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domingo, 29 de agosto de 2021

Resenha do Livro Dom Casmurro de Machado de Assis

Um ótimo romance, já li três vezes este livro, e ainda não me convenci dos argumentos do protagonista, este é um dos melhores livros da literatura brasileira e mundial, romance psicológico de narrativa em linguagem culta, narrado na visão masculina, ambientado na segunda metade século XIX, na cidade do Rio de Janeiro, segundo império, dividido em 148 capítulos curtos, com vivencia nas recentes mudanças sócio políticas em nosso pais, crise da monarquia, Abolição da escravatura, proclamação da república, a obra foi publicada em 1899, apenas a uma década da substituição da monarquia escravocrata pela republica.

É uma narrativa comum, carregada das características da fase realista de Machado de Assis, digressão, metalinguagem, ironia, intertextualidade, antirromantismo, objetividade; análise psicológica; crítica à burguesia; valorização do presente; fluxo de consciência; ausência de idealizações; racionalismo e crítica social, ele nascido em família abastada, religiosa e escravocrata, ela (Capitu) é de origem pobre, vizinha de Bentinho desde seus cinco anos de idade. Assis representa as categorias socais mais marginalizadas do Brasil da época: os pobres, as mulheres e a parte a violência do escravismo.

Breve resumo: Bentinho e Capitu são criados juntos e se apaixonam na adolescência. Mas a mãe dele, por força de uma promessa, decide enviá-lo ao seminário para que se torne padre. Lá o garoto conhece Escobar, de quem fica amigo íntimo. Algum tempo depois, tanto um como outro deixam a vida eclesiástica e se casam. Escobar com Sancha, e Bentinho com Capitu. Os dois casais vivem tranquilamente até a morte de Escobar, quando Bentinho começa a desconfiar da fidelidade de sua esposa e percebe a assombrosa semelhança do filho Ezequiel com o ex-companheiro de seminário.

Personagens do romance:

 

Bento Santiago ou Bentinho: narrador da história e protagonista.

Capitolina ou Capitu: esposa de Bentinho.

José Dias: um agregado da família de Bentinho.

D. Maria da Glória Fernandes Santiago ou D. Glória: mãe de Bentinho.

Tio Cosme: irmão de D. Glória.

Pádua: pai de Capitu.

D. Fortunata: esposa de Pádua e mãe de Capitu.

Prima Justina: prima de D. Glória.

Ezequiel de Sousa Escobar ou Escobar: melhor amigo de Bentinho.

Sancha: esposa de Escobar.

Ezequiel A. de Santiago ou Ezequiel: filho de Bentinho e Capitu.

Capituzinha: filha de Escobar e Sancha.

Este romance é narrado em primeira pessoa, por Bento Santiago, ou, como é narrado já no início do livro, Dom Casmurro, cujo nome por conveniência se tornou o título da obra:

 

“Não consultes dicionários. Casmurro não está aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de fidalgo. Também não achei melhor título para minha narração; se não tiver outro daqui até o fim do livro, vai este mesmo. ”

 

Narrativas em primeira pessoa partem do ponto de vista daquele que narra, neste caso do Bentinho o protagonista abastado, advogado, de cara ele admite que não tem boa memória, ele como advogado tem o habito do discurso do convencimento, obviamente tem seu teor jurídico, quando narra, já velho, a narração inicia em uma viagem num trem da Central, ele já era formado em direito. Então, provido de cacoetes da profissão, ciumento e possessivo que era, usa de artifícios para colocar em pauta sua insegurança e ciúme relacionados a sua amiga de infância e esposa, Capitu. Assim, desenvolve desde o início do livro, a pergunta que só iria fazer em sua última página, e na qual ronda os pensamentos de Dom Casmurro, se ele teria sido traído por Capitu.

 

“Como vês, Capitu, aos catorze anos, tinha já ideias atrevidas, muito menos que outras que lhe vieram depois; mas eram só atrevidas em si, na prática faziam-se hábeis, sinuosas, surdas, e alcançavam o fim proposto, não de salto, mas aos saltinhos. ”

A história inicia nas lembranças de sua juventude no sitio de Matacavalos, centro da cidade do Rio de Janeiro, em 1857 Bentinho tinha quinze anos, seu amor nasceu em sua infância e nutre muitos ciúmes, ele descreve Capitu de olhos de cigana, obliqua e dissimulada, olhos misteriosos e muito esperta, astuta, observadora, isto é, tudo baseado na narrativa do bentinho, um homem triste e amargurado, ele pode ter omitido de maneira tendenciosa, ele se dizia ingênuo e ela desde cedo muito esperta. A obra traz em seu bojo também pontos para nossas reflexões acerca das transformações das relações de gênero e sexualidade na cultura brasileira do século XIX.

Capitu o amor de sua vida traiu ou não Bentinho com seu melhor amigo? Se ler atentamente, as pistas que Assis deixou ao longo do livro ajudam a desvendar a dúvida, pessoas ciumentas são teimosas, possessivas, opressoras, tem o outro como propriedade sua, um tipo de relacionamento de senhor e escravo, nada do que o outro diga ou faça é suficiente para resolver a questão intima, ele sim, escravo da dúvida e de sua insegurança, vive em seu mundo fantasiado, sua postura consegue interferir até em sua maneira de relacionar-se com seu filho, pois vê no filho traços que remetem ao amigo morto, no entanto, a dúvida tende a permanecer, ouvimos apenas um lado da história, portanto é parcial.

O ciúme de Bentinho é fundamental na obra de machado, não ao ponto de uma tragédia, mas Machado vai buscar inspiração na tragédia de William Shakespeare, na obra Otelo, através do personagem Otelo em seu amor e ciúme por Desdêmona, sua esposa. Desdêmona por ciúmes é estrangulada pelo marido, que acredita que ela tenha cometido o adultério com seu grande amigo, Cássio. Essa temática shakespeariana é refletida na obra Dom Casmurro, na desconfiança causada pelo ciúme do personagem Bentinho, que acredita que sua esposa Capitu cometeu o adultério com seu amigo, Escobar. Bentinho, após assistir à peça teatral “Otelo”, de Shakespeare, imagina-se no papel de Otelo e Capitu, o da personagem Desdêmona. As menções de Otelo em três capítulos fazem referência direta a obra de Shakespeare, demonstrando uma relação explícita de Otelo em Dom Casmurro, essa relação pode ser explicada pela teoria da intertextualidade, a partir da qual se observa o diálogo entre Dom Casmurro e Otelo, enriquecendo a história criada por Machado, demonstrando profundidade da obra numa rede de conexões.

A obra não se resume ao debate sobre o adultério, e obra repleta de nuances dando um panorama critico de uma sociedade de aparência, envia Capitu e o filho para viverem na Suíça, de maneira a manter as aparências de um casamento, que não existia mais.

Assis apresenta a mulher contrariando a imagem da mulher naquela época numa sociedade totalmente patriarcal, apresenta a personagem Capitu uma mulher de muita força e domínio psicológicos, em vários momentos ele ressalta sua inteligência e esperteza:

Capitu era Capitu, isto é, uma criatura mui particular, mais mulher do que eu era homem”

 

“Como era possível que Capitu se governasse tão facilmente e eu não?”

Ao iniciarmos o livro, somos apresentados por Bento a sua mãe e viúva, Dona Glória; e a sua promessa de tornar seu filho um padre, a qual mais tarde, a promessa é levada a sério, leva o narrador protagonista a frequentar o seminário, deixando para trás uma paixão recém aflorada pela amiga Capitu, que jura esperar pela sua saída para se casarem. No seminário conhece Escobar (desde então seu melhor amigo), ambos conseguem livrar-se do seminário e seguem suas vidas por caminhos diferentes. Entretanto, existem também diversos outros personagens que já no início nos são apresentados, e se tornam importantes para desenvolver o pensamento de nosso narrador no momento em que ele escreveria o livro. Um deles é José Dias, que descreve os olhos de Capitu como sendo de “cigana oblíqua e dissimulada”, característica que vemos citada por Bento em outros momentos ao decorrer da trama.

Este relato é um relato de ciúme devido a sua insegurança e de ressentimento em relação ao passado, neste viés temos a suposta traição de Capitu e a negação da paternidade devido a ser fruto de um relacionamento com outro, ao revolver o passado, ele expressa sua falta de plenitude, sentimento de abandono e solidão, estes seriam exemplos dos motivos condutores do pessimismo de Bento e de seu niilismo, a filosofia schopenhauereana está presente na construção deste e de outros romances no pensamento de Assis.

A obra polêmica bem conhecida, leitura obrigatória para vestibular, já foi adaptada para o cinema, teatro e TV, mas é lendo que você tem acesso a história crua e pode tirar suas próprias conclusões, traiu ou não é fruto dessa insegurança do personagem que mesmo apresentando os fatos do seu ponto de vista não conseguiu me convencer, e será que se convenceu alguém, esse alguém não passa pelos mesmos perrengues e vê na narrativa um pouco de seus fantasmas? Se sim, é melhor buscar ajuda psicológica.

A “chave” da traição de Capitu

O jornal “O Globo” publicou uma breve resenha do livro “Código Machado de Assis — Migalhas Jurídicas” (Editora Migalhas, 592 páginas), do advogado Miguel Matos. O título do texto é “Capitu traiu? Advogado encontra prova jurídica em capítulo de ‘Dom Casmurro”. SERÁ?

Primeiro, Miguel Matos é corajoso ao desafiar a crítica mais categorizada e se mostrar como dono de um código que decifra Machado de Assis e, por extensão, seu romance. Segundo, afirma que encontrou a “prova cabal” da traição de Capitu (frise-se que poucos apontam a “traição” de Escobar, que era amigo do supostamente “traído”). Há uma “senha jurídica” que, sim, “demonstra” o adultério.

O registro de “O Globo, citando Machado de Assis, Bentinho e Miguel Matos: “Certa noite, Bentinho, ele próprio um advogado, vai ao teatro sem Capitu e, ao voltar antes do fim do primeiro ato, encontra Escobar à porta do corredor de sua casa. É uma situação de quase flagrante, que só piora o álibi: o amigo diz que passara por lá para tratar de uma ‘questão de embargos’. Só que, quanto mais Escobar explica o assunto, mais o leitor dotado de um mínimo conhecimento jurídico percebe que o incidente não é importante, observa Matos. Além do mais, Escobar era um veterano negociante, com experiência suficiente para saber disso. Em tempos pré-WhatsApp, ele nunca bateria tarde da noite na casa de alguém se o motivo não fosse relevante. Porém, o mais importante aparece logo no título deste mesmo capítulo. Machado o nomeou ‘Embargos de terceiro’ — uma terminologia jurídica que o autor já havia utilizado no romance ‘A Mão e a Luva’. ‘Machado usa muitas metáforas jurídicas em sua obra’, diz Matos. Em ‘Dom Casmurro’, o termo ‘embargos de terceiro’ é uma metáfora para disputa pela posse. No caso, a ‘posse’ de Capitu. O mesmo aparece em ‘A Mão e Luva’ para falar sobre uma pessoa que quer conquistar a outra. Machado não iria fazer essa associação à toa”.

A argumentação de Miguel Matos certamente será levada em consideração pelos críticos e biógrafos de Machado de Assis. Entretanto, a grande jogada, leitor, é deixar o romance como obra aberta — porque o must do livro de Machado é a incerteza, não a certeza ou certezas. Ao dizer isto não estou sugerindo que os críticos não devam “avançar” nas interpretações, acrescendo novas informações, o que a obra do escritor sempre permite, dadas sua agudeza e sua amplitude. Mas talvez não se deva “forçar” a obra a dizer o que nos convém — aquilo que queremos perceber. Às vezes, a “grande sacada” pode não figurar no romance, mesmo em suas entrelinhas, e sim naquilo que, antes de examinar o fato, já pensamos dele.

 

SERÁ? Prefiro o livro aberto ao pensamento e as hipóteses, a beleza da obra está na dúvida que funciona como um organismo vivo alimentado pela dúvida da infidelidade e até da opção sexual de Bentinho, a história é cativante! Vale a pena ler mais de uma vez, aliás, vale a pena ler mais de uma vez qualquer obra do gênio Machado de Assis!

Fontes:

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 30ª. ed. São Paulo: Ática, 1996.

https://www.jornalopcao.com.br/colunas-e-blogs/imprensa/advogado-diz-que-encontrou-o-codigo-que-prova-que-capitu-traiu-bentinho-352223/

Fonte:

ASSIS, Machado de. Dom Casmurro. 30ª. ed. São Paulo: Ática, 1996.