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quinta-feira, 7 de março de 2024

Onde está?


Onde está o "eu"? É uma pergunta que muitos de nós já nos fizemos em algum momento da vida, provavelmente enquanto perdidos em pensamentos profundos ou nos confrontando com questões existenciais. É uma questão que permeia o tecido da filosofia, da psicologia e até mesmo das conversas informais entre amigos. E, para explorar essa pergunta intrigante, vamos mergulhar em algumas situações do cotidiano e trazer um pensador para nos ajudar a fundamentar nossas reflexões.

Imagine-se sentado em um café, observando as pessoas ao seu redor. Você vê sorrisos, expressões sérias, olhares distraídos. Cada pessoa parece ter uma história única, uma perspectiva própria sobre o mundo. Mas onde está o "eu" em cada uma delas? Será que o "eu" reside nos pensamentos, nas emoções, ou em algum lugar mais profundo?

Vamos trazer para a conversa um dos grandes pensadores da filosofia ocidental: René Descartes. Descartes, em sua busca pelo conhecimento seguro, lançou as bases do pensamento moderno com sua famosa frase "Cogito, ergo sum" ("Penso, logo existo"). Para Descartes, o "eu" reside na capacidade de pensar, na consciência que temos de nossas próprias experiências. É essa consciência que nos torna seres pensantes e, portanto, seres conscientes de nossa própria existência.

Mas será que a simples capacidade de pensar é suficiente para definir o "eu"? O que dizer das emoções, das experiências sensoriais que nos fazem sentir vivos? Aqui entra outro pensador importante: o filósofo alemão Martin Heidegger. Para Heidegger, o "eu" não é algo que possuímos, mas sim algo que vivemos. Em sua obra magistral "Ser e Tempo", Heidegger argumenta que o "eu" emerge da interação entre o ser humano e o mundo ao seu redor. Somos seres-no-mundo, imersos em um contexto que molda nossa percepção de nós mesmos e dos outros.

Mas mesmo com essas reflexões, o "eu" ainda parece escapar de nossas tentativas de definição. Às vezes, nos perdemos em pensamentos tão profundos que nos esquecemos de quem somos. Outras vezes, somos inundados por emoções tão intensas que perdemos de vista nossa própria identidade. E então, onde está o "eu" nessas situações?

Podemos encontrar uma pista na psicologia, mais especificamente na teoria do self de Carl Rogers. Rogers acreditava que o "eu" é um processo em constante evolução, uma busca contínua pela congruência entre quem somos e quem queremos ser. Para Rogers, o "eu" não é uma entidade fixa, mas sim uma jornada de autodescoberta e autenticidade.

No budismo, a ideia do "eu" é como um daqueles truques de ilusionismo que nos fazem coçar a cabeça. Eles dizem que não existe um "eu" fixo, algo constante e imutável dentro de nós. É como se estivéssemos todos numa montanha-russa de pensamentos, sensações e experiências, sempre em movimento. Os caras do budismo, especialmente o Buda, nos ensinam que essa busca por um "eu" permanente é meio que um beco sem saída, tipo tentar agarrar um punhado de água. Eles dizem que somos feitos de um monte de coisas em constante transformação - nossos corpos, nossas sensações, nossas mentes. Nada disso é estático. Então, onde está o "eu" nisso tudo? Bem, para eles, não existe. É meio louco, né? Mas a ideia é que quando percebemos essa falta de um "eu" sólido, podemos ficar mais leves, mais livres. Afinal, se não há um "eu" para segurar, não há nada pra carregar. É como se a vida fosse uma grande peça de teatro e o "eu" fosse apenas mais um personagem na plateia.

Um livro que aborda o tema do "eu" e da identidade de uma forma profunda e reflexiva é "O Estranho Caso do Cachorro Morto", escrito por Mark Haddon. Embora seja uma obra de ficção, a história é contada através da perspectiva de um jovem autista chamado Christopher Boone, que possui uma visão única do mundo e de si mesmo. Um dia Christopher Boone encontra o cachorro da vizinha morto, transpassado por um forcado de jardim. Fã das histórias de Sherlock Holmes, o adolescente de 15 anos decide iniciar sua própria investigação e escrever um livro relatando o passo a passo para a resolução do mistério. Apesar de sonhar em ser astronauta, Christopher nunca foi além de seu próprio mundo e a busca pelo assassino do cãozinho Wellington o fará descobrir um universo inteiramente novo. Analisar fatos e seguir pistas é fácil para Christopher. Afinal, ele é esperto, conhece todos os países do mundo e suas capitais, consegue dizer todos os números primos até 7.057 e tem extrema facilidade com matemática e física. Mas a coisa complica na hora de precisar entender as emoções humanas, as piadas ou, ainda, as metáforas. E ainda por cima ele tem muita dificuldade para interpretar a mais simples expressão facial de qualquer pessoa — o que pode dificultar um pouco a sua missão. Criado entre professores e pais que definitivamente não sabem lidar com suas necessidades especiais, Christopher é autista e observa com inocência a confusão emocional da vida dos adultos ao redor. Narrado em primeira pessoa, O estranho caso do cachorro morto convida o leitor a conhecer o singular mundo de Christopher a partir de seu próprio olhar com muita sensibilidade.

Neste livro, Christopher embarca em uma jornada para investigar a morte de um cachorro na vizinhança, e suas reflexões e observações ao longo do caminho nos levam a questionar o que realmente significa ter uma identidade, compreender o "eu" e lidar com as complexidades da mente humana.

"O Estranho Caso do Cachorro Morto" é uma leitura envolvente e comovente, que nos faz refletir sobre temas profundos enquanto nos prende com uma história cativante, especialmente porquê está relacionada ao tópico principal do artigo, que é a busca pela compreensão do "eu" e da identidade. A inclusão de perspectivas diversas, como a experiência de pessoas no espectro do autismo, enriquece a discussão e amplia a compreensão do tema. Por exemplo, a percepção do "eu" pode ser moldada de maneiras únicas para pessoas no espectro autista. Podemos discutir como as diferenças sensoriais, as habilidades sociais e as formas de comunicação podem influenciar a construção da identidade e a compreensão do próprio "eu" para indivíduos autistas. Essa abordagem adiciona uma dimensão importante à discussão sobre o "eu" e a identidade, demonstrando como diferentes experiências de vida podem moldar nossa compreensão de quem somos.

Assim, voltamos à pergunta inicial: onde está o "eu"? Talvez a resposta não seja uma localização específica, mas sim um processo dinâmico de interação entre pensamentos, emoções e experiências. O "eu" é uma jornada, uma busca incessante por significado e identidade em um mundo em constante mudança. E, talvez, essa seja a beleza e o mistério de ser humano: nunca sabermos completamente onde está o "eu", mas estarmos sempre em busca de encontrá-lo.

 

 

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