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terça-feira, 13 de julho de 2021

Resenha do Livro O Homem Duplicado de José Saramago

 


O tema do homem duplicado é imensamente explorado, desde a antiga Grécia, o mito grego Castor e Pólux, conhecidos também pelo nome de Dióscoros, são dois jovens heróis da mitologia grega, os "Gémeos Celestes, portanto desde muito tempo atrás o tema é fascinante, a questão do duplo vem ao longo do tempo adquirindo novas interpretações, tal como alucinações, dupla personalidade, crises existenciais, temos diversas obras que se debruçaram sobre o tema, tais como em Dostoievski (O duplo), O Médico e O Monstro (R.L.Stevenson), Edgar Allan Poe (William Wilson), e Saramago não ficou atrás, nem ficou a dever, ele também explorou o tema do homem duplicado, explorou com grande habilidade e inteligência a crise de identidade.

Vamos falar um pouco a respeito do autor, José Saramago (1922-2010), ele foi um importante escritor português, destacou-se como romancista, teatrólogo, poeta e contista, recebeu vários prêmios como o Prêmio Nobel de Literatura, o Prêmio Camões, entre outros. José Saramago nasceu em Azinhaga de Ribatejo, no concelho de Golegã, distrito de Santarém em Portugal, tem muitos livros de sucesso publicados, tais como: A Caverna, Caim, Objecto Quase, Memorial do Convento e etc.

O livro é incrível do início ao fim, o final também é muito legal, o estilo do Saramago, peculiar, sempre irônico conversando com o leitor. Ele mais uma vez trouxe para literatura seu modo de singular oralidade e leitura, usando apenas a vírgula e o ponto, sinais de pausa, para o leitor de Saramago ele já está familiarizado com este estilo e já coordena bem a respiração nos longos parágrafos.

O livro trata da estória de um professor de história chamado Tertuliano Máximo Afonso, ele é um cara depressivo e solitário, numa conversa entre ele e seu colega de professor de matemática percebendo a falta de entusiasmo de Tertuliano, como forma de proporcionar alguma alegria e lhe fazer sentir melhor sugere que assista um filme de comedia, nosso protagonista atende a sugestão e aluga um filme na locadora, ele assiste e conclui que não gostou, ele decide dormir para no outro dia devolver o filme, porem o professor pouco tempo depois acorda sobressaltado, acorda repentinamente, acorda com algo que o havia perturbado, ele percebe que era algo no filme que não havia percebido a primeira vista, ele resolve assistir ao filme novamente e se depara com algo surpreende e assustador, ele percebe um dos personagens secundários ser uma verdadeira cópia dele, idêntico, sua cópia escarrada, um duplicado.

A partir daí sua rotina entediante fica imensamente abalada, se inicia neste instante uma curiosidade do protagonista em saber quem é esta pessoa idêntica a ele. Descobrir é algo muito difícil, pois o filme era ambientado nos anos 90, e muito provavelmente não era tão simples descobrir o nome e o paradeiro deste individuo idêntico a ele, a investigação se torna uma obsessão, os seus atos para chegar neste objetivo terão muitas consequências inesperadas, é uma trilha de investigação que o leva a duvidar de sua própria identidade.

O outro idêntico não é irmão gêmeo dele, a coisa vai muito mais além em todos os sentidos, eles têm os mesmos desejos, machucados, cicatrizes, manias, a dúvida dele é saber que é o original, será ele ou o outro, a idade de ambos é a mesma, as profissões é que são diferentes, Tertuliano é professor de História e seu duplicado Antônio Claro é ator.

Este livro aborda alguns pontos importantes e bem explorados, individualidade e aceitação, temas tão atuais que se lermos seguidamente ele permanecerá atual e interessante.

A sensação de perder sua individualidade o assombra diariamente sua existência no mundo ficariam em questão, tornando-se um dilema.

Os contatos com a mãe, os encontros com a espécie de namorada Maria da Paz passam a ser cheios de segredos. Como esperar que um ente querido reaja ao fato de existir dois de você?

Tertuliano conta com a ajuda do seu Senso Comum, uma espécie de amigo imaginário, veja a ironia, é realmente um duplo no interior do protagonista, ele usa deste artificio como muitos que não tem ou não confiam em alguém para conversar.

 

Infelizmente, o senso comum nem sempre aparece quando é necessário, não sendo poucas as vezes em que de uma ausência momentânea resultaram os maiores dramas e as catástrofes mais aterradoras. José Saramago, O Homem Duplicado

A dificuldade de aceitar o outro sempre foi um problema sério na sociedade, principalmente quando este outro lhe ameaça sua sanidade, sua vida, e também a forma como nos vemos ao nos olharmos num espelho.

Se fosse duplicado e conversasse com meu duplo idêntico e lhe fizesse uma analise como eu o vejo, provavelmente eu diria que o outro seria muito diferente, pois falaria aquilo que penso que não sou, talvez o meu duplo não concordasse comigo e me dissesse que somos exatamente iguais, porque a maneira como nós nos vemos ou pensamos ver tem a ver com o ser, provavelmente não seja como somos vistos pelo outro, o duplo, porquê? Porque não nos conhecemos direito e porquê o que os outros veem e sabem a nosso respeito é àquilo que exteriorizamos, é somente aquilo que deixamos sair, nós estamos lá atrás dos olhos, sentindo e vendo, controlando nossos gestos, atos e palavras, representamos diferentes papeis, seja como colega de aula, o colega de trabalho, o irmão, o amigo, o pai, o filho, a mãe, o político, enfim, estamos dentro de uma imensa peça teatral chamada vida, somos vários num só.

 

“Toda a gente sabe que nenhum homem pode ser exatamente igual ao outro num mundo em que se fabricam máquinas para acordar.” José Saramago, O Homem Duplicado

Certamente uma conversa com o duplo se possível fosse seria interessante e perturbadora. Podem ser iguaizinhos, mas cada um é um, é igual na aparência, mas único, pois a caminhada de vida de cada um até se conhecerem, foi pessoal e singular, as experiências até o momento em que se conheceram fizeram haver diferenças, os dois então são originais, por esta razão conviver com um igual só é difícil por haver distorção na maneira como aprendemos a respeitar o outro e a respeitar a nós mesmos pelas diferenças, haverá competição? Se sim disputando o quê?

Tem várias sutilezas que Saramago explora ao máximo e ao limite nesta questão dilema do homem duplicado, isto se percebe porque a riqueza dos detalhes é imensa, é um livro minucioso e bem planejado, inclusive na profissão do idêntico é um ator, a profissão e representar personagens que toca na questão da identidade.

O Homem Duplicado virou filme, um filme de suspense psicológico dirigido por Denis Villeneuve, é um longa que tem como ator principal Jake Gyllenhaal, ele foi exibido pela primeira vez na sessão Apresentação Especial do Festival Internacional de Cinema de Toronto em 8 de setembro de 2013. A estreia em Portugal e no Brasil ocorreu no dia 19 de junho de 2014. É um filme para assistir mais de uma vez, ele tem uma carga simbólica muito grande.

A clonagem também seria uma possibilidade, atualmente já existe técnica criada em laboratório para produzir indivíduos idênticos, no caso de nosso protagonista se ele fosse um indivíduo clonado seria o clímax do abalo da sua sanidade, provavelmente para a sanidade de qualquer um seria imaginar que existe alguém por ai idêntico, igualzinho, quem seria o tal original e quem seriam suas cópias no mundo, realmente é algo bastante desnorteante, isto certamente levanta assunto delicado para se discutir na filosofia. No entanto, se admitida a possibilidade de uma clonagem, ainda precisaria explicar as muitas coincidências de idênticos  machucados e cicatrizes que ambos possuem, talvez a sincronicidade junguiana possa explicar tais "coincidências", e quica a física quântica seja convidada a prestar esclarecimentos.

O Homem Duplicado é um livro repleto de simbolismos, permitindo a cada leitor ter, por si, a própria interpretação sobre os acontecimentos e fatos narrados. Nesse contexto, com uma boa história e personagens marcantes (mas não tão amáveis), tem-se uma ótima leitura ao fim das páginas.

O final também foi escrito no capricho, pensamos que não vai acontecer nada, que a história acabou e está tudo acomodado, mas tem reviravolta, a reviravolta nos deixa com uma pulga atrás da orelha, o desfecho é impressionante. Com certeza este livro que reli, vai continuar na lista para reler outras várias vezes, a cada leitura captamos mais detalhes, é uma obra prima, recomendo a leitura.

Fonte: Saramago, José. O Homem Duplicado. São Paulo/SP. Companhia das Letras, 2008

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