Pesquisar este blog

Mostrando postagens com marcador Erasmo. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Erasmo. Mostrar todas as postagens

quarta-feira, 13 de outubro de 2021

Resenha do livro O Elogio da Loucura de Erasmo de Roterdã

Um livro polêmico, satírico, irônico e ao mesmo tempo engraçado, um dos principais livros da produção ocidental no renascimento, se tornou muito popular e tem muito a ver com o que vivemos atualmente.

A obra foi escrita em 1509 e publicada em 1511, por Erasmo de Roterdã (1466 - 1536), escrito em latim pelo filosofo, teólogo, filólogo, nasceu na Holanda, viajou por praticamente toda a Europa, estava além de seu tempo por fazer de seus escritos uma crítica social muito grande, com visão humanista muito acurada e com vistas ao reconhecimento ético por aquilo que é feito pelo ser humano.

Ele foi ordenado sacerdote, saiu da igreja pedindo a dispensa do ministério, e se tornou um grande crítico da igreja em razão da igreja ter se distanciado do ideal de cristo, neste viés nem Lutero escapou a suas críticas, por esta razão várias de suas obras foram para o index (livros proibidos pela igreja católica), também defendia o termino do domínio religioso na educação, humanista cristão, vivia de seus escritos, ele era amigo do Tomas More (autor do livro Utopia), no começo do Elogio da Loucura, Erasmo faz uma homenagem ao amigo, ambos eram opostos da guerra.

Erasmo era crítico ao pensamento aristotélico escolástico centrado em problemas metafísicos, físicos e dialéticos, nesta obra podemos perceber que a loucura por suas molas propulsoras estarem na emoção contrariam a razão da filosofia como forma única de viver e chegar a felicidade, o homem no humanismo passa a ser o centro de tudo contrariando a filosofia teocêntrica, o homem passa a ser o centro do pensamento.

Ele escreve fazendo uma crítica social olhando para os podres da sociedade, nisto incluída a igreja católica por sua atuação, uma crítica a sociedade como um todo, dos costumes, sua organização, modo de viverem, se tratarem.

O tom irônico e provocador da obra destaca questões como a corrupção, a ganância, a hipocrisia e as instituições religiosas. Erasmo usa a figura da "Loucura" para questionar a racionalidade e as ações dos seres humanos, enfatizando que muitas das ações humanas são motivadas por impulsos irracionais e desejos egoístas.

Foi escrita em primeira pessoa pela própria loucura, portanto um autoelogio, Erasmo cria a deusa loucura, a responsável pela felicidade humana. Afirma que sem loucura a sociedade não sobrevive, a loucura diz ser filha da riqueza (Pluto pai dos deuses) e da juventude (Neotetes),

A loucura tem variantes e graus, mostrando na sociedade a sua manifestação através das atitudes humanas pouco nobres, aponta os extremos negativo onde aparece o pior dos homens e no outro extremo, no positivo está a verdadeira fé cristã em sua busca da felicidade extraterrena, como por exemplos ele cita as loucuras: guerra, casamento cheio de inconvenientes, criar filhos, as pessoas cheias de si se achando melhores por terem títulos como reis, nobres, papas, padres e indulgencias que diziam pode comprar alegrias e benesses no céu, a vaidade de advogados e todos os intelectuais se achando os melhores dos homens tentando se destacar por serem melhores sábios. Se manifesta na loucura nos loucos pelo dinheiro, poder, fanáticos, jogadores, sofistas, dialéticos, escapariam deste rol os poetas e pintores, porque suas profissões já tem uma boa dose de loucura, pois conseguem estes últimos conseguem vender seu produto aos tolos com sua própria dose de loucura.

 

“Pois bem, quem desejaria sacrificar-se ao laço matrimonial, se antes, como costumam fazer em geral os filósofos, refletisse bem nos incômodos que acompanham essa condição? Qual é a mulher que se submeteria ao dever conjugai, se todas conhecessem ou tivessem em mente as perigosas dores do parto e as penas da educação? Se, portanto, deveis a vida ao matrimônio e o matrimônio à Irreflexão, que é uma das minhas sequazes, avaliai quanto me deveis. Além disso, uma mulher que já passou uma vez pelos espinhos do indissolúvel laço, e que anseia por tornar a passar por eles, não o fará, talvez, em virtude da assistência da ninfa Esquecimento, minha cara companheira?”

A loucura acha melhor ficar dentro na caverna de Platão, é melhor ser tolo do que sábio, pois é a loucura que proporciona a felicidade, não são os sábios que proporcionariam a felicidade, sendo a deusa loucura quem poderia lhes ensinar, ela trata de uma loucura não patológica, mas enquanto deusa com seus agraciamentos e seus favores tornando nossos dias menos tediosos e enfadonhos.

 

Merecem ser incluídos nessa categoria os habitantes da caverna de Platão. Ao verem, os tolos, as sombras e as aparências de diversas coisas, admiram-nas e nada mais procuram, dando-se por satisfeitos. Já os filósofos, por estarem fora da caverna, não só observam os mesmos objetos como lhes investigam os mistérios. Não terão uns e outros o mesmo prazer? Se o remendão Micilo, de que fala Luciano, tivesse podido passar o resto dos seus dias no belíssimo sonho em que se embalava quando o despertaram, poderia ele desejar felicidade maior? Não haveria, pois, diferença alguma entre os sábios e os loucos, se não fossem mais felizes estes últimos. Sim, porque estes o são por dois motivos: o primeiro é que a felicidade dos loucos não custa nada, bastando um pouquinho de persuasão para formá-la; o segundo é que os meus loucos são felizes mesmo quando estão juntos com muitos outros. Ora, é impossível gozar um bem quando se está sozinho.

Critica os filósofos por serem extremamente racionais, sendo a sabedoria a grande inimiga da loucura, ela atrapalha a conquista da verdadeira felicidade, o louco é conduzido por suas paixões e os sábios conduzidos pela razão, a loucura seria a única a poder compreender o mundo humano, as pessoas em sua maioria seriam guiadas por ela, a felicidade é guiada pela loucura e não pela razão, a razão não traria felicidade. A razão seria aquele chato do banquete de Platão, a loucura seria a tênue ligação consigo mesmo.

 

“Falo aqui unicamente dos homens, dos quais não há um só que tenha nascido sem defeitos, e admitindo que, para nós, o homem melhor seja o que tem menores vícios. É por isso que os sábios, pretendendo divinizar-se com sua filosofia, ou não contraem nenhuma amizade ou tornam a sua uma ligação áspera e desagradável. Além disso, só costumam gostar sinceramente de raríssimas pessoas, de forma que nenhum escrúpulo me impede de asseverar que não gostam absolutamente de ninguém...”

Erasmo escreveu diversas obras literárias, filosóficas e de teor religioso das quais se destacam:

  • Manual do Cavaleiro Cristão
  • Elogio da Loucura
  • Os Pais Cristãos
  • Colóquios Familiares
  • As Navegações dos Antigos
  • Preparação para a Morte

Trata- se de um ensaio satírico em que o autor critica a Igreja e a sociedade da época, ao mesmo tempo que defende a liberdade de pensamento num período de renascimento humanista. Veja abaixo alguns trechos da obra:

Coragem, meu belíssimo espírito! Sustentemos, diante desses ouvintes, diante dessa ilustre sociedade de loucos, uma tese inteiramente nova e inesperada. Sim, meus caros senhores, quero mostrar-vos que a felicidade dos cristãos, essa felicidade almejada com tantas penas e tantos trabalhos, não é senão uma espécie de loucura e de furor. Como! vós me olhais de soslaio e com desdém? Devagar, devagar: não nos apeguemos às palavras, que não passam de sons articulados e arbitrários.

Que seria esta vida, se é que de vida merece o nome, sem os prazeres da volúpia? Oh! Oh! Vós me aplaudis? Já vejo que não há aqui nenhum insensato que não possua esse sentimento. Sois todos muito sábios, uma vez que, a meu ver, loucura é o mesmo que sabedoria. Podeis, pois, estar certos de que também os estóicos não desprezam a volúpia, embora astutamente se finjam alheios a ela e a ultrajem com mil injúrias diante do povo, fim de que, amendontrando os outros, possam gozá-la mais freqüentemente. Mas, admitindo que esses hipócritas declamem de boa fé, dizei-me, por Júpiter, sim, dizei-me se há, acaso, um só dia na vida que não seja triste, desagradável, fastidioso, enfadonho, aborrecido, quando não é animado pela volúpia, isto é pelo condimento da loucura. como Sóflocles por testemunho irrefragável, Sóflocles nunca bastante louvado. Oh! nunca se me fez tanta justiça! Diz ele, para minha honra e minha glória: “Como é bom viver! mas, sem sabedoria, porque esta é o veneno da vida”.

Algumas frases de Erasmo de Roterdã, as quais traduzem parte de seus pensamentos:

  • A pior das loucuras é, sem dúvida, tentar ser sensato em um mundo de loucos.”
  • Quando tenho um pouco de dinheiro, compro livros. Se sobrar algum, compro roupas e comida.”
  • O amor recíproco entre quem aprende e quem ensina é o primeiro e mais importante degrau para se chegar ao conhecimento.”
  • Cada momento da vida seria triste, fastidioso, insípido, aborrecido, se não houvesse prazer, se não fosse animado pelo tempero da Loucura.”
  • Rir de tudo é coisa dos tontos, mas não rir de nada é coisa dos estúpidos.”
  • Deus, arquitecto do universo, proibiu o homem de provar os frutos da árvore da ciência, como se a ciência fosse um veneno para a felicidade.”
  • “Só se costuma defender a verdade quando não se é atingido por ela”.

Em resumo, sua relevância contemporaneamente

Continua sendo uma obra relevante e aplicável na análise crítica de diversos aspectos da sociedade atual, apesar de ter sido escrito no início do século XVI. A abordagem satírica e provocativa de Erasmo pode ser relacionada a várias questões contemporâneas.

Como vimos a obra critica a corrupção e a hipocrisia de autoridades e instituições da época. Essa crítica pode ser facilmente relacionada às questões de corrupção, desonestidade e abuso de poder que ainda persistem em muitos governos, organizações e sistemas sociais modernos.

A personificação da "Loucura" oferece uma análise profunda da natureza humana, expondo as fraquezas, a irracionalidade e a influência dos impulsos emocionais nas decisões e ações humanas. Isso permanece relevante ao considerar a psicologia e o comportamento humano, especialmente no contexto de vieses cognitivos, polarização política e tomada de decisões baseada em emoções.

A obra desafia os valores sociais e culturais da época. Da mesma forma, atualmente, vemos um questionamento contínuo das normas sociais, como papéis de gênero, discriminação, desigualdade e preconceitos. O "Elogio da Loucura" pode ser usado para incentivar a reflexão sobre a validade e a justiça desses valores.

Erasmo critica a Igreja Católica de sua época. Hoje, ainda há críticas ao papel das instituições religiosas, interpretações extremistas e o uso da religião para justificar a violência, a intolerância e outras formas de opressão.

Ao elogiar a "Loucura", Erasmo desafia a supremacia da razão. Atualmente, isso pode ser visto como uma chamada para considerar outras formas de conhecimento, como a experiência subjetiva, as emoções e a intuição, ao lado da lógica e do raciocínio.

"Elogio da Loucura" permanece uma obra relevante para analisar e questionar aspectos da sociedade e da natureza humana, incentivando uma reflexão crítica sobre o mundo contemporâneo, vale muito fazer a leitura mais de uma vez, podemos perceber detalhes que deixamos para trás na primeira leitura.

 

Fonte: Roterdã, Erasmo. Elogio da Loucura. Os grandes clássicos da Literatura - Vol. III Ed. Novo Horizonte – São Paulo/SP