Uma imagem vale mais que mil palavras, com certeza já ouvimos esta frase muitas vezes, vamos pensar numa imagem que nos cria desconforto, de pronto lembro da imagem da beira da praia com lixo que veio com a maré do mar e do lixo que ficou deixado pela maré de gentes. É uma imagem desconfortável, nela estamos incluídos, nela estamos incluídos como responsáveis por todo o lixo que ali se encontra, de um jeito ou do outro.
Manoel de Barros (1916-2014) foi um dos principais poetas contemporâneos. Autor de versos nos quais elementos regionais se conjugavam a considerações existenciais e uma espécie de surrealismo pantaneiro. Manoel Wenceslau Leite de Barros nasceu em Cuiabá, Mato Grosso, no dia 19 de dezembro de 1916
Manoel de Barros - Poeta
O poema onde aparece a palavra por ele inventada “transver” é “As Lições de Romulo Quiroga (um pintor boliviano), na pg. 75 do Livro Sobre Nada:
“A
expressão reta não sonha.
Não use o traço acostumado.
A força de um artista vem das suas derrotas.
Só a alma atormentada pode trazer para a voz um formato de pássaro.
Arte não tem pensa:
O olho vê, a lembrança revê, e a imaginação transvê.
É preciso transver o mundo.”
Ler poemas de Manoel de Barros é um convite para reflexão, seus poemas tratam de coisas cotidianas, tão próximas e familiares, ao mesmo tempo tem simplicidade e complexidade, ler é conviver com o paradoxal, tem coisas que foram inventadas para as pessoas viverem bem e com conforto, tem coisas que hoje não são tão boas assim, são coisas que são vistas, revistas e transvistas como coisas más, precisariam ser reinventadas ou desinventadas.
Em
seu poema “Desobjeto”, podemos admirar
sua perspicácia e imaginação, é na leitura do olhar que faz das coisas que estão por aqui e
por aí como são ou pareçam ser.
Desobjeto
O
menino que era esquerdo viu no meio do quintal um pente. O pente esta-va
próximo de não ser mais um pente. Estaria mais perto de ser uma folha dentada.
Dentada um tanto que já se havia incluído no chão que nem era uma
pedra, um caramujo um sapo. Era alguma coisa nova o pente...Estava encostado
às raízes de uma árvore e não servia mais nem para pentear ma-caco.
O menino que era esquerdo tinha cacoete de poeta, justamente ele enxergara
o pente naquele estado terminal. E o menino deu para imaginar que
o pente, naquele estado, já estaria incorporado à natureza como um rio,
um osso, um lagarto. Eu acho que as árvores colaboravam na solidão daquele
pente. BARROS, Manoel de.
Memórias inventadas. São Paulo: Planeta, 2003
Como Manoel de Barros já dizia “É preciso desinventar os objetos”. Dar outras funções que não as para quais foram inventadas até que virem ou-tras reinvenções.
A palavra Desinventar quer dizer tornar inexistente, desfazer algo que foi
criado. O inventor desinventou o que havia criado, por temer que esse
fosse utilizado para o mau, não faltam exemplos, temos o plástico, fusão
nuclear, quem sabe a invenção do avião supersônico concorde?
Manoel de Barros em suas poesias brinca com as palavras para desinventar objetos, coisas, ideias e pensamentos. Ele constrói outras e novas formas de ver o mundo através da imaginação, recriando esta realidade que nem sempre nos serve ou é boa, como Manoel bem diria “Uma voz de fazer nascimentos”.
Hanna Arendt, da dizia “Vivemos em tempos sombrios”, onde as piores pessoas perderam o medo e as melhores perderam a esperança", este é um fato que convivemos no dia a dia, as imagens presentes na mídia não nos deixam esquecer da gravidade presente, em nosso contexto inicialmente abordado a palavra desinventar não é querer negar o que existe e aquilo que vemos, na verdade, é tentar ressignificar como enxergamos os acontecimentos, principalmente porque nos faz despertar para a diversidade das pessoas e das coisas, e é este um jeito que mesmo em momentos difíceis e complicados, nosso deslumbramento se mantém vivo. Se existem histórias tão verdadeiras que parecem inventadas, o contrário também pode ser verdade, basta ter imaginação.
Chico Buarque através da música ”Apesar de Você” nos dá uma dica: “Você que inventou a tristeza / Ora, tenha a fineza / De desinventar”. Seria, então, a tristeza? A solidão? A esperança? O pesar? Talvez um objeto. A cama? O celular? O ônibus? A lâmpada?
XfLxM
Fico me perguntando se alguns progressos alcançados pelo homem não seria o caso de dar dois passos atrás, como por exemplo voltar a energia eólica no lugar do petróleo e coisas do gênero, quem sabe desinventar as matérias plásticas e a fusão nuclear, o que em princípio parecia um bem, já de algum tempo estamos enfrentando sérios problemas ecológicos, já falamos em colapso ambiental, e em consequência de tais invenções arquitetadas em nome do progresso, já sabemos que prejudicam o planeta, a verdade é que progresso a que estamos acostumados é o progresso a qualquer custo.
Se já sabemos o que esta dando errado, vamos fazer o certo, o que não
significa seguir em frente sem ter de dar dois passos atrás, o façamos antes
que seja tarde demais, rever posições para reinventar e até desinventar se for necessário, não há vergonha nisto.
Inventamos uma outra forma que é o reinventar, é reaproveitando alguma coisa que não tem mais uso na sua finalidade inicial, atualmente denominamos de reciclagem, no entanto no final das contas, muita coisa reciclada irá parar de qualquer forma poluindo a natureza, estamos apenas adiando, postergando sem dar cabo a causa, estamos agindo apenas na consequência, retardando a destruição, como por exemplo o plástico, ainda somos muito dependentes do polietileno.
O plástico vai do transporte aos serviços de alimentação, o plástico reciclado e é apenas quebrado em fragmentos cada vez menores, mas nunca completamente degradados. De uma forma ou de outra o plástico vai acabar em algum lixão ou em alguma praia disputando o espaço na areia ou no estômago de algum animal, vamos reinventar nossos hábitos e lutar contra esta poluição branca. O plástico começou a ser produzido nos anos 50, já imaginou quanto plástico está acumulado na natureza?
Outra invenção em nome do progresso e tem questão muito discutida por seus prós e contras é a fusão nuclear, talvez esta invenção além da exploração do petróleo e seus subprodutos, a fusão nuclear seja outro ponto discutidíssimo e tão maléfico quanto o outro, os prós, as vantagens é que a energia gerada pela fusão nuclear seria uma forma que garantiria segurança e limpeza ambiental. Isso porque, através da fissão nuclear produz energia principalmente através do urânio (um dos principais elementos radioativos). E no contraponto suas desvantagens conflitam com as tais vantagens, pois quando há acidentes tem sérias consequências, os resíduos gerados são de dificílima armazenagem e tratamento, é uma energia não renovável, porque o urânio deve ser extraído e não é regenerado. Sem falar na má utilização quando usam esta forma de energia na construção de bombas nucleares que funcionam por meio do processo de fissão com único objetivo de destruir a vida.
Esclarecendo: Fissão é o processo de forçar a divisão de um átomo para formar dois outros, mais leves. E Fusão é o processo de colidir com dois átomos propositalmente para formar um terceiro, mais pesado. A reação libera energia e, dependendo de quais forem os reagentes, um nêutron livre.
Então, o sentido de
tranver pode se refletir no reinventar ou Desinventar, para inventar é preciso
que abandonemos padrões de pensamento e passemos a pensar de modo diferente,
isto também vale quando damos dois passos atrás, dar um passo só vai dar no
mesmo, vamos dar dois passos, estamos vivendo problemas ambientais seríssimos,
estamos vivendo na caixa do negacionismo coletivo, tudo em nome do tal
progresso a qualquer custo, precisamos transver no sentido de enxergamos
melhores alternativas e novas práticas, precisamos abandonar os padrões de
pensamento que restringem nossa visão e imaginação, já sabemos o que está
errado, vamos fazer o certo, vamos fazer a diferença, vamos transverberar! Vamos começar trazendo nossas compras nas caixas de papel, papelão, ou levando nossa sacola de tecido!
Nenhum comentário:
Postar um comentário