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domingo, 10 de abril de 2022

Resenha do livro "O amor nos tempos do cólera"

 

" Um dos livros mais importantes de Gabriel García Márquez. Ainda muito jovem, o telegrafista, violinista e poeta Gabriel Elígio Garciá se apaixonou por Luiza Márquez, mas o romance enfrentou a oposição do pai da moça, coronel Nicolas, que tentou impedir o casamento enviando a filha ao interior numa viagem de um ano. Para manter seu amor, Gabriel montou, com a ajuda de amigos telegrafistas, uma rede de comunicação que alcançava Luiza onde ela estivesse. Essa é a história real dos pais de Gabriel García Márquez e foi ponto de partida de O amor nos tempos do cólera , que acompanha a paixão do telegrafista, violinista e poeta Florentino Ariza por Fermina Daza. O livro começou a ser escrito em 1984, em Cartagena de las Índias, ao final do ano sabático que García Márquez se concedeu após receber o Prêmio Nobel. Ali, o autor recolheu alguns dos episódios contados no livro, como a epidemia de cólera que assolou a cidade no final do século XIX ou o naufrágio do galeão espanhol San Jose, carregado de jóias. O amor nos tempos do cólera , como seu próprio nome entrega, é uma belíssima história de amor, daquela pontuadas por cartas perfumadas e pétalas de flores prensadas entre as folhas. E não apenas uma simples história, mas um grande tratado do amor. O tratado nunca escrito por Florentino Ariza, que guardava em três volumes três mil modelos de cartas para namorados, nos quais estavam todas as possibilidades do amor. O amor apaixonado da adolescência, o amor conjugal, o clandestino, o tímido, o amor sexual ou libertino. O tédio do amor, suas lutas, esquecimentos, metamorfoses, suas deslealdades e doenças, triunfos, angústias e prazeres. O amor por carta, o despertar desse amor, próximo ou distante, o amor louco. O amor de meio século, que encontra os amantes septuagenários se tocando pela primeira vez. O amor que se guarda e espera, enfim, sua realização. " Alexandre Martins

 

 

Sobre o autor: Gabriel Garcia Márquez (1927 – 2014), colombiano, escritor, político, jornalista, editor e ativista, é considerado um dos maiores autores do século XX, muito admirado e suas obras traduzidas mundo afora. O amor nos tempos do cólera foi publicado em 1985, é um livro com os pês fincados no realismo, o livro narra a história do amor de Florentino Ariza por Fermina Daza, livremente inspirado na história dos pais de García Márquez, conta a história de um amor proibido que vai gerar um triangulo amoroso, um amor que durou mais de cinquenta anos, a história acontece no final das últimas décadas do século XIX e início do século XX, a história é permeada pela doença do cólera aparecendo em vários momentos, uma doença que levou embora muitas vidas, como até hoje ainda leva, o cólera é uma doença bacteriana infecciosa intestinal aguda, transmitida por contaminação fecal-oral direta ou pela ingestão de água ou alimentos contaminados, a falta de saneamento básico ainda é o grande causador deste mal, e vejamos estamos no século XXI com problemas do século XIX.

A história se desenrolou na região caribenha da Colômbia, região de muitas guerras civis, que poderia se dizer ser uma única guerra com os mesmos objetivos, as vítimas do cólera poderiam também ser vítimas “da” cólera, como se vê nos diversos momentos da história, onde muitos corpos humanos jaziam espalhados: página 249

 

Alguém disse que o cólera estava fazendo estragos nos povoados da Ciénaga Grande. O doutor Urbino, enquanto falava, não parou de olhar pela luneta.

— Pois deve ser uma modalidade muito especial do cólera — disse — porque cada morto tem seu tiro de misericórdia na nuca.

 

No que tange ao amor, é um livro cheio de graça e luz, retrata as muitas formas e tipos de amar e partilhar com um olhar que sorri diante de toda sua complexidade, o amor é um dos maiores sentidos da vida e ele é muito amplo, o amor pode ser romântico e passional, leal e amistoso, lúdico e desinteressado, amor sexual, tímido e até pragmático, isto tudo torna a vida mais complexa, e é complexa porque ela tem sentido pela explosão de significados, repleta de necessidades que nós seres humanos temos como desejos, aspirações, ambições, ideais, paixões e entusiasmos que surgem naturalmente dentro de nós, ou seja, o significado da vida não vem de fora, esta tudo dentro de cada um de nós, as histórias e os personagens retratam esta complexidade que mesmo diante do passar inexorável do tempo o amor e as emoções explodem e resplandecem como a fênix ressurgindo das cinzas com uma vitalidade reverdecida.

Não é um livro sobre o cólera, nem sobre amor romântico idealizado, as histórias contidas no livro trazem à baila as armadilhas de amores inventados e idealizados, são muito os disfarces criados por nossas emoções, tais como ciúmes disfarçados de amor, ambição disfarçada de amor, perversão e luxuria disfarçados de amor, relações sociais disfarçadas de amor, a cólera, a raiva e o egoísmo disfarçados de amor, isto tudo nos faz entender a sacada do autor em querer mostrar que muito do pensamos ser um sentimento romântico pode ser na verdade nossos próprios enganos e ilusões, acontecendo o tempo todo independente da classe social, variando apenas pelo nível de amadurecimento individual.

Muito realista pela narrativa da vida e suas formas dos relacionamentos entre os personagens, cada um com seus desejos, aspirações, ambições, ideais, presentes na vida mundana e cotidiana, é por isto extremamente humano.

O livro começa com a morte do fotografo Jeremiah, invalido de guerra, sua morte foi estipulada por ele mesmo, havia afirmado para sua amante que “nunca hei de ser velho”, ele disse que morreria aos sessenta anos, e então chegada a idade deu cabo de sua própria vida através de envenenamento, ele teve a visão que muitas pessoas tem a respeito da saída de cena sem viver a decrepitude da velhice, no caso dele a vida lhe foi dificultosa por suas limitações que na velhice a perda de autonomia o transformariam num fardo para outros sofrerem pelos necessários cuidados, ele que não tinha ninguém além da amante resolveu sair de cena ainda quando podia fazer escolhas e executar sua própria vontade. E como disse Florentino Daza em seus pensamentos, “...os maridos despencavam de repente no precipício de uma velhice infame do corpo e da alma” (Pg.320).  No mundo existe uma preocupação crescente envolvendo suicídios que iniciam na juventude onde esta seu maior numero e também atingindo em grande número a velhice, os motivos são diversos, desde a problemas financeiros, depressão, perda de autonomia, e etc. o livro também abordou um problema social e de saúde que tem difícil solução por sua velada forma de domínio dos seres humanos em sua intimidade, e difícil de ser detectada aos olhos dos outros.

Podemos observar ao longo da história as várias formas de amor, dentre elas fala de uma forma de amor como o de lealdade entre Fermina Daza ao marido Juvenal Urbino, a outra é a intimidade e amizade de Florentino Ariza entre dezenas de mulheres que passaram em sua vida, ao amor absoluto entre Florentino Ariza e Fermina Daza e una bela forma de amor venerada por décadas que floresceu quando estavam mais velhos, bem velhos, mas a chama do amor não apaga com o passar do tempo é necessário perseverança e resiliência.

As últimas palavras de Urbino para Fermina foram: “Só Deus sabe quanto amei você”.

 

“Rogou a Deus que lhe concedesse ao menos um instante para que ele não partisse sem saber quanto o amara por cima das dúvidas de ambos e sentiu a premência irresistível de começar a vida com ele outra vez desde o começo para que se dissessem tudo que tinham ficado sem dizer, e fizessem bem qualquer coisa que tivessem feito mal no passado. Mas teve que render-se à

Intransigência da morte.”

 

O livro tem narrativas de perversões, paixões com um verniz de amor, tem humor mórbido pela maneira que o doutor Juvino morre, é de fato uma leitura com histórias singulares dos personagens principais e secundários.

A perseverança e resiliência de Juvino vê na morte do rival a oportunidade sonhada, se aproximar de Fermina, então no velório de Juvino, Florentino se dirige a Fermina e a surpreende dizendo:

 

Mas antes que pudesse lhe agradecer a visita, ele pôs o chapéu em cima do coração, trêmulo e digno, e arrebentou o abscesso que tinha sido o sustento de sua vida:

— Fermina — disse —, esperei esta ocasião durante mais de meio século, para lhe repetir uma vez mais o juramento de minha fidelidade eterna e meu amor para sempre.

 

É claro que Fermina despachou florentino, nem poderia dar corda para ele, o corpo do esposo sequer esfriou no caixão e ele Florentino não perdeu tempo e deu o bote, mas ela não ficou imune a sua investida, com a visita dele ao velório, deu vida as lembranças dela, as lembranças são revigoradas e trazidas à baila, a história do namorico entre Florentino e Fermina de ainda jovens, também nos mostra como a doença de amor não correspondido, alimentado por ilusões pode nos derrubar, como fênix nos reerguemos a cada nova ponta de ilusão.

A história é contada com riqueza de detalhes das vidas do triangulo amoroso Juvenal x Fermina x Florentino vividas ao longo de mais de cinquenta anos, repleto de detalhes que excita nosso imaginário, um filme perde e muito o colorido de nossa imaginação, digo isto porque vi o filme e prefiro o livro, já tinha em minha imaginação imagens que não foram apresentadas no filme, por omissão ou por não fazer jus a beleza e complexidade da história no livro.

Boa leitura, vale a pena, é um livro interessante que vale a pena ler várias vezes, a leitura flui conforme nosso momento de vida, nosso entendimento também, como bom heraclitiano, penso que não somos os mesmos a cada segundo que vivemos, mudamos constantemente, somos também personas que surgem conforme os momentos da vida.

 

Fonte:

Garcia Márquez, Gabriel, 1927-2014. O amor nos tempos do cólera / tradução de Antonio Callado – 64ª ed. – Rio de Janeiro: Record, 2021