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terça-feira, 19 de dezembro de 2023

Minha Akpalô

Neste mês de dezembro com a chegada do Natal e a virada para o novo ano, fazemos nossa reflexões sobre o passado, presente e o olhar para o futuro com fé e tranquilidade, nestas reflexões estão presentes os ensinamentos de minha Akpalô que foi minha mãe, uma grande mestra sábia da vida espiritual e material, vieram a tona recordações das histórias que me contou ao longo de minha vida, uma delas muito especial vou compartilhar pois entendo que tem muita importância para aqueles que estejam aflitos principalmente nesta data de reflexões.

Na suave penumbra da noite riograndina, a Akpalô, minha mãe, mulher de baixa estatura mas de coração imenso, era uma guardiã da tradição iorubá (nagô). Em meio às muitas histórias que fluíam de seus lábios, uma narrativa especial se destacava, uma que ecoava com o batuque dos tambores sagrados e a sabedoria das entidades umbandistas e da nação, contada mais de uma vez desde minha infância, constituindo e construindo minha personalidade e minha fé.

Minha Akpalô em sua sabedoria de contadora de histórias contava a história da Cabocla Jurema, uma entidade espiritual que, segundo a Akpalô, tinha sua origem nas matas profundas, onde a magia e a natureza dançavam em harmonia. A Cabocla Jurema, com seus olhos que brilhavam como estrelas e sua pele adornada com as cores da floresta, era uma presença divina que envolvia os corações daqueles que buscavam seu auxílio. Em sua vida de médium trabalhou desde muito jovem com a permissão de nosso Deus, incorporava a Cabocla Jurema trazendo para este mundo alivio para as dores da alma, espírito e corpo, solidificando a nossa fé nas entidades de luz, através das reuniões mediúnicas nos traziam sua sabedoria e nos ensinavam que independente das agruras da vida a fé é a maior arma e ao mesmo uma bênção que nos conecta com o mundo superior.

A história começava com o amanhecer de um novo dia na vastidão verde da floresta. A Cabocla Jurema, nascida da essência das árvores antigas e das águas cristalinas, cresceu em meio às canções dos pássaros e à dança suave das folhas ao vento. Seus cabelos negros eram entrelaçados com segredos ancestrais, e sua voz era a melodia da própria natureza. Cabocla Jurema filha valente de Tupinambá, adotada pelo mundo, foi encontrada aos pés do arbusto da planta encantada que lhe deu o nome, Ela cresceu forte, linda, como formosura da noite e firmeza do dia, corajosa, a Cabocla tornou-se a primeira guerreira mulher da tribo, pois sua força, agilidade, manejo das armas e da ciência da mata, tornara-se uma lenda por todo o continente, onde contadores de histórias, aos pés das fogueiras, falavam da indígena de pena dourada, que era a própria mãe divina encarnada. Nada causava medo a Cabocla, até que um dia ela encontrou seu amor num jovem indígena, adversário de sua tribo, Ela apaixonou-se por um caboclo chamado Huascar, de uma tribo inimiga chamada filhos do sol, que por sua vez fora preso em uma batalha. Jurema que aprendera a resistir ao conto do boto, ao veneno das cascavel e da amadeira, já resistira bravamente a centenas de emboscadas e que sentia o cheiro a distância de ciladas, não conseguiu resistir ao amor que fluía do seu peito por aquele guerreiro, observando o caboclo preso, ela viu nos olhos dele, as mil vidas que eles passaram juntos, viu seus filhos, o amor que os unia além da carne e percebeu que não foi por acaso, que ele fora o único caboclo capturado vivo, e decidiu libertá-lo, mesmo sabendo que seria expulsa da sua tribo. Seu amor proibido pelo jovem indígena foi marcado em seu rosto, com uma ponta de flecha incandescente deixando uma marca como também é conhecida. No entanto, Jurema em sua fuga com seu amado, foi perseguida por seu próprio povo e em meio a chuva de flechas voando em direção do caboclo fugitivo, foi Jurema que caiu, salvando o seu amado e recebendo a ponta da morte que era para ele, no seu próprio peito. No lugar onde Jurema caiu, nasceu uma planta rebusca e muito resistente que dá flor o ano inteiro, cujo formato exótico e o tom amarelo-alaranjado intenso chamou atenção de todas as tribos, pois tudo dessa planta poderia ser utilizado, desde as sementes, até as flores e o caule, e porque as flores dessa planta estão sempre viradas para o astro maior, a flor ficou conhecida como girassol.


Jurema tornou-se uma guardiã das ervas curativas e uma protetora das criaturas que habitavam os recantos escondidos da floresta. Sua sabedoria era buscada por xamãs e curandeiros, e sua presença era invocada em rituais sagrados para trazer cura e equilíbrio às vidas dos devotos.

Em uma noite de lua cheia, Jurema revelou sua história à Akpalô em um sonho vívido e também através dos mestres contadores de histórias vindo a confirmar sua veracidade. Ela contou sobre desafios enfrentados, batalhas travadas contra forças sombrias e a necessidade de preservar a conexão sagrada entre a humanidade e a natureza. A Akpalô, despertando com a mensagem da Cabocla, sentiu-se chamada a compartilhar essa narrativa como uma lição valiosa para todos aqueles que estivessem com seus ouvidos e mentes abertos para o conhecimento e sabedoria.

A história da Cabocla Jurema tornou-se parte integrante do repertório da Akpalô, entrelaçada com as narrativas iorubás que ela contava com tanta maestria. Cada detalhe da vida da Cabocla era contado com reverência, como um tributo às entidades espirituais que habitam os reinos além do nosso alcance sensorial. Em nosso pais onde a espiritualidade escolheu para transmitir sua sabedoria as religiões se mesclam, tudo porque o Deus único assim quer. Essa história, contada com o mesmo colorido especial que caracterizava todas as histórias da Akpalô, transmitiu não apenas o mito da Cabocla Jurema, mas também a importância de honrar as forças espirituais que guiam nossos caminhos. Assim, a Akpalô, mulher de estatura pequena mas de alma gigante, continuou a ser uma ponte entre mundos, compartilhando as riquezas de suas experiências e enriquecendo as vidas daqueles que a cercavam. Por fim, cabe apenas agradecer a Deus por nos conceder a benção de ter saído do seu ventre e aprendido com esta mestra Akpalô a beleza da vida. Deus que já a levou para as querências superiores a esta preparando para retornar a este mundo e seguir com seus ensinamentos, queira Deus que eu seja novamente um de seus filhos. Deixo aqui um dos maiores ensinamentos de minha Akpalô, “Tenha fé, sempre fé em Deus que Ele irá prover todas nossas necessidades conhecidas e desconhecidas”!

 

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