Estava lendo o livro “Imaginação
Educada” do filósofo e teólogo canadense Northrop Frye e me ocorreu falar um
pouco de um aspecto que nos é imensamente caro, nossa identidade neste período de
recolhimento.
Como todos nós fazemos,
começamos olhando para o mundo com nosso intelecto e as nossas emoções.
Ocasionalmente temos uma
sensação de identidade com o nosso entorno – o “gosto disso” - , mas a experiência
mais frequente é a de nos sentirmos dentro de nós mesmo e isolados desse mundo.
Atualmente vivemos o distanciamento
social, ironicamente o distanciamento nos permite observar o plano geral da
situação, como a ironia de uma peça teatral quando, por exemplo, sabemos melhor
o que está se passando do que os personagens – e assim permite-nos desligar,
imaginativamente de um mundo em que preferíamos não estar envolvidos.
A imaginação nos permite
pensar um novo mundo, como se estivéssemos vivendo uma experiência nova, começo
a pensar como Robison Crusoé: “Sinto-me separado, isolado deste mundo, mas
certas vezes me sinto como se ele fosse parte de mim. Espero que eu volte a
experimentar essa sensação, e que da próxima vez esta sensação não se esvaia.”
Penso que em geral,
somente a imaginação possa nos levar a uma era de ouro, uma era em que andávamos
pelo mundo sem medo de um inimigo invisível, e este é um sentimento de
identidade perdida.
No mínimo está será nossa
impressão e sentimento que irão durar pelo tempo necessário de nos adaptarmos
neste novo mundo, pois não será o mesmo mundo e nós não seremos mais os mesmos.
Um fragmento do pensamento de Heráclito de Éfeso consegue resumir o processo em
um parágrafo:
“Nada
fica estático, tudo se move, tudo muda. O rio muda a cada segundo, do mesmo
modo que a pessoa muda a cada segundo, sendo assim uma mesma pessoa não pode
entrar duas vezes no mesmo rio, pois tanto ela quanto o rio já não são mais os
mesmos no instante após o primeiro banho.”
A metáfora do rio se
refere ao curso da vida e as mudanças do mundo que habitamos, dissemos, pois, é
que o rio existe na condição de processo, a verdade do ser é o devir. E a transposição do devir para
o Ser, a função atribuída ao
ser pelo eleata é exercida pelo
devir, o ser apenas assegura
a própria identidade através
do devir.
O tema heraclitiano da
luta e harmonia dos contrários:
o não-ser é, e o ser não é, resgatam a ideia
anteriormente imaginada da identidade supostamente perdida, contrariando a
lógica aristotélica de não contradição.
A vida flui como um rio,
ela não espera.
Todo dia ela segue seu fluxo e precisamos nos adaptar a ele. Se
não nos adaptamos, ficamos para trás e sofremos com a brutalidade das suas
aguas. Aprenda a seguir em frente, enfrentando as adversidades e superando os
seus limites.
Fonte:
Frye, Northorp. A imaginação educada. Campinas, SP; Vide Editorial, 2017.