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sábado, 2 de agosto de 2025

Amor Próprio

Amar a si mesmo não é vaidade, nem luxo, nem desculpa para se isolar do mundo. É uma necessidade silenciosa — daquelas que, se ignoradas, criam vazios difíceis de nomear. No ruído das exigências externas, o amor-próprio muitas vezes se perde, confundido com orgulho ou fraqueza, quando na verdade é solo fértil onde tudo pode florescer: o afeto, a presença, a responsabilidade e até o amor pelos outros.

Nietzsche, em A Gaia Ciência, dizia que é preciso um caos interior para dar à luz uma estrela dançante. E talvez esse caos seja o lugar onde o amor-próprio começa a nascer: não como um brilho imediato, mas como um gesto de cuidado nas noites difíceis, como um “sim” dito a si mesmo, mesmo quando o mundo inteiro espera um “não”.

Mas o amor-próprio não é só psicológico. Ele tem raízes espirituais. Diversas tradições místicas, como o budismo, a cabala e os escritos cristãos dos padres do deserto, apontam para o autoacolhimento como um caminho de união com o sagrado. Afinal, se o divino habita em nós, rejeitar-se é, de certa forma, rejeitar aquilo que nos foi dado como única casa de experiência.

O amor-próprio espiritual não é narcisismo: é reverência. É olhar para si como quem cuida de um templo — com delicadeza, paciência, escuta. É enxergar que nossa humanidade, com suas dores e tropeços, é também uma possibilidade de transcendência. Quem busca o divino fora de si, sem antes fazer as pazes com o que é por dentro, talvez corra o risco de encontrar apenas reflexos quebrados do que procura.

O filósofo brasileiro Vilém Flusser afirmava que o ser humano é um projeto de ser. Isso nos coloca em constante construção. Amar-se, então, é aceitar que estamos sempre nos fazendo — e que não há contradição entre buscar ser melhor e acolher quem se é hoje. Pelo contrário: é dessa aceitação que nasce o impulso para crescer, mudar e libertar-se dos papéis que nos limitaram.

Nos pequenos gestos do cotidiano — levantar da cama mesmo sem vontade, comer algo nutritivo, dar-se um tempo de silêncio, parar de se cobrar por tudo — o amor-próprio se manifesta. Não precisa ser grandioso. Precisa apenas ser constante. Ele aparece quando dizemos “basta” ao que nos machuca, quando não nos deixamos silenciar, quando aprendemos a parar de pedir desculpas por existir como somos.

Há também um aspecto coletivo. Uma pessoa que se ama de maneira profunda e sincera não se torna indiferente: torna-se disponível. Ela não precisa dos outros para preencher lacunas, e por isso pode realmente enxergá-los. É o amor que, por se enraizar em si, se espalha com mais liberdade, sem peso, sem invasão.

Amar a si mesmo é, no fim das contas, dar-se um lugar no mundo. Não o melhor lugar, não o lugar perfeito — mas um lugar verdadeiro. Onde se pode respirar, crescer e, quem sabe, estender a mão com mais leveza. Amar-se é a primeira fidelidade, e talvez, a mais difícil. Mas é nela que todas as outras começam.


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