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quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Resenha critica da obra "O Museu do Silêncio" de Yoko Ogawa

 

O Museu do Silêncio pela escritora japonesa Yoko Ogawa

(Estação Liberdade, 2016, tradução de Rita Kohl).

 

Sobre a autora

Yoko Ogawa nasceu em Okayama, Japão, em 1962. A carreira literária precoce ocorreu de forma natural, por sempre ter sido uma leitora voraz, com especial apreço por clássicos japoneses, pelo Diário de Anne Frank e por obras de seu compatriota Kenzaburo Oe. Estreou em 1988, com Agehacho ga kowareru toki [A decomposição da borboleta], pelo qual obteve o prestigioso Prêmio Kaien, voltado a novos escritores. Prêmios, aliás, não faltam em sua carreira, valendo menção o Akutagawa pela novela Ninshin karenda [Diário da gravidez], o Izumi Kyoka por Burafuman no maiso [O enterro de Brahman], e o Tanizaki por Mina no koshin [A marcha de Mina]. Por A fórmula preferida do Professor, ela ainda arrebatou os prêmios Yomiuri e o da Sociedade Japonesa de Matemática. Yoko Ogawa vive em Ashiya, província de Hyogo ― nas proximidades de Kyoto ― com o marido e o filho.

A escritora japonesa Yoko Ogawa tem uma particularidade, ela foge de enredos convencionais e românticos. A começar pela arte da capa, a imagem utilizada é “Detalhe de Grande Buda”, referente a imagem da imensa estatua do Grande Buda de Nara (Nara-no-daibutsu), é o Buda sentado sobre pétalas de lótus, localizado no Templo Todaiji, na cidade de Nara, Japão.

A escolha da arte conciliou muito bem com o tema do livro, pois além da obra de suspense, as figuras dos pregadores do silêncio dão a impressão de serem monges de uma antiga seita budista, muito parecida com os monges do silêncio católicos em que São Bento exortava que a vida contemplativa é um dos maiores dons que Deus tem dado à Igreja. Nela o silêncio fala. Através dele se pode escutar a Deus, no caso dos monges Budistas o silêncio, a tranquilidade e a simplicidade são elementos que permitem o encontro com o eterno equilibrio de uma maneira que tenha significado, forma e propósito para tudo o que vamos fazer e para tudo o que somos. O Budismo não fala de Deus. Para o budista o mundo é um conjunto de forças, ou elementos, que se transformam e interagem num ciclo eterno de equilíbrio. O ser humano é só uma parte desse ciclo e a ideia de identidade individual é para eles uma ilusão.

A autora conta a história do sonho de uma velha ricaça em construir um museu bizarro, a ideia é preservar lembranças de pessoas que morreram no vilarejo em que mora. A velha senhora é grossa, rabugenta e seca, mas não porque seja pessoa má, mas porque ela está pensando em coisas mais profundas, superiores ao comum, ela se sente presa em seu destino de fazer o museu. Ela não tem escapatória, precisa fazer aquilo dar certo antes que seu tempo acabe. A sensação de destino e certa obsessão podem ser a origem desta grosseria, não é difícil de entendê-la, afinal quando somos mais velhos temos maior noção do esgotamento de nosso tempo. Quando nos deparamos com detalhes no olhar de Ogawa, que descreve bem uma coisa da decrepitude na velhice: a velha é nojenta, tem furúnculos, sua dentadura cai, ela cospe, porem isso não é descrito para ser nojento e nem cômico, é um aspecto da vida, efeito de ser velho, isto choca aqueles que negam o destino físico de todos nós.

Para levar adiante a tarefa de montar o museu, a velha contrata um museólogo de fora, experiente, ele tem uma paixão muito sincera pelo que faz, é devotado ao trabalho ele se dedica, vai a fundo e é ligado por amor ao seu oficio, para fazer com seriedade e entusiasmo genuínos o melhor museu possível.

Pouco a pouco o museólogo torna-se cúmplice da velha, sua filha adotiva e do jardineiro que construirá o edifício do museu. Também, gradativamente, o narrador familiariza-se com o mau humor, grosserias e as idiossincrasias da velha e o cotidiano do lugar.

Como em outros museus, o Museu do Silêncio destina-se a abrigar uma coleção de objetos que representa um patrimônio histórico ou cultural de uma época ou civilização. O narrador é um experiente museólogo, em vista disto temos na obra um apanhado geral do trabalho cuidadoso desses profissionais, esta é uma oportunidade para se ter uma ideia do processo que envolve o trabalho que vai desde catalogar, preservar, reparar e projetar o futuro espaço. Ou seja, todo o passo a passo da criação da alma desse mundo particular que é um museu. No caso do romance, na criação de um mundo silencioso, irreal que tem suas raízes na vida real das pessoas simples ou não. Mas estes objetos não podem ter uma simples conotação afetiva. Têm que representar fundamentalmente a vida das pessoas que morreram, cada objeto do museu precisa ser a metáfora perfeita da existência do finado.

Trecho do livro – pagina 45

“— Sempre que alguém da vila morre, recolho um único objeto relacionado àquela pessoa. É uma vila pequena, como você sabe, então não é todo dia que morre alguém. Mas não é fácil reunir esses objetos, algo que descobri na prática. Talvez fosse pesado demais para uma criança de onze anos. Mas, mesmo assim, consegui fazê-lo por muitas décadas. A minha maior dificuldade é porque não me contento com uma recordação qualquer. Nunca me contentei com algo fácil, uma roupa que a pessoa vestiu uma ou duas vezes, uma joia que viveu fechada no armário, uns óculos feitos três dias antes de morrer. O que eu quero são coisas que guardam, da forma mais vívida e fiel possível, a prova de que aqueles corpos realmente existiram, entende? Algo sem o que os anos acumulados ao longo da vida desmoronariam desde a base, algo que possa eternamente impedir que a morte seja completa. Não são lembrancinhas sentimentais, não tem nada a ver com isso. É claro que o valor financeiro também está fora de questão” (página 45)

Entre os objetos coletados, estão, por exemplo, um DIU, que pertenceu a uma prostituta assassinada há cinquenta anos. Ou a capa de pele de bisão-do-rochedo-branco, que pertenceu a um “monge do silêncio”. O monge do silêncio e o bisão-do-rochedo-branco são referências imaginárias, no entanto na estória os pregadores do silêncio, que são monges vestidos por uma pele de bisões-dos-rochedos-brancos de uma seita misteriosa que defendem o desaparecimento das palavras. Nenhum personagem é nomeado, nem a cidade e pais são identificados, a estória trabalha na generalidade, assim o leitor pode aplicar a outras situações e outras cidades do mundo, no entanto percebe-se que o local onde a estória é narrada está bastante ligado a cultura japonesa, inclusive a jovem que ajuda o museólogo na descrição dos itens do museu é escrito a mão com caneta tinteiro, e no Japão a escrita à mão é muito valorizada, coisa que no restante do mundo está se perdendo tal habilidade, estamos substituindo pelo clicar de teclados, estamos perdendo uma bela habilidade humana.

A mensagem contida na obra nos remete a pensar que uma homenagem as pessoas quaisquer provocam uma reflexão sobre morte e esquecimento, ou morte e silêncio”, nos lembram de nossa finitude existencial e provocam uma angustia de não nos enxergarmos neste mundo.

À parte o projeto da velha, o vilarejo é sacudido por acontecimentos estranhos. Uma bomba explode, matando o monge do silêncio e ferindo a filha adotiva da velha. E uma série de assassinatos de mulheres guarda relação com a morte da prostituta, agora é inevitável uma crítica, outros acontecimentos dão a impressão de estarem soltos faltando uma liga, parece que alguns acontecimentos “caem de paraquedas”, talvez tenha de ser lido várias vezes para observar as nuances mais singelas.

A homenagem a pessoas quaisquer provoca uma reflexão sobre morte e esquecimento, ou morte e silêncio. Os dois únicos objetos afetivos que o museólogo leva para o vilarejo, o livro Diário de Anne Frank, que pertenceu à sua mãe, e um microscópio, herança de seu irmão, tornam-se emblemáticos.

Anne Frank leva a pensar sobre os milhares de mortos na Segunda Guerra. As meninas judias, que como Anne Frank, se esconderam em apartamentos clandestinos para fugir da perseguição severa dos nazistas. Mas cujas vidas não ficaram conhecidas, como a autora do diário, e foram esquecidas pela história. Paradoxalmente, os milhares de mortos anônimos em Hiroshima e Nagasaki são lembrados permanentemente como protagonistas da maior catástrofe provocada pelo homem nos tempos modernos, ambos são grandes horrores que aconteceram promovidos por seres humanos contra seres humanos. Por que será que os homens pensam que podem justificar a morte?

Já o microscópio mais do que revelar os mundos que se mantinham inacessíveis aos sentidos humanos, olhar e ver pela lente do microscópio tornou possível a produção de novas realidades, além do praticismo este objeto evoca olhar para a vida insignificante, olhar que tem paralelismo com o trabalho do escritor e quiçá do leitor, a partir deste instrumento foram lançadas bases para a emancipação da ciência em relação a filosofia e da revolução científica na física. Os personagens da literatura representam vidas quaisquer, que em verdade, somos nós, em dimensão universal. Através da ampliação de vidas minúsculas, percebemos a relação entre todos os seres humanos. Com o microscópio da literatura nos tornamos mais sensíveis à alteridade e ao conceito de universalidade. A inevitável morte é a equiparação da humanidade em comum, gênios ou medíocres, famosos ou anônimos, empresários ou trabalhadores, com a mesma finalidade para todos que seria a de nos ensinar a viver.

Os museus têm como pressuposto estudar, conservar, guardar objetos de valor histórico ou científico para fins de exibição pública, de modo a registrar à posteridade a memória e a importância que eles tiveram para a humanidade num período determinado, também servem para pensarmos o presente e refletirmos sobre o nosso tempo. Mas como seria no caso de um museu que tivesse como objetivo preservar lembranças de pessoas que morreram? Conseguiríamos imaginar que objetos poderiam preservar a lembrança de alguém próximo ou talvez a nós mesmos? Se me perguntassem qual objeto me identificaria, eu diria sem pestanejar que são meus óculos, as vezes penso que nasci de óculos.

A ideia que envolve o objeto vai além de um objeto que simplesmente represente a profissão de alguém, mesmo que estejamos vivendo numa sociedade de consumo onde os objetos possuem uma função descartável e muito passageira, alguns objetos tem particularidades onde são muito parecidos com as pessoas que os possuem, ao ponto de sabermos que a pessoa está próxima só de olhar o objeto, ou de nos lembrarmos da pessoa por carregar consigo algum objeto por sua fidelidade, apego e possíveis ícones de transformações em suas vidas.

Questiona-se o porquê de tal objeto e o que representa para si, as respostas poderão ou não coincidir com nossas respostas ou com as respostas que os outros poderiam nos dar, seria um confronto interessante, porque os nossos olhos usam lentes diferentes das lentes que os olhos dos outros usam, há muita subjetividade, há um imenso campo para imaginação e descobertas, lembrei de uma frase de Heidegger: “Nunca a verdade se pode ler a partir do que simplesmente é e do habitual”, tal ideia nos remete obviamente ao extraordinário, um museu do silêncio poderia “dar voz” ao objeto simples transitando ao extraordinário, numa visão que mergulhe no profundo silêncio onde pensamentos iriam tumultuar nossos pontos de contato e relativamente com a realidade de cada um, fazendo emergir emoções encobertas pela ação do tempo, onde o silêncio teria algo a nos dizer.

Um objeto por si só não pode transmitir algo se não estiver associado ou conectado as impressões causadas em seu possuidor ou observador, se vivo será necessário observação, se morto será necessária apropriação do modus vivendi , levando a cabo em sua definição estrita em latim, nos traduz a resistência de um acordo pelo qual partes de opiniões opostas concordam em discordar durante o tempo em que se obrigam a conviver, mediante acomodação dos respectivos interesses, dentro desta definição vale tanto para “vivo ou morto”. A acomodação dos interesses do morto deverá ser mediatizada pelo princípio do seu eu, único e individual, no impessoal todos são como são e na uniformidade ninguém quer “ser” como todo mundo é, a partir do extraordinário o objeto estará conectado ao seu possuidor, vivo ou morto como uma identidade pessoal, proporcionando algum sentido para o observador.

A morte tem mais a ver com os vivos do que com os mortos, a consciência da passagem do tempo nos leva a querer deixar o registro de nossas realizações como resistência, nós precisamos dizer que aquelas pessoas estiveram ali para confirmar a nossa própria existência.

Os objetos expostos no Museu do Silêncio, a cada um deles pertencerá a história do seu possuidor, e deverá ser levado em consideração que o mesmo objeto pode ser analisado de diferentes ângulos, o que leva não a um relativismo, mas à constatação da relatividade do conhecimento do observador, da interação deste com o objeto e da história do possuidor falecido.

Como podemos perceber o relativismo existente no interior do observador poderá causar uma passageira sensação de aprisionamento para um estado subjetivo de pura consciência ou pura libertação de amarras que temos em relação a rituais ligados a objetos os quais denominamos de amuletos, impregnados de intenções imagéticas dirigidos a eles tanto individualmente ou coletivamente como um arquétipo, no aspecto comum a ambos os casos Jung tratou da representação da imaginação ativa e dentre suas teorizações ele trata do inconsciente coletivo como a noção que surge como pano central a categoria de arquétipos.

O Museu do Silêncio é uma obra bastante simbólica da produção de Yoko Ogawa, sua literatura é excêntrica, preferindo temas mais mais duros e polêmicos, não raro flertando com o grotesco, o tema consegue nos fazer pensar e refletir sobre referências materiais e imateriais, reais e irreais, nossa abstração é provocada.

 

Fontes:

Ogawa, Yoko. O Museu do Silêncio. 2ª ed. Editora Estação Liberdade; Tradução: Rita Kohl; Outubro, 2016.

http://www.diariodeseriador.tv/2017/11/o-museu-do-silencio-morte-e-vida-em-um.html

http://www.aescotilha.com.br/literatura/ponto-virgula/o-museu-do-silencio-yoko-ogawa-estacao-liberdade/

https://www.estacaoliberdade.com.br/livraria/rita-kohl-na-radio-usp

https://lulunettes.wordpress.com/2016/11/16/livro-o-museu-do-silencio-yoko-ogawa/

https://www.respostas.com.br/o-que-e-o-budismo/

https://www.estacaoliberdade.com.br/livraria/museu-do-silencio

https://www.skoob.com.br/livro/622342#_=_

segunda-feira, 2 de novembro de 2020

Mensagem a Garcia

Quem já ouviu falar da metáfora “Uma Mensagem a Garcia”?, provavelmente pouquíssimas pessoas não tenham ouvido falar, talvez a maioria não saiba da história que a originou.

Atualmente está metáfora é usada como motivação para vencer desafios, resolver problemas e conquistar espaço. Algumas vezes nos deparamos com situações ou tarefas muito difíceis e espinhosas, mas que são absolutamente necessárias e precisam ser realizadas de qualquer maneira, sob risco de grandes perdas.

Vamos falar da história que a originou:

1.      Contexto histórico

A origem desta frase encontra-se ligada à guerra entre os Estados Unidos e a Espanha, nos finais do século passado quando o presidente norte-americano era William Mckinley.

William Mac Kinley (29 de janeiro de 1843 – 14 de setembro de 1901) 25° presidente dos Estados Unidos (de 4 de março de 1897 à 14 de setembro de 1901).

A administração despótica e corrupta da Espanha sobre a ilha de Cuba levou a anos de insurreição dos cubanos contra a potência colonizadora.

Em 1895, uma facção de revolucionários apoderou-se da capital de Cuba e de boa parte do território. A retaliação, por parte dos Espanhóis, foi violenta e caracterizada por enormes atrocidades.

Em 1898, um navio de guerra dos Estados Unidos, o Maine, fundeado em Havana, com a missão de proteger os interesses americanos, explodiu com 200 pessoas a bordo.

Foi o rastilho para a declaração de guerra dos Estados Unidos (de resto, já entrevista quando vários senadores partilhavam da opinião de um deles, Albert Beveridge, que declarara: «Somos anglo-saxões e devemos obedecer ao nosso sangue e ocupar novos mercados e, se necessário, novas terras».)

A guerra foi rápida, 115 dias, apenas. A derrota da Espanha estabeleceu-se no Tratado de Paris, de 10 de dezembro de 1898, e, por ele, as Filipinas e Porto Rico passaram para o domínio dos Estados Unidos.

Nesse período de guerra ocorreu o episódio que originou a frase (divulgada por Elbert Hulbard, em 1899).

Mackinley precisou de entrar em contato com um dos chefes da guerrilha cubana. Chamou um tal Rowan e passou-lhe uma carta, dizendo que ela deveria ser entregue, em Cuba, a Garcia, o comandante rebelde.

Calixto García y Iñiguez (Holguín, Cuba, 4 de Agosto de 1839 - Nova Iorque, 11 de Dezembro de 1898) foi um general nacionalista cubano. Chefiou seu país em lutas preliminares contra a Espanha pela independência. Líder durante a Guerra dos Dez Anos (1868-78) e durante a Pequena Guerra (1879-80). Suas investidas militares tiveram pouco sucesso e resultaram em seu prolongado encarceramento. As tropas cubanas sob seu comando apoiaram as forças americanas durante a guerra hispano-americana.

Pelo que se conta, Rowan, sem nada perguntar, meteu a missiva numa bolsa impermeável e partiu para Cuba. Percorreu montes e vales, selvas e praias, mas, quatro dias depois, entregou a carta a Garcia e regressou aos Estados Unidos para dar conta da empresa ao seu presidente.

É, enfim, este o sentido da expressão: «Cumprir, eficazmente, uma missão, por mais difícil ou impossível que possa parecer.»

2.    Apologia do Autor

O autor da frase: Elbert Green Hubbard (Bloomington, 19 de junho de 1856Oceano Atlântico, RMS Lusitania, 7 de maio de 1915) foi um filósofo e escritor norte-americano. Famoso por ser o autor do famoso ensaio "Mensagem para Garcia".

Ele e sua segunda esposa, Alice Moore Hubbard, morreram a bordo do RMS Lusitania, quando este foi afundado por um submarino alemão na costa da Irlanda, em 7 maio 1915.

Elbert Green Hubbard

Esta insignificância literária, UMA MENSAGEM a GARCIA, escrevi-a uma noite, depois do jantar, em uma hora. Foi a 22 de fevereiro de 1899, aniversário natalício de Washington, e o número de Março da nossa revista "Philistine" estava prestes a entrar no prelo. Encontrava-me com disposição de escrever, e o artigo brotou espontâneo do meu coração, redigido, como foi, depois de um dia afanoso, durante o qual tinha procurado como ­ vencer alguns moradores um tanto renitentes do lugar, que deviam sair do estado comatoso em que se compraziam, esforçando-me por incutir-lhes radioatividade.

A ideia original, entretanto, veio-me de um pequeno argumento ventilado pelo meu filho Bert, ao tomarmos café, quando ele procurou sustentar ter sido Rowan o verdadeiro herói da Guerra de Cuba. Rowan pôs-se a caminho só e deu conta do recado — levou a mensagem a Garcia. Qual centelha luminosa, a ideia assenhoreou-se de minha mente. E verdade, disse comigo mesmo, o rapaz tem toda a razão, o herói é aquele que dá conta do recado — que leva a mensagem a Garcia.

Levantei-me da mesa e escrevi "Uma mensagem a Garcia" de uma assentada. Entretanto liguei tão pouca importância a este artigo, que até foi publicado na Revista sem qualquer título. Pouco depois da edição ter saído do prelo, começaram a afluir pedidos para exemplares adicionais do número de Março do "Philistine" : uma dúzia, cinquenta, cem; e quando a American News Company encomendou mais mil exemplares, perguntei a um dos meus empregados qual o artigo que havia levantado o pó cósmico.

— "Esse de Garcia" — retrucou-me ele.

No dia seguinte chegou um telegrama de George H. Daniels, da Estrada de Ferro Central de Nova York, dizendo: "Indique preço para cem mil exemplares artigo Rowan, sob forma folheto, com anúncios estrada de ferro no verso. Diga também até quando pode fazer entrega".

Respondi indicando o preço, e acrescentando que podia entregar os folhetos dali a dois anos. Dispúnhamos de facilidades restritas e cem mil folhetos afiguravam sê-nos um empreendimento de monta.

O resultado foi que autorizei o Sr. Daniels a reproduzir o artigo conforme lhe aprouvesse. Ele o fez então em forma de folhetos, e distribuiu-os em tal profusão que, duas ou três edições de meio milhão se esgotaram rapidamente. Além disso, foi o artigo reproduzido em mais de duzentas revistas e jornais. Tem sido traduzido, por assim dizer, em todas as línguas faladas.

Aconteceu que, justamente quando o Sr. Daniels, estava fazendo a distribuição da Mensagem a Garcia, o Príncipe Hilakoff, Diretor das Estra­das de Ferro Russas, se encontrava neste país. Era hóspede da Estrada de Ferro Central de Nova York, percorrendo todo o país acompanhando o Sr. Daniels. O príncipe viu o folheto, que o interessou, mais pelo fato de ser o próprio Sr. Daniels quem o estava distribuindo em tão grande quantidade, que, propriamente por qualquer outro motivo.

Como quer que seja, quando o príncipe regressou à sua Pátria man­dou traduzir o folheto para o russo e entregar um exemplar a cada empre­gado de estrada de ferro na Rússia. O breve trecho foi imitado por outros países; da Rússia o artigo passou para a Alemanha, França, Turquia, Hin­dustão e China. Durante a guerra entre Rússia e o Japão, foi entregue um exemplar da "Mensagem a Garcia" a cada soldado russo que se destinava ao front.

Os japoneses, ao encontrar os livrinhos em poder dos prisioneiros russos, chegaram à conclusão que havia de ser cousa boa, e não tardaram em vertê-lo para o japonês. Por ordem do Mikado foi distribuído um exemplar a cada empregado, civil ou militar do Governo Japonês.

Para cima de quarenta milhões de exemplares de "Uma Mensagem a Garcia" tem sido impressos, o que é sem dúvida a maior circulação jamais atingida por qualquer trabalho literário durante a vida do autor, graças a uma série de circunstâncias felizes. — E. H.

East Aurora, dezembro 1, 1913

 

Mensagem a Garcia

Elbert Hubbard – fevereiro de 1899

Em todo este caso cubano, um homem se destaca no horizonte de minha memória.

Quando irrompeu a guerra entre a Espanha e os Estados Unidos, o que importava aos americanos era comunicar-se, rapidamente, com o chefe dos revoltosos – chamado Garcia - que se encontrava em uma fortaleza desconhecida, no interior do sertão cubano. Era impossível um entendimento com ele pelo correio ou pelo telégrafo. No entanto, o Presidente precisava de sua colaboração, e isso o quanto antes. Que fazer? Alguém lembrou: "Há um homem chamado Rowan... e se alguma pessoa é capaz de encontrar Garcia, esta pessoa é Rowan”.

Rowan foi trazido à presença do Presidente, que lhe confiou uma carta com a incumbência de entregá-la a Garcia.

 

O mensageiro coronel Andrew Summers Rowan (1857-1943).

Não vêm ao caso narrar aqui como esse homem tomou a carta, guardou-a num invólucro impermeável, amarrou a ao peito e, após quatro dias, saltou de um pequeno barco, alta noite, nas costas de Cuba; ou como se embrenhou no sertão para, depois de três semanas, surgir do outro lado da ilha, tendo atravessado a pé um país hostil, e entregue a carta a Garcia. O ponto que desejo frisar é este: Mac Kinley deu a Rowan uma carta destinada a Garcia; Rowan tomou-a e nem sequer perguntou: "Onde é que ele está?”.

Eis aí um homem cujo busto merecia ser fundido em bronze e sua estátua colocada em cada escola. Não é só de sabedoria que a juventude precisa... Nem de instruções sobre isto ou aquilo.

Precisa, sim, de um endurecimento das vértebras para poder mostrar-se altiva no exercício de um cargo; para atuar com diligência; para dar conta do recado; para, em suma, levar uma mensagem a Garcia. O General Garcia já não é deste mundo, mas há outros Garcias.

A nenhum homem que se tenha empenhado em levar adiante uma tarefa em que a ajuda de muitos se torne precisa tem sido poupados momentos de verdadeiro desespero ante a passividade de grande número de pessoas ante a inabilidade ou falta de disposição de concentrar a mente numa determinada tarefa... e fazê-la. A regra geral é: assistência regular, desatenção tola, indiferença irritante e trabalho malfeito.

Ninguém pode ser verdadeiramente bem-sucedido, exceto se lançar mão de todos os meios ao seu alcance, para obrigar outras pessoas a ajudá-lo, a não ser que Deus Onipotente, na sua grande misericórdia, faça um milagre enviando-lhe, como auxiliar, um anjo de luz. Leitor amigo, tu mesmo podes tirar a prova. Está sentado no teu escritório, rodeado de meia dúzia de empregados. Pois bem, chama um deles e pede-lhe: "Queria ter a bondade de consultar a enciclopédia e de fazer a descrição resumida da vida de Corrégio".

Dar-se-á o caso de o empregado dizer, calmamente: - "Sim, senhor" e executar o que lhe pediste?

Nada disso! Olhar-te-á admirado para fazer uma ou algumas das seguintes perguntas:

- Quem é Corrégio?

- Que enciclopédia?

- Onde está a enciclopédia?

- Fui contratado para fazer isso?

- E se Carlos o fizesse?

- Esse sujeito já morreu?

- Precisa disso com urgência?

- Não seria melhor eu trazer o livro para o Senhor procurar?

- Para que quer saber isso?

Eu aposto dez contra um que, depois de haveres respondido a tais perguntas e explicado a maneira de procurar os dados pedidos, e a razão por que deles precisas, teu empregado irá pedir a um companheiro que o ajude a encontrar Corrégio e depois voltará para te dizer que tal homem nunca existiu.

Evidentemente pode ser que eu perca a aposta, mas, seguindo uma regra geral, jogo na certa. Ora, se fores prudente, não te darás ao trabalho de explicar ao teu "ajudante" que Corrégio se escreve com "C" e não com "K", mas limitar-te-á a dizer calmamente, esboçando o melhor sorriso: - "Não faz mal... não se incomode".

É essa dificuldade de atuar independentemente, essa fraqueza de vontade, essa falta de disposição de, solicitamente, se por em campo e agir, é isso o que impede o avanço da humanidade, fazendo-o recuar para um futuro bastante remoto.

Se os homens não tomam a iniciativa de agir em seu próprio proveito, que farão se o resultado de seu esforço resultar em benefício de todos? Por enquanto parece que os homens ainda precisam ser dirigidos.

O que mantém muitos empregados no seu posto e o faz trabalhar é o medo de, se não o fizer, ser despedido ou transferido no fim do mês. Anuncia-se precisar de um taquígrafo e nove entre dez candidatos à vaga não saberão ortografar nem pontuar, e - o que é pior - pensa não ser necessário sabê-lo.

– "Olhe aquele funcionário - dizia o chefe de uma grande fábrica. É um excelente funcionário. Contudo, se eu lhe perguntasse por que seu trabalho é necessário ou por que é feito dessa maneira e não de outra, ele seria incapaz de me responder. Nunca deve ter pensado nisso.

Faz apenas aquilo que lhe ensinaram, há mais de 3 anos, e nem um pouco a mais".

"Será possível confiar-se a tal homem uma carta para entregá-la a Garcia?”.

Conheço um homem de aptidões realmente brilhantes, mas sem a fibra necessária para dirigir um negócio próprio e que ainda se torna completamente nulo para qualquer outra pessoa devido à suspeita que constantemente abriga de que seu patrão o esteja oprimindo ou tencione oprimi-lo.

Sem poder mandar, não tolera que alguém o mande. Se lhe fosse confiada a mensagem a Garcia retrucaria, provavelmente:

- "Leve-a você mesmo!". Hoje esse homem perambula errante, pelas ruas em busca de trabalho, em estado quase de miséria. No entanto, ninguém se aventura a dar-lhe trabalho porque é uma personificação do descontentamento e do espírito da discórdia.

Não aceitando qualquer conselho ou advertência, a única coisa capaz de nele produzir algum efeito seria um bom pontapé dado com a ponta de uma bota 44, sola grossa e bico largo.

Pautemos nossa conduta por aqueles homens, dirigente ou dirigida, que realmente se esforçam por realizar o seu trabalho. Aqueles cujos cabelos ficam mais cedo envelhecidos na incessante luta que estão desempenhando contra a indiferença e a ingratidão, justamente daqueles que, sem o seu espírito empreendedor, andariam famintos e sem lar.

Estarei pintando o quadro com cores por demais escuras?

Não há excelência na nobreza de si mesmo; farrapos não servem de recomendação. Nem todos os ricos são gananciosos e tiranos, da mesma forma que nem todos os pobres são virtuosos.

Todas as minhas simpatias pertencem ao homem que trabalha, fazendo o que deve ser feito, melhorando o que pode ser melhorado, ajudando sem exigir ajuda. É o homem que, ao lhe ser confiada uma carta para Garcia, toma a missiva e, sem a intenção de jogá-la na primeira sarjeta, entrega-a ao destinatário. Esse homem nunca ficará "encostado", nem pedirá que lhe façam favores.

A civilização busca ansiosamente, insistentemente, homens nessa condição. Tudo que tal homem pedir, se lhe há de conceder. Precisa-se dele em cada vila, em cada lugarejo, em cada escritório, em cada oficina, em cada loja, fábrica ou venda. O grito do mundo inteiro praticamente se resume nisso:

“PRECISA-SE - E PRECISA-SE COM URGÊNCIA - DE UM HOMEM CAPAZ DE LEVAR UMA MENSAGEM A GARCIA”.

 

General Garcia (D), ao lado do lendário Rowan.

Após a leitura tenho certeza que ao refletirem irão se enxergar em situações que viveram ou estão vivendo neste momento, a resposta para o sucesso na empreitada é coragem e otimismo, para terem êxito prossigam sem hesitação, não se distraiam, usem de sua inteligência no enfrentamento dos desafios, haja com empenho e comprometimento, se sentir que ainda falta algo é por que ainda não acabou, de continuidade e finalize, não deixe nada pela metade, nem deixe nada para depois. Quem faz as coisas pela metade não terá sucesso por inteiro.

Nada disto é novidade, depende apenas de cada um de nós escolher qual nosso estilo de vida!