A vida na superfície é tentadora. É fácil seguir o fluxo, passar de um evento para o outro, sem nunca parar para refletir. Há quem navegue nas ondas cotidianas como se estivesse em uma prancha de surfe, deslizando sem esforço por compromissos, encontros e distrações. Mas o que acontece quando nunca olhamos para o abismo que existe dentro de nós? Alienado de si mesmo, aquele que não se permite um mergulho interior vive na superficialidade, onde o profundo é ignorado, e a própria essência se torna um estranho.
Surfando
a Superfície da Vida
Imagine
uma pessoa que segue a maré do dia a dia: acorda, trabalha, participa de
conversas sem profundidade, e no fim do dia se anestesia com entretenimento.
Nunca questiona suas motivações, nunca se pergunta o porquê de seus
comportamentos. Vive num estado de piloto automático, respondendo aos estímulos
externos como um reflexo, sem realmente parar para se entender. Esse modo de
existir é uma forma de alienação, mas uma alienação não do mundo, e sim de si
mesmo. Não é raro encontrarmos quem nunca se fez a pergunta: "Quem sou eu,
além do que aparento ser?"
Pensadores
como Søren Kierkegaard falaram sobre esse tipo de vida, onde o indivíduo evita
enfrentar as questões fundamentais de sua própria existência. Para Kierkegaard,
a maior tragédia de uma vida é nunca ter se confrontado com essas questões. Ele
chamava isso de "desespero", um estado em que o ser humano vive sem
perceber sua própria falta de autenticidade.
O
Conforto da Superfície
Surfar
a vida na superfície traz conforto. É um mundo de certezas fáceis e respostas
rápidas, onde nunca precisamos encarar os dilemas e as contradições internas. É
fácil permanecer na zona de conforto, onde as perguntas mais dolorosas —
"Estou vivendo de acordo com quem realmente sou?" ou "Estou
satisfeito com a minha existência?" — são constantemente abafadas por
distrações.
As
redes sociais, por exemplo, são um reflexo perfeito dessa vida na superfície.
Vemos as versões editadas de nossos próprios dias, a perfeição estética nas
fotos, as opiniões simplificadas em poucas palavras. Mas, por trás dessas
imagens, há um vazio que muitos evitam encarar. Viver alienado de si mesmo é
como vestir uma máscara todos os dias e esquecer que há um rosto real por trás
dela.
A
Negação do Mergulho Interior
Há
uma espécie de medo em olhar para dentro. O mergulho nas profundezas de si
mesmo pode revelar sentimentos desconfortáveis, memórias que preferimos evitar
ou mesmo o reconhecimento de que não estamos vivendo a vida que desejamos.
Talvez seja essa a razão pela qual muitos evitam esse encontro consigo mesmos.
Fica mais fácil acreditar que a vida é simplesmente o que acontece na
superfície, e que o interior é um mistério que não vale a pena desvendar.
Mas,
como alertava Carl Jung, aquele que evita conhecer seu interior está condenado
a ser guiado por ele. Os aspectos reprimidos de nossa psique não desaparecem,
apenas se manifestam de maneiras que muitas vezes não entendemos. As
frustrações, ansiedades e insatisfações que surgem sem explicação podem ser
indícios de que a pessoa está alienada de sua verdadeira essência.
Resgatando
a Autenticidade
Quem
olha para dentro, por outro lado, começa a se reconectar com sua autenticidade.
O mergulho interior é um processo de autodescoberta, onde enfrentamos tanto
nossas sombras quanto nossa luz. Não é um caminho fácil, mas é aquele que leva
a uma vida mais plena e consciente.
Por
exemplo, a prática de momentos de reflexão, seja por meio da meditação, da
escrita ou simplesmente de momentos de silêncio, pode nos reconectar com o que
realmente importa. Em vez de seguir o fluxo das expectativas externas,
começamos a ouvir nossa própria voz interior, que muitas vezes foi abafada pela
correria do cotidiano.
Como
dizia Platão, "Conhece-te a ti mesmo". É uma frase tão antiga quanto
fundamental, mas poucos a colocam em prática. Olhar para dentro é uma jornada
que requer coragem, pois podemos descobrir que nem sempre somos quem pensávamos
ser. No entanto, é a única forma de escapar da alienação de si mesmo e começar
a viver de maneira mais autêntica e consciente.
Surfar
na superfície da vida pode ser fácil, mas essa facilidade tem um custo: a
desconexão consigo mesmo. Aqueles que nunca param para refletir, que nunca
questionam suas motivações mais profundas, estão condenados a uma vida
alienada, onde o verdadeiro eu permanece desconhecido. Ao mergulhar no abismo
interior, mesmo que inicialmente assustador, é possível reencontrar a própria
autenticidade e viver uma existência mais significativa. Afinal, como dizia
Jung, "Quem olha para fora, sonha; quem olha para dentro, desperta."