Um livro instigante, intrigante e provocador que levará o leitor a fazer uma infinidade de interpretações e perguntas, será o leitor que conforme sua interpretação encontrará sua resposta, isto é, se houver resposta, geralmente as boas perguntas não tem respostas, por esta razão a mãe filosofia é fascinante, ela nos abre uma infinidade de ideias com inúmeras perspectivas e possibilidades, vai do relativo ao absoluto.
O significado e a resposta de cada um nos remetem a noção de relativismo, o sofista Protágoras em sua sabedoria disse que "O homem é a medida de todas as coisas, das coisas que são, enquanto são, das coisas que não são, enquanto não são.", onde cada indivíduo compreende uma coisa de sua forma específica. A frase se fundamenta na teoria do filósofo pré-socrático Heráclito, que fez a descrição do fluir contínuo da realidade, afirmando que o conhecimento pode ser modificado em razão das circunstâncias variáveis da compreensão, o mundo se realiza na contradição, o homem se realiza na contradição, o homem ora ama e odeia simultaneamente!
A mitologia egípcia é genial, em sua linguagem não existe uma palavra para amor e outra para ódio, para eles a palavra é uma só, é “amoródio”, o uso da palavra dependerá do sentimento vivido a cada instante e a aplicação do termo. No Tarô egípcio escolheria o Arcano 16 que representa a “fragilidade”, em sua leitura o valor do temporal se exalta em função do eterno; o perecível tem vital importância no vir-a-ser das coisas. Reciprocidade no amor e no ódio, na indiferença e no cuidado, na traição e a lealdade. Quer definição mais humana? Na leitura proporcionada de Bartleby ele nos fará transitar numa mescla de sentimentos, para nós ocidentais entre o amor e o ódio existem muitos outros sentimentos!
Arcano 16 “A Fragilidade” – Tarô EgípcioEssa “estória provinda da Wall Street” descreve um universo de trabalho desumano, cujos habitantes, todos eles, são degradados a animal laborans, quantos de nós não vivemos em situações semelhantes, nos submetemos para um bem maior que é o pão de cada dia? Ruminamos em nossas mentes perecíveis, um misto de lealdade, indiferença, amor da promoção e ódio na traição da demissão.
A novela apresenta-se detalhadamente numa atmosfera sombria, hostil do escritório espessamente rodeado de arranha-céus. A menos de três metros ergue-se “alto o muro de tijolos, que se tornou preto por causa da idade e por estar sempre à sombra”. Ao ambiente de trabalho, que parece uma caixa de água, falta todo e qualquer traço de “vida” (deficiente in what landscape painters call “life”). Ali, toda vida foi apagada. Também Bartleby instala-se nos tombs e morre em total isolamento e solidão.
Ele representa ainda um sujeito de obediência. Ele ainda não desenvolve sintomas daquela depressão que é uma marca característica da sociedade do desempenho pós-moderna.
Bartleby, ao adotar a negação como filosofia, ele impossibilita o rompimento da redoma que o cerca, através desta atitude podemos correlacionar aos muros e barreiras que nós “humanos” criamos, muros da vergonha, analfabetismos, restrições a populações, tudo muito angustiante criado pela barreira do aço intransponível. As populações resignadas desistem de lutar por mudanças, indivíduos que disciplinadamente vivem na alienação da negação, poderíamos dizer que populações inteiras sofrem “sem saber que sofrem” da Síndrome de Bartleby! A negação de Bartleby é profunda ao ponto de descobrirem que Bartleby morreu - ele "preferiria não" comer e morreu de fome.
“Bartleby, o escrivão” foi publicado anonimamente numa revista americana em 1853 e, desde então, tem gerado entre seus leitores uma infinidade de interpretações. Considerado pelos críticos como a precursora da literatura do absurdo (seguimento da literatura/filosofia que teve em Kafka e Camus seus principais representantes), esta novela é detentora de uma notável riqueza metafórica.
A figura enigmática de Bartleby estende-se para além do romance, capaz de causar-nos, assim como para o narrador, forte incômodo diante de um personagem tão intrigante e insondável. Seu final intenso e impactante torna a obra de Melville um excelente romance psicológico que tirará o leitor de sua zona de conforto. Uma história de rápida leitura, porém, capaz de intrigar o leitor por dias, ou melhor, para sempre!
Bartleby desenvolve sintomas característicos da neurastenia. Vista dessa forma, a sua fórmula “I would prefer not to” não expressa nem a potência negativa do nãopara nem o instinto inibitório que seria essencial para o “caráter espiritual” (Geistigkeit). Representa, ao contrário, a falta de iniciativa e a apatia pela qual Bartleby acaba inclusive sucumbindo.
Bartleby nos surpreende com a resposta “I would prefer not to” , “Preferia não fazê-lo”.
Certo dia, quando o narrador pede a Bartleby para revisar um documento, o jovem simplesmente responde: "Eu preferiria não fazer". É a primeira das inúmeras recusas seguintes de Bartleby. Para a consternação do narrador e irritação dos outros escrivães, Bartleby executa cada vez menos suas tarefas no escritório. O narrador tenta por diversas vezes entender Bartleby e aprender sobre ele, mas o jovem repete sempre a mesma frase quando é requisitado a fazer suas tarefas ou dar informações a seu respeito: "Eu preferiria não fazer".
Há uma atenuante onde Bartleby poderia se negar a fazer outros serviços, Bartleby tinha uma mesa no escritório; que copiava à taxa usual de quatro centavos a lauda (cem palavras); mas que estava para sempre dispensado de conferir o próprio trabalho, tarefa que caberia a Turkey e Nippers, em tributo, sem dúvida, à acuidade superior dos dois; ademais, Bartleby não devia, sob hipótese alguma, executar tarefas próprias de um simples garoto de recados.
Em um fim de semana, quando o narrador passa pelo escritório, ele descobre que Bartleby está morando no lugar. A vida de solidão de Bartleby toca o narrador: à noite e aos domingos, Wall Street é tão desoladora quanto uma cidade fantasma. Ele fica ora com pena, ora com raiva do comportamento bizarro de Bartleby.
Enquanto isso, Bartleby continua a negar os trabalhos que têm para fazer, respondendo sempre com um "Eu preferiria não fazer". Isso continua até chegar ao ponto em que Bartleby não faz absolutamente nada. Mas mesmo assim o narrador não despede o jovem Bartleby. O relutante escrivão tem um estranho domínio sobre seu patrão, e o narrador sente que não pode fazer nada para prejudicar seu desesperado empregado. A urgência aumenta quando os sócios do narrador se perguntam sobre a presença de Bartleby no escritório, reparando que o jovem não faz nada.
Algum tempo depois, o narrador ouve um rumor que desfaz o discernimento da vida de Bartleby. O jovem trabalhava no Dead Letter Office, mas perdeu seu emprego. O narrador percebe que as cartas mortas teriam feito qualquer um com o temperamento de Bartleby se afundar em grande melancolia. As cartas são emblemas de nossa mortalidade e a falha de nossas boas intenções. Através de Bartleby o narrador olhou o mundo como os miseráveis escrivães o veem.
As últimas palavras da história são do narrador: "Oh Bartleby! Oh Humanidade!".
Fontes:
Melville, Herman, 1819-1891. Bartleby, o escrevente: uma história de Wall Street / Herman Melville ; tradução e notas Tomaz Tadeu ; ilustrações Javier Zabala. 1. ed. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2015.
Han, Byung-Chul. Sociedade do cansaço / Byung-Chul Han ; tradução de Enio Paulo Giachini. – Petrópolis, RJ : Vozes, 2015.