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segunda-feira, 30 de agosto de 2021

Os problemas de Arthur Schopenhauer

Pobre Arthur Schopenhauer (1788-1860) filósofo alemão. Por mais que se esforce, ele não consegue se interessar realmente pelos costumeiros “problemas de filosofia”. A única coisa que ele consegue pensar é sexo. Por isso, ele tenta integrá-lo à sua filosofia. “Os órgãos sexuais são o foco da vontade”, rabisca ele no seu pergaminho, e acrescenta, um tanto acidentalmente, que o amor é simplesmente “a expressão da necessidade da espécie de se reproduzir”. E reflui assim que a função genética é cumprida.

Será que isso pode ser verdade?

Arthur observa isso e vê que é bom assim. Todavia, ele acha que ainda não abrange toda a sensibilidade e a sutileza do seu próprio caso e, então, modifica ligeiramente a sua teoria, a fim de permitir a pessoas como ele mesmo, Platão e todos os budistas, que sigam um caminho alternativo, em que seja possível transcender aquela ideia e simplesmente contemplar a realidade, sem empenho e sem sofrimento. “Companhia”, escreve ele, “é um fogo para que nos aqueçamos a distância”.

Uma vida de contemplação solitária é realmente melhor do que a companhia social – até mesmo o amor?

Vamos as respostas aos problemas de Arthur:

Esses dois problemas não são decorosos, e normalmente não são discutidos, claro. Filósofos não gostam de sexo. Afinal de contas, o sexo altamente irracional. Platão (em A Republica, Livro III, 403) fez Sócrates até perguntar a seu amigo Glauco, no seu costumeiro estilo retórico, se “amor tem algo a ver com frenesi ou qualquer forma de excesso”. A resposta de Glauco é, obrigatoriamente: “certamente não”, mas Sócrates, muito inusitadamente, continua a esmiuçar o assunto.

SÓCRATES: O amor verdadeiro não pode ter nenhum contato com esse prazer sexual, e pessoas que se amam, e cujo amor é verdadeiro, não devem ser indulgentes com tal prazer.

GLAUCO: Certamente não devem, Sócrates.

SÓCRATES: Por isso, suponho que tu hás de criar leis, para o Estado que estamos planejando, que permitam a quem ama estar na companhia de um amigo, beijá-lo e tocá-lo, se ele o permitir, como um pai faz com seu filho, e se seus motivos forem bons. Mas deves exigir que sua convivência com qualquer pessoa amiga nunca deixe surgir a menor suspeita de qualquer coisa além disso; senão, ele será considerado um homem de mau gosto e sem educação.

GLAUCO: É assim que deverei legislar.

Mas Arthur Schopenhauer, que realmente existiu, e realmente se chamava Arthur (um nome útil, até cosmopolita, para uma carreira no mundo dos negócios europeus), certamente tem razão. O impulso reprodutivo, seja simplesmente o sexual, seja o mais respeitável procriativo, é tão forte que se torna fundamental, e realmente os filósofos estarão sendo um pouco evasivos se continuarem a discutir a natureza da vida humana sem qualquer referência a ele. Platão valorizou pelo menos uma espécie de amor filial, o amor desde então sempre chamado de “platônico”. Infelizmente, a Igreja cristã ensinou uma versão bastante extremista dessa doutrina, durante a maioria dos séculos entre Sócrates e Schopenhauer, culminando nas atitudes mais bizarras e mais hipócritas com relação ao sexo (esse aspecto foi bem esclarecido pelo filósofo francês contemporâneo Michel Foucault).

Poderíamos dizer que Scopenhauer refletia simplesmente duas experiências infelizes. A primeira foi a de ter sido mandado para o internato em Winbledon, e a outra a de ter dado a sua primeira aula de filosofia na mesma hora que p célebre colega, o professor Hegel. Quase ninguém foi para a palestra de Schopenhauer, e ele ficou tão amargamente ressentido com isso que jurou não dar nunca mais uma aula pública. Portanto, pode ter sido somente uma questão de “uvas verdes”. Contudo, também de uvas verdes faz-se vinagre.

Schopenhauer era um cara pessimista. Pessimista porque no homem, a Vontade é o fundamento do querer viver, do sentimento de posse, do dominar, do afirmar-se: “A vida humana, pois, passa-se toda em querer e em adquirir”, então, se a base de tudo é a Vontade, a vida em si não possui um significado, uma finalidade, e a humanidade não se encaminha em um progresso contínuo, ele ainda entende que o homem não é um ser unificado e racional, que age conforme os interesses, mas um ser fragmentado e passional, que age influenciado por forças que fogem de seu controle, o sexo estaria dentre estar forças que na maioria das vezes fogem de seu controle, o homem possui um corpo com impulsos inconscientes, sendo o principal deles o impulso sexual.

Este é o foco da coisa-em-si do mundo, a Vontade, ímpeto cego desejante que jamais encontra uma satisfação final, logo corpo e sexualidade, assim, têm funções cruciais no pensamento schopenhauereano, no sentido de justificar a sua pretensão de uma metafísica imanente, que enraíza o investigador no mundo por meio das vicissitudes de sua sensibilidade e sentimento, dos quais emerge um tipo de conhecimento acerca do núcleo dos corpos do mundo em analogia com o corpo do investigador, que revela, no núcleo de sua subjetividade, aquilo denominado pelo termo vontade. Ora, nesse horizonte do corpo e da sexualidade como foco da coisa-em-si do mundo, entra em cena o amor.

As reflexões de Schopenhauer sobre o amor entre os sexos, sobre o impulso sexual, levam-no a colocar este como o primeiro motor da ação humana. O fim privilegiado do amor é a cópula. Quando esta não é consumada, há os seus desvios, as suas sublimações. No fundo, é o amor sexual que move a humanidade. Mesmo porque, ele é o “foco” da coisa-em-si, a Vontade. Com isso, o autor abre um horizonte de reflexão que aponta para o irracional como definidor das criaturas (humanas e animais), invertendo, assim, a tradição filosófica, que colocava na razão o princípio do mundo.

Schopenhauer aplica essa inversão de sua obra magna à teoria do amor, pois é exatamente a Vontade como coisa-em-si, “ímpeto cego” do organismo, que é aqui ativa. Ela exige ser obedecida, todo-poderosa que é, e o indivíduo apenas representa a sua natureza que quer viver, porém na espécie, e nesse sentido não chora a morte do indivíduo. Dessa perspectiva explicam-se as mortes de amor, os suicídios relacionados a tal sentimento, as brigas e duelos no mundo humano e animal, pois a espécie tem de triunfar e o indivíduo é um instrumento para a perpetuação dela. Espécie na qual ele, indiretamente, sobrevive.

Outra reflexão que pode ser feita é que o amor, no fundo, quando surge na consciência filosofante e o filósofo medita sobre ele, insere-se na compaixão. O amor move o indivíduo a unir-se com outro porque, como vimos, quer suprir as carências deste, daí a escolhas inconscientes relativas que complementam e equilibram, corrigem as escolhas absolutas. Ou seja, tem-aí um frágil equilíbrio entre espécie e indivíduo, do contrário este não realizaria os desígnios daquela.

O sexo é afirmação da vida, que é essencialmente sofrimento psicológico, mesmo ligado ao prazer, e o sofrimento no qual está falando não está se referindo ao sadismo, é um paradoxo de dicotomia, pois o sexo fica entre o prazer e o sofrimento. Este pessimista metafísico que é Schopenhauer, que não foi nenhum santo em termos de sexo, e teve lá as suas amantes, concluirá que felizes não são os que afirmam a Vontade, mas os que a negam, a começar pelo corpo nas imolações. Daí a imagem dos ascetas felizes, apesar da aparência contrária. Portanto, a filosofia do amor de Schopenhauer aponta que o culto a ele em moldes românticos é coisa de pessoas fracas, que sucumbem à espécie. Forte é o santo, que nega o sexo e seu resultado final, uma nova vida sofredora, retirando-se da existência, retirando-se do teatro do sofrimento da afirmação do querer. A satisfação do amor é paga com a dívida de uma possível criança que, sintomaticamente, nascerá chorando, e que assim assume a dívida dos seus criminosos, os pais. Daí o filósofo citar o poeta Calderon de la Barca: “o maior crime do homem é ter nascido”. A morte se encarrega de liquidar esta dívida, e de punir impiedosamente os criminosos, e é onde todos se igualam sejam reis ou plebeus, é na morte seu destino comum.

Fontes:

Cohen, Martin. 101 problemas de filosofia. Ed. Loyola. São Paulo-SP, 2005

SCHOPENHAUER, A. Metafísica do amor, metafísica da morte. Tradução de Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

Artigos

Barboza, Jair. Teoria do amor sexual: uma reflexão em torno de Platão, Schopenhauer e Freud disponível em file:///C:/Users/ADAORO~1/AppData/Local/Temp/1162-1879-1-SM-1.pdf