Caminhar é um ato que todos nós aprendemos desde cedo, começamos engatinhando e ao dar nossos primeiros passos abrimos sorrisos em nossos pais, é nossa primeira vitória rumo a independência, a partir daí ninguém mais nos segura. Junto com as pernas a mente também aprende a sair do engatinhar e passa a andar cada vez mais rápido, muitas vezes tão rápido que nem percebemos a paisagem e é quando começamos a perder mais qualidade do viver do que ganhar, sentimos que a vida está passando muito rápido e as coisas começam a perder o sentido, isto está bastante presente nas cidades, onde se caminha cada vez menos com as pernas, na cidade caminhamos muito mais para uma sociedade do cansaço da constante busca pela produtividade.
Caminhar é um hábito muito saudável, porem devemos respeitar nossos limites e limite é coisa que também aprendemos a romper e superar, procuramos sempre empurrar os muros dos limites para cada vez mais longe de nossa vista, isto é bom e ruim, é como a moeda com suas duas faces, alguns veem sentido na vida somente nesta caminhada que virou corrida e as paisagens viraram meras imagens turvas.
Desde muito cedo aprendi a caminhar muito, venho de uma geração que não tinha tantos recursos de transporte como o que temos hoje, venho de uma época que caminhar era a solução para chegar em algum lugar, hoje trabalhamos cada vez mais longe de nossas casas e isto nos obriga a usar meios de transporte que não exigem muito de nossas pernas.
Em minhas caminhadas aprendi a usar a memória para gravar os itinerários, meu GPS eram as lembranças que eu ia associando a cada passada, eram memórias em todos os sentidos, pelo cheiro perfumado das frutas nas fruteiras, dos sons da chuva e das pessoas que antes conversavam uma com a outra sem celular, na pele sentia-se o vento a chuva e o frio de arrepiar, enfim tudo fazia sentido para nossos sentidos, as caminhadas sempre me foram e são uma forma de filosofar, vejam que naquela época não sabia sequer o que era a filosofia, andar é mais do que uma mera técnica corporal.
Li um livro sensacional que aborda este tema que me é muito importante, “Caminhar, uma filosofia” de Frédéric Gross, ao ler me enxerguei naquelas páginas, em minha simplicidade me senti no caminho certo ao escolher uma boa caminhada e buscar nos espaços ao ar livre a sensação de liberdade que conquistei desde minha tenra idade, de lá para cá, agradeço a Deus por me conceder saúde para minhas caminhadas, nas caminhadas converso com Ele e Ele me responde, nem sempre é o quero ouvir, mas como Ele nos ensinou: Seja feita a Sua vontade e não a minha, pois sei que nada sei!
Nestas caminhadas sempre que houver paradas aproveito para curtir as paisagens e os ambientes e sorver um bom chimarrão companheiro de longas caminhadas, o amargo que nos proporciona bons momentos de contemplação, quem toma chimarrão sabe dos momentos de profunda contemplação.
Descanso e Contemplação na Caminhada em Torres-RS
Caminhar é um prazer, o caminhar nos conecta à natureza e proporciona relaxamento e plenitude, ao caminhar diariamente aproveito para arejar os pensamentos, assim como os grandes filósofos da humanidade, como Kant, Foucault e Nietzsche, usavam a caminhada diária para arejar os pensamentos e ter insights, eles pensavam em grandes temas da humanidade, eu já penso na vida simples e no dia a dia, penso na caminhada como atividade física que fará bem ao corpo e a minha mente, a caminhada nos tira do quadrado e das quatro paredes que protegem, mas aprisionam, sair do quadrado é dar espaço ao prazer de viver na liberdade do ir e vir com utilização da bênção que Deus me deu que são pernas e pés saudáveis.
Em uma de minhas caminhadas tenho recordação da visita ao temblo budista Chagdud Gonpa Khadro Ling em Três Coroas/RS, foi um dia de muitas caminhadas, apreciação e meditação, o ambiente propicio a contemplação e a sensibilidade espiritual propiciou uma experiência excepcional quando caminhei ao redor das Stupas, percebi naquele momento a importância das coisas mais simples como por exemplo a possibilidade de podermos caminhar e sentir naquele ambiente o poder de iluminação e irradiação do símbolo budista.
Cada um caminha em sua própria intensidade e disciplina, cada um tem sua própria variação, hoje é de um jeito e amanhã poderá ser de outro, não podemos é parar de caminhar, vamos em frente e sempre avançando, variar os lugares é outra boa opção, para muitos filósofos a caminhada era feita de forma diferenciada, por exemplo para Kant, Rousseau, Nietzsche e Rimbaud gostavam de caminhar. E eles o faziam de formas diferentes. As caminhadas do jovem Rimbaud, dispersas e desorganizadas, estavam cheias de raiva, enquanto Nietzsche procurava nelas o tom e a energia da marcha. Kant era metódico e sistemático: o fazia todo dia, à mesma hora, na mesma rota, as pessoas nem precisam olhar o relógio para saber a hora, bastava ver Kant caminhando e sabiam. Todos acabaram mudando seus escritórios de trabalho para o campo, onde as ideias fluíam mais livremente e em plena natureza.
Através da leitura destes filósofos hoje associo as minhas caminhadas e a reinvenção e possibilidades que faz parte de nosso processo de constante e incessante aprendizado do viver, a caminhada em sua monotonia abre espaço para novos pensamentos e possibilidades como por exemplo inspiração para pintura de mandalas em tela, através da pintura de mandalas sugerida por Jung, este é um recurso da imagem da mandala procura designar uma representação simbólica da psique, cuja essência nos é desconhecida e através dela podemos representar nossas experiências e vivências que incluem aspectos conscientes e inconscientes, isto é, desconhecidas da consciência, a caminhada inclui está interiorização e muito mais.
Não precisa ser aposentado para caminhar, sou exemplo disto, caminhadas sempre foi para mim um hábito prazeroso, lembro de que os sábios de antigamente tinham um ditado que pode nos surpreender hoje, "tenha pressa para chegar à velhice." Eles consideravam que a velhice seria o tempo de vida em que poderíamos nos livrar de tudo e nos envolver com o cuidar de nós mesmos, "le souci de soi" (a atenção para si, apud Michel Foucault), cura sui em latim. A caminhada também não tem nada de violenta ou brutal. Há uma regularidade nela que tranquiliza, acalma. E isso está longe de qualquer busca de resultado. Assim, a primeira frase do livro é "Caminhar não é um esporte." Não faça marcas, não tente superar a si mesmo. Andar a pé é uma experiência autêntica, embora talvez não seja moderna.
Sinopse do livro
Este livro é, ao mesmo tempo, um tratado de filosofia e uma definição da arte de caminhar. Da vagabundagem à peregrinação, da perambulação ao percurso iniciático, o autor explora a literatura, a história e a filosofia, apresentando o exemplo de grandes pensadores que encontravam inspiração caminhando: Rimbaud e a tentação da fuga, Gandhi e a política de resistência, sem esquecer Kant e suas caminhadas cotidianas em sua cidade natal. Andar a pé é uma atividade que atrai uma quantidade cada vez maior de adeptos em busca dos benefícios que ela proporciona: relaxamento, comunhão com a natureza, plenitude. Somos muitos a tirar proveito dessas dádivas. Caminhar não requer nem aprendizagem, nem técnica, nem equipamento, nem dinheiro. Bastam um corpo, espaço e tempo. Mas a caminhada é também um ato filosófico e uma experiência espiritual.
Nietzche em “Ecce Homo”, nos fala do por que sou tão bom caminhante:
Ficar sentado o menos possível: não por fé em pensamento algum que não
tenha sido concebido ao ar livre, no livre movimento do corpo –
em ideia alguma em que os músculos não tenham também participado.
Todo preconceito provem das entranhas. Ficar “chumbado na cadeira”, repito-o, é o verdadeiro pecado contra o espírito.
Os seres humanos, não vivem puramente na mente, outros filósofos reconheceram isso e conectaram nossa vida interior com um processo corporal diário: caminhar. O ato de colocar um pé na frente do outro cria ritmo, movimento e pode elevar o espírito. Do ensino à reflexão, aqui estão algumas sugestões para o seu próximo passeio.
1. Aristóteles: Ande e fale.
Aristóteles foi nomeado peripatético, aquele que anda de um lado para o outro, por seu hábito de andar para cima e para baixo enquanto ensinava. Para Aristóteles, andar facilita falar – e, presumivelmente, pensar. Embora a caminhada de Aristóteles fosse famosa, ele não foi o primeiro filósofo a ter esse hábito. Sócrates ficou encantado com a maneira como os alunos iam atrás de seu professor, conforme relatado no Protágoras de Platão : “Eu vi como eles se preocuparam lindamente para nunca ficar no caminho de Protágoras. Quando ele se virava com seus grupos de flanco, o público na retaguarda se dividia em dois de uma maneira muito ordenada e, em seguida, circulava para os lados e se formava novamente atrás dele. Foi adorável. ” Os escritores de comédia da época também zombavam de Platão por cansar as pernas enquanto fazia “planos sábios”.
2. Jean-Jacques Rousseau: Examine tudo em seu próprio tempo.
Para Rousseau, o grande benefício de caminhar é que você pode se mover no seu próprio tempo, fazendo o quanto quiser. Você pode ver o país pelo qual está viajando, virar à direita ou à esquerda se quiser, examinar tudo que lhe interessar. Em Emílio , ele escreve: “Viajar a pé é viajar à moda de Tales, Platão e Pitágoras. Acho difícil entender como um filósofo pode fazer uma viagem de outra maneira; como ele pode se desvencilhar do estudo da riqueza que está diante de seus olhos e sob seus pés. ” Ele acrescenta que aqueles que andam em carruagens bem acolchoadas estão sempre “sombrios, achando defeitos ou doentes”, enquanto os caminhantes estão “sempre alegres, alegres e encantados com tudo”.
3. Henry Thoreau: Permita que a natureza trabalhe em você.
Thoreau argumenta que os humanos fazem parte da natureza e caminhar pela natureza pode nos permitir crescer espiritualmente. Ele argumenta que estar na selva pode agir sobre nós, que o ar da montanha pode alimentar nossos espíritos. Em seu artigo, “Caminhando”, ele nos aconselha a enfocar: “Fico alarmado quando acontece que eu andei um quilômetro e meio na floresta corporalmente, sem chegar lá em espírito … Que negócio eu tenho na floresta, se estou pensando de algo fora da floresta? ” Para sentir os benefícios de caminhar pela natureza, devemos permitir que ela entre em nós, para absorvê-la.
4. George Santayana: Reflita sobre o privilégio do movimento.
Santayana lembra que as plantas não podem se mover, enquanto os animais podem. Em “A Filosofia da Viagem”, ele se pergunta se esse privilégio da “locomoção” é a “chave da inteligência”, escrevendo: “As raízes dos vegetais (que Aristóteles diz serem suas bocas) os prendem fatalmente ao solo, e eles são condenados como sanguessugas a sugar qualquer alimento que possa fluir para eles no local específico onde por acaso estão presos. Perto, talvez, possa haver um solo mais rico ou um recanto mais protegido ou ensolarado, mas eles não podem migrar, nem mesmo os olhos ou a imaginação para imaginar o lote vizinho invejável. ” O movimento permite que os animais experimentem mais do mundo, imaginem como ele poderia ser em outro lugar.
5. Frédéric Gros: Ouça o silêncio.
Gros fez mais do que qualquer outro filósofo para promover a filosofia do caminhar, ele afirma que devemos caminhar sozinhos, de preferência pela natureza. Depois de deixar para trás ruas, estradas e espaços públicos populosos, você deixa seus ruídos para trás. Não há mais velocidade, empurrões, clamor, passos barulhentos, murmúrios de ruído branco, fragmentos de palavras, motores roncando. Como ele observa em “A Philosophy of Walking”, gradualmente, você recupera o silêncio: “Tudo está calmo, expectante e em repouso. Você está fora da tagarelice do mundo, seu corredor ecoa, seu murmúrio. Andar: a princípio atinge você como uma respiração imensa nos ouvidos. Você sente o silêncio como se fosse um grande vento fresco soprando as nuvens. ” O silêncio obtido ao caminhar é revigorante, restaurador.
Ao longo dos tempos, e por diferentes razões, temos sido encorajados (às vezes instados!) A sair e explorar o mundo a pé. Seja para clarear nossas cabeças, para ganhar uma nova perspectiva ou simplesmente para absorver as maravilhas da natureza, talvez haja algo para todos ganharem calçando um par de sapatos e se aventurando no além.
Fonte:
GROS, Frédéric. Caminhar, uma filosofia. Tradução: Lília Ledon da Silva. São Paulo: É Realizações, 2011.