Uma das lições que aprendemos é que a educação tem sentido unicamente como educação dirigida a uma autorreflexão crítica, como disse anteriormente, a educação começa em casa e é esta educação que nos ajudará a entender a nós mesmos e o mundo, o mundo e os outros que assim como nós estamos inseridos e fazemos parte deste mundão, todos estamos seguindo uma caminhada pessoal, muitos caminhos também se cruzam, nesta caminhada encontramos alguns afetos e outros nem tanto, quantas vezes o bullying surgiu e precisamos saber o que fazer para enfrentar estes supostos defeitos aparentes aos nossos olhos e aos olhos dos outros.
Há muito tempo já nos deparamos com o problema causado pela forma com que nossos pais nos educam, alguns pais cegos pelo amor incondicional levam os filhos a um estado de negação daquilo que aparece no espelho, evitando que cada um dentro de sua singularidade se enxergue como realmente é, esta falta de orientação para a aceitação por si só é um entrave em nossa vida, a orientação correta através da tomada de atitudes positivas é que poderão nos fazer mudar para melhor, no entanto não é ensinada quando deveria, ou seja, lá na infância, inevitavelmente a lição fica para ser ensinada por algum professor desde que ele seja um ser "humanizado", então será capaz de enxergar estas deficiências básicas.
Atualmente a sociedade usa com frequência medicamentos para tratamento de hiperatividade e déficit de atenção, sabemos que muitos diagnósticos são equivocados, mesmo assim apelam para o freios químicos os quais deveriam ser os últimos recursos a serem adotados e não o primeiro como ocorre, aquele a base medicamentos como por exemplo a Ritalina, por se tratar do meio mais rápido de obter resultados, no entanto, esquecem que cada criança tem suas particularidades e precisam ser crianças e sequer levam em conta o meio social onde esta criança vive, muito de sua singularidade fica perdida porque a criança não esgotou suas possibilidades e vivencias de criança para no futuro seja um saudável adulto. Taleb em seu livro A Cama de Procusto já concluia que pouca gente percebe que estamos mudando o cérebro de crianças em idade escolar por meio de medicamentos a fim de fazer com que elas se ajustem à grade curricular, e não o contrário, por aqui já se percebe que o problema em nossa sociedade é muito maior quanto parece, o tempo e resultados são uma combinação perigosa onde etapas importantes são puladas.
Uma boa conversa com a família e o aluno com afetividade e empatia farão toda a diferença na vida de cada aluno e família, aqui não se trata de buscar um culpado, apenas que é importante entender que como filhos, pais, professores, somos todos parte de um macro processo educativo, para funcionar é preciso que seja uma educação auto reflexiva, participativa e com envolvimento, desde sua origem familiar, como num único processo onde um falha o outro possa enxergar e tomar ações corretivas, preferencialmente ações preventivas, é preciso engajamento e trazer para dentro do processo todos os responsáveis, coisa que não é fácil diante da demanda que cada um de nós assume para viver seu dia a dia.
Rousseau já dizia que é na primeira infância que se forma o caráter das pessoas, e é na educação humanizada que evitará que tenhamos uma sociedade onde a pratica de crimes faça parte do mal-estar cultural tal como esta que vivemos atualmente, desta sociedade desumanizada que industrializa humanos idiotas e corruptos, a roda da vida segue girando, não dá para parar para consertar, vivemos numa crescente pressão civilizatória, tão densa que é cada vez mais difícil escapar da tendência a violência e a corrupção, porem sempre há tempo para mudar, é preciso reinventar o processo educativo, a reinvenção passa por uma revisão de valores e definição clara dos objetivos educacionais, sem objetivos seguiremos presos dentro desta tensão esmagadora e irracional, a mudança começa na origem: na família e na educação infantil.
Infelizmente, já ouvi alunos do ensino
básico dizerem que o tráfico de drogas e o crime seriam os seu caminho para
adquirirem "coisas" mais rápido, como por exemplo aquele tênis maneiro, o correntão e dinheiro na mão, acham que só assim satisfariam seus desejos e sairiam da carência material, seu desejo é de ostentarem o
que os marginais ostentam; neste pacote de ilusões esta o falso sonho que os programas televisivos e tantos outros
vendem, a ideia de luxo, ostentação e conforto acessível para todos, sabemos que a realidade é outra, quase tudo que a mídia vende esta fora da realidade que se vive neste
pais, além disto veem no crime a forma rápida de conquistarem espaços de poder
e pertencimento, veem o mundo como um gigantesco supermercado onde pegam tudo o que querem bastando esticar o braço e pegar na prateleira.
Enfrentar este perigo na infância é evitar
que os males sigam se repetindo, testemunhos não faltam, os noticiários nos apresentam fotografias de
jovens, cada vez mais jovens participando do crime, são numerosos os casos com delinquentes juvenis, líderes de quadrilhas e tipos semelhantes, geralmente ostentando
armas e dinheiro, a maioria destes jovens morrendo cada vez mais jovens. As fotografias dos
jovens não são mais apresentados como seres humanos, são apresentados como
coisas lutando para adquirir coisas, e muito do que os jovens fazem é para sentirem-se
parte de um coletivo, são manipulados sem saber que estão fazendo parte na verdade de uma consciência
coisificada, iludindo-se e tornando-se iguais as coisas, muitos sobressaindo-se em
sua popularidade quando aparecem como valentões lutando contra qualquer regime
que esteja no poder cego pela marginalidade coletiva.
A família e a escola são partes do processo educativo, no entanto atuam isoladas, cada um no seu quadrado, um não sabe do outro e nem quer saber o que cada um passa, imagina se ainda agregarem problemas do outro se meu problema já é insustentável, o dia a dia fica mascarado pela falta de conexão e visão do cotidiano, os problemas de cada um são maiores justamente por esta falta de conexão, as experiências em casa e as experiências de cada um na escola possuem hábitos e rituais de iniciação que ambos ignoram ou agem com indiferença e assim ficam sem saber como tudo acontece, muita violência é infringida seja em casa ou na escola, é através da dor que muitos são educados e pouco se faz para impedir que seja infligida a dor física e psicológica, muitas vezes insuportável, tanto num ambiente quanto noutro, os jovens desejam fazer parte e suportam as barbaridades além de seu limite, tudo debaixo de nosso nariz, na maioria das vezes estes ambientes são indiferentes ao que acontece.
O pensamento de Jean-Jacques Rousseau, compreende que é necessário pensar seriamente no significado da infância, ela começa com o nascimento da criança que por sua vez, deve ser também educada a partir daí. O jovem precisa desde a tenra idade estar sendo educado a ter empatia, a educação deverá começar a partir do momento em que a criança vem ao mundo e abre os olhos, a criança vem ao mundo por um ato de amor e precisa saber disto. Assim deve ser se quisermos formar o homem humanizado, um ser humano mais humano, não apenas formados academicamente, a formação acadêmica por si só não humaniza ninguém.
Muitos destes jovens formam-se e outros não, muitos abandonam os estudos, porem tanto um quanto o outro tem seu caráter moldado e manipulado por estas forças indiferentes e esta indiferença é destruidora do sistema como um todo.
Um dos aspectos atualmente preocupantes, não o único, mas potencialmente preocupante é que estamos educando e permitindo que nossos jovens se tornem cada vez mais narcisistas, enfileirando-se nos seus diversos tipos de narcisismo, nossa preocupação em protege-los de tudo e de todos nos leva a deixar de tomar atitudes no momento certo, nossa falta de tempo os entrega para televisão e os jogos preencherem as lacunas, ficamos adiando como se esperando que o destino resolvesse tudo, criamos na mente do jovem a imagem dele estar acima do professor por este ser um consumidor, alimentam em sua mente esta pretensão exagerada e descabida, os pedestais foram criados, as redomas construídas, inseridos neste processos destrutivo estão nossos jovens, esta redoma de perfeição que os colocamos deixaram os jovens iludidos e exigem ser admirados a todo momento e lugar, tudo compactua constantemente na expectativa de que os outros os tratem de forma especial, sem se preocupar se merecem esse tratamento ou não, a fotografia da melhor selfie é o mote do instantâneo a cada minuto, a felicidade instantânea prolifera.
No coletivo são muitos “eus” e poucos “nós”, há uma massificação de “eus”, todos voltados para si mesmos, iguais querendo sobressair ao outro, isto quando o narcisismo permite, porém o narcisismo não permite, o outro já não existe mais, se existir o outro é para lhe admirar e servir.
A educação massiva é
voltada para uma sociedade de desempenho, e com uma necessidade cada vez maior
de pessoas tecnicamente mais preparadas para viverem uma vida onde o melhor
desempenho é fomentado até o esgotamento, as pessoas acabam sendo coisificadas
e vão perdendo seu fio condutor das emoções humanas, as emoções humanas são vistas
como algo que atrapalha o melhor desempenho, o que é fato onde há razão não
pode haver emoção, já faz parte de nosso processo civilizatório, foi o que nos
trouxe até aqui e nos levará para adiante sem sabermos exatamente onde
desembocará, provavelmente numa crescente indiferença com outro, onde o outro
já não mais existe, o eu está no igual tentando superar a si mesmo, nesta admiração
de mim para mim onde o outro se existir que seja para me admirar caso contrário
o outro é negado e rejeitado como uma coisa descartável, excluído de minhas redes sociais e circulo de supostas amizades.
Nossa realidade contradiz em sua configuração atual, e provavelmente há milênios — a sociedade não repousa em empatia, atração, simpatia, como se supôs ideologicamente desde Aristóteles, mas na persecução dos próprios interesses frente aos interesses dos demais. Isto se sedimentou do modo mais profundo no caráter das pessoas, mudar um pensamento cristalizado nos costumes é difícil, senão quase impossível reconstrução, até que se consiga algum resultado deverão decorrer outros milênios, a educação tem muito trabalho pela frente, que seja o quanto antes e seja uma educação mais humanizada, mais participativa e reflexiva.
Aprendemos a duras penas que o conhecimento por si só não tem o necessário para realizar as mudanças, não passará de informação, apenas isto, sem educação do caráter se torna inócuo e não prepara as pessoas para se tornarem mais humanas, dito isto, como exemplo desta falta de empatia temos um registro histórico muito emblemático, esta na forma de uma carta escrita por um dos prisioneiros do campo de concentração nazista, após o término da Segunda Guerra Mundial, esta carta foi encontrada num campo de concentração nazista, muitas foram as pessoas com formação técnica e acadêmica que trabalharam em prol da "solução final", muitas foram as pessoas que se dedicaram a dizimar pessoas no holocausto, a mensagem da carta é oportuna porque fica claro que a educação não humanizada cria seres desumanizados, a carta contem a seguinte mensagem dirigida aos professores:
“Prezado Professor, sou sobrevivente de um campo de concentração. Meus olhos viram o que nenhum homem deveria ver. Câmaras de gás construídas por engenheiros formados. Crianças envenenadas por médicos diplomados. Recém-nascidos mortos por enfermeiras treinadas. Mulheres e bebês fuzilados e queimados por graduados de colégios e universidades. Assim, tenho minhas suspeitas sobre a Educação. Meu pedido é: ajude seus alunos a tornarem-se humanos. Seus esforços nunca deverão produzir monstros treinados ou psicopatas hábeis. Ler, escrever e saber aritmética, só serão importantes se fizerem nossas crianças mais humanas.”
É óbvio, entende-se que a mensagem fala sobre empatia e humanização, e isto não se adquire simplesmente através da transmissão de conhecimentos e técnicas de produção, empatia se constrói através de uma educação humanizada, e na construção de valores, os principais construtores é a família e escola, juntas, sabendo o que um e outro fazem e podem fazer em conjunto. Ensinar aos alunos que o respeito deve prevalecer para que não haja mais guerras, para que as pessoas possam viver em paz e harmonia, a chave mestra esta na formação do caráter na infância, é a melhor forma de elevar o nível de empatia e mudar o rumo que a sociedade está tomando, isto é, enquanto há tempo.
Sabemos que existem muitos obstáculos e dificuldades para que a educação adquira este viés mais humano, as dificuldades enfrentadas pelas famílias são resultado na maioria das vezes é pelas condições de vida difíceis e precárias, não conseguem viver dignamente, este fato não se pode ignorar, este problema está cada vez mais presente em nossa sociedade e em nosso país, a escola não pode ignorar este problema, afinal como ensinar quem tem a família sofrendo pelo desemprego e a barriga vazia, não se faz filosofia de barriga vazia.
Provavelmente, se as pessoas vivessem dignamente, grande parte dos problemas educacionais estariam resolvidos, a questão de viver uma vida digna é condição básica do exercício da cidadania, colocando cada um em posição de igualdade é proporcionar condições de poder pensar em educação além da falta de comida na mesa.
Vivemos num pais de muitas desigualdades, enquanto alguns comem filé e tomam vinhos caríssimos, a maioria luta diariamente para viverem com uma sexta básica e com um salário mínimo, as desigualdades aparecem na escola, os uniformes conseguem igualar os alunos só na aparência, porém não consegue neutralizar a carga de déficits que trazem em suas barrigas e suas mentes.
Estamos cada vez mais dependentes da tecnologia, vivemos na era da informação, tudo mudou rapidamente, os novos recursos mudaram a maneira como as coisas são feitas, a tecnologia é uma das maiores responsáveis por estas mudanças, a realidade virtual e o mundo tecnológico colaboram com a alienação das pessoas e dos alunos por sua falta de domínio e comando, vivemos num mundo onde a religião não é mais o ópio, a religião está perdendo espaço, na realidade virtual Deus não existe.
Vivemos em dois mundos, um real e outro virtual, temos dois eus um objetivo e outro subjetivo, vivemos na dualidade, a referencia esta na realidade virtual, porque de maneira rápida como a Ritalina mudam sua vida radicalmente passando a ser outras
pessoas, passando a ter todos os desejos atendidos, então porque viver a vida real? a vida real não é assim, na vida real há
trabalho, dor, sofrimento, tristeza e alegrias, a realidade virtual se tornou uma porta de saída, porque na realidade virtual as pessoas
não tem fome e necessidades, lá tudo é possível, a vida virtual os faz esquecerem até a
fome que consome seus músculos, o eu é outro, lá o eu é dividido entre a
necessidade suprida pelo simples apertar das teclas, na selfie dos sorrisos falsos e
constantes, da falsa alegria instantânea, aquela alegria que não existe na vida real onde seus corpos repousam,
os olhos estão perdidos no vazio interior, seu "eu" e seu "mim" estão confusos, isto se vê através da falta de brilho no olhar, o único brilho que vê é o
reflexo do flash e do colorido das fantasias alimentadas como a necessidade de ser admirado por
ser especial, neste mundo paralelo que ocupa toda sua atenção e tempo. Não há
mais tempo e interesse para se dedicarem um ao outro e estabelecer relações de qualidade, fica cada mais difícil educar, a
educação vem se deteriorando e o distanciamento aumentando os déficits humanos, os jovens cada vez mais depressivos e reféns constantes de crises de ansiedade, sabemos onde isto vai desembocar, e é na depressão e ela esta elevando os números de suicídios.
Mudar o rumo da educação é urgente, a opção é mudar para uma educação humanizada para formação de cidadãos nas suas diversas áreas de atuação, a tecnologia deve ser dominada pelas escolas e vista como uma aliada, o avanço tecnológico é maior que a adequação do ensino, sabemos que existe esta disparidade, é preciso avaliar as ferramentas e saber como utilizar no dia a dia, os alunos atualmente vem munidos de ferramentas tecnológicas, para se sentirem bem vindos na escola é preciso reconhecer este aparato, aprender como utilizar nas aulas mais adequadamente, o interesse pela escola depende deste empoderamento, os alunos tem necessidades de memorizar conceitos e formulas, mas precisam também, principalmente, desenvolverem sua inteligência emocional desde a tenra idade.
Desenvolver e aprimorar habilidades como a empatia, colaboração e pensamento crítico, a educação se faz no dia a dia e só vamos enxergar os resultados no futuro através daquilo no que as pessoas se tornaram, a educação diz respeito a pensar a educação não apenas na sua dimensão técnico-racional-matemática, só assim poderemos evitar episódios como o descrito naquela fatídica carta deixada por um prisioneiro do campo de concentração nazista.
Piaget nos apresenta a formula energética da forma como se deve promover a conduta na educação, as funções cognitivas na conduta humana tem como mola propulsora o afeto como sua principal energia, o distanciamento social promoveu uma queda brutal nesta aproximação entre seres que socialmente dependem do convívio cotidiano na construção de seres humanos mais humanos.
Atualmente o déficit deixado pela pandemia é imenso, os resultados serão sentidos nos anos vindouros, os jovens que foram prejudicados provavelmente serão cidadãos fora de seu tempo, sua vida profissional será mais tarde do que o que seria normal, tudo porque ficou uma lacuna educacional e pela falta de convivência social, houve um agravamento no déficit educacional, causado pelas próprias dificuldades de muitos alunos sequer terem o prato de comida, e muitos menos a de se falar acesso à internet para tais aulas remotas. Se faz necessário retomar aquilo que originalmente, foi colocado a parte de toda sucessão do tempo e das coisas, e agilizar o processo de recuperação e trato aos prejuízos, pois o tempo não se recupera.
A educação é complexa e neste mundo atual se tornou mais difícil do que parece, educar e ensinar são coisas que se misturaram, responsabilidades da família foram passadas para a escola e responsabilidades da escola passaram para a família, os papéis estão misturados de confusos, o mundo mudou muito e o processo educacional não acompanhou.
Fontes:
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Tradução por Lourdes Santos Machado. 5. ed. São Paulo : Nova Cultural, 1991. (Coleção Os pensadores).
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