da matemática
mantém-se mesmo durante os sonhos: “quer eu esteja acordado quer durma, dois e
três somados são sempre cinco e o quadrado nunca tem mais do que quatro lados”.
Assim, para Descartes, mesmo que a hipótese céptica da vida ser um sonho fosse
verdadeira isso não implicaria por si só a falsidade da matemática.
Kant, através da diferenciação entre os juízos a
priori, a posteriori, analíticos e sintéticos, Kant classifica os juízos em
analíticos, sintéticos a posteriori e sintéticos a priori. Desses três o único
que tem a possibilidade de criar novos conhecimentos são os juízos sintéticos a
priori pois são ao mesmo tempo universais e necessários e fazem o conhecimento
evoluir. Os juízos sintéticos a priori são os juízos da matemática e da física.
Ora, dito isto, me pergunto se não estamos
perdendo mais do que estamos ganhando? A educação básica não estaria cometendo
erros e iludindo a sociedade ao transmitir o conhecimento tal qual atualmente está
sendo ministrado? O exemplo do caixa do restaurante é um entre milhares de
situações as quais banalizamos por não haver mais estranhamento. Eu me recuso a
aceitar, vou continuar me assombrando, é estranho e bizarro!
Estamos cientes que todo conhecimento comporta o
risco do erro e da ilusão. Conforme Morin, a educação do futuro deve enfrentar
o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o
problema do erro; a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão. O reconhecimento
do erro e da ilusão é ainda mais difícil, porque o erro e a ilusão não se
reconhecem, em absoluto, como tais.
Erro e
ilusão parasitam a mente humana desde o aparecimento do Homo sapiens. Quando
consideramos o passado, inclusive o recente, sentimos que foi dominado por
inúmeros erros e ilusões. Marx e Engels enunciaram justamente em “A ideologia
alémã” que os homens sempre elaboraram falsas concepções de si próprios, do que
fazem, do que devem fazer, do mundo onde vivem. Mas nem Marx nem Engels
escaparam destes erros.
É muito
difícil, para nós, distinguir o momento de separação e de oposição entre o que
é oriundo da mesma fonte: a Idealidade, modo de existência necessário à Ideia
para traduzir o real, e o Idealismo, possessão do real pela ideia; a
racionalidade, dispositivo de diálogo entre a ideia com o real, e a
racionalização que impede este mesmo diálogo. Da mesma forma, existe grande dificuldade
em reconhecer o mito oculto sob a etiqueta da ciência ou da razão. Uma vez
mais, vemos que o principal obstáculo intelectual para o conhecimento se
encontra em nosso meio intelectual de conhecimento. Lenine disse que os fatos
eram inflexíveis. Não havia percebido que a ideia-fixa e a ideia-força, ou
seja, as suas, eram ainda mais inflexíveis. O mito e a ideologia destroem e devoram
os fatos.
Entretanto,
são as ideias que nos permitem conceber as carências e os perigos da ideia. Daí
resulta este paradoxo incontornável: devemos manter uma luta crucial contra as ideias,
mas somente podemos fazê-lo com a ajuda de ideias. Não nos devemos esquecer
jamais de manter nossas ideias em seu papel mediador e impedir que se
identifiquem com o real. Devemos reconhecer como dignas de fé apenas as ideias que
comportem a ideia de que o real resiste à ideia. Esta é uma tarefa
indispensável na luta contra a ilusão.
O
inesperado surpreende-nos.
É que nos
instalamos de maneira segura em nossas teorias e ideias, e estas não têm
estrutura para acolher o novo. Entretanto, o novo brota sem parar. Não podemos
jamais prever como se apresentar á, mas deve-se esperar sua chegada, ou seja,
esperar o inesperado. E quando o inesperado se manifesta, é preciso ser capaz
de rever nossas teorias e ideias, em vez de deixar o fato novo entrar à força
na teoria incapaz de recebê-lo.
Um dos caminhos é inicialmente sair da atual alienação, procurar pensar, havendo duvidas ai então utilizar as alavancas tecnológicas, lembram de Arquimedes?
Realmente,
o inesperado não deverá ser pautado pelo emburrecimento, e os exemplos do
automatismo alienante brotam sem parar, precisamos rever nossas teorias
educacionais, rever nossos paradigmas, não será a fórceps, será a partir de
novas ideias, afinal vivemos num mundo que evolui (aqui cuidado com a palavra
evolução, porque o câncer evolui para a “morte”) de maneira veloz e ampla. A
importância da educação básica vai além do
aumento da renda individual ou das chances de se obter um emprego, pois
assegura o cumprimento de outros direitos que são fundamentais.
Bibliografia
Sites:
KANT,
I. Kants Gesammelte Schriften. 29 Band. Berlin: Georg Reimer, 1902._
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Prolegômenos a toda metafísica futura que se queira mostrar como ciência. In: ______. Textos
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Crítica da razão pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001.
Mussak,
Eugênio. Um Novo Olhar: e outras crônicas sobre o mundo volátil – São Paulo:
Integrave Editora, 2016