Pobre Arthur Schopenhauer (1788-1860)
filósofo alemão. Por mais que se esforce, ele não consegue se interessar
realmente pelos costumeiros “problemas de filosofia”. A única coisa que ele
consegue pensar é sexo. Por isso, ele tenta integrá-lo à sua filosofia. “Os
órgãos sexuais são o foco da vontade”, rabisca ele no seu pergaminho, e
acrescenta, um tanto acidentalmente, que o amor é simplesmente “a expressão da
necessidade da espécie de se reproduzir”. E reflui assim que a função genética
é cumprida.
Será
que isso pode ser verdade?
Arthur observa isso e vê que é bom assim.
Todavia, ele acha que ainda não abrange toda a sensibilidade e a sutileza do
seu próprio caso e, então, modifica ligeiramente a sua teoria, a fim de
permitir a pessoas como ele mesmo, Platão e todos os budistas, que sigam um
caminho alternativo, em que seja possível transcender aquela ideia e
simplesmente contemplar a realidade, sem empenho e sem sofrimento. “Companhia”,
escreve ele, “é um fogo para que nos aqueçamos a distância”.
Uma
vida de contemplação solitária é realmente melhor do que a companhia social –
até mesmo o amor?
Vamos as respostas aos problemas de Arthur:
Esses dois problemas não são decorosos, e
normalmente não são discutidos, claro. Filósofos não gostam de sexo. Afinal de
contas, o sexo altamente irracional. Platão (em A Republica, Livro III, 403)
fez Sócrates até perguntar a seu amigo Glauco, no seu costumeiro estilo
retórico, se “amor tem algo a ver com frenesi ou qualquer forma de excesso”. A
resposta de Glauco é, obrigatoriamente: “certamente não”, mas Sócrates, muito
inusitadamente, continua a esmiuçar o assunto.
SÓCRATES: O amor verdadeiro não pode
ter nenhum contato com esse prazer sexual, e pessoas que se amam, e cujo amor é
verdadeiro, não devem ser indulgentes com tal prazer.
GLAUCO: Certamente não devem,
Sócrates.
SÓCRATES: Por isso, suponho que tu
hás de criar leis, para o Estado que estamos planejando, que permitam a quem
ama estar na companhia de um amigo, beijá-lo e tocá-lo, se ele o permitir, como
um pai faz com seu filho, e se seus motivos forem bons. Mas deves exigir que
sua convivência com qualquer pessoa amiga nunca deixe surgir a menor suspeita
de qualquer coisa além disso; senão, ele será considerado um homem de mau gosto
e sem educação.
GLAUCO: É assim que deverei legislar.
Mas Arthur Schopenhauer, que realmente
existiu, e realmente se chamava Arthur (um nome útil, até cosmopolita, para uma
carreira no mundo dos negócios europeus), certamente tem razão. O impulso
reprodutivo, seja simplesmente o sexual, seja o mais respeitável procriativo, é
tão forte que se torna fundamental, e realmente os filósofos estarão sendo um
pouco evasivos se continuarem a discutir a natureza da vida humana sem qualquer
referência a ele. Platão valorizou pelo menos uma espécie de amor filial, o
amor desde então sempre chamado de “platônico”. Infelizmente, a Igreja cristã
ensinou uma versão bastante extremista dessa doutrina, durante a maioria dos
séculos entre Sócrates e Schopenhauer, culminando nas atitudes mais bizarras e
mais hipócritas com relação ao sexo (esse aspecto foi bem esclarecido pelo
filósofo francês contemporâneo Michel Foucault).
Poderíamos dizer que Scopenhauer refletia
simplesmente duas experiências infelizes. A primeira foi a de ter sido mandado
para o internato em Winbledon, e a outra a de ter dado a sua primeira aula de
filosofia na mesma hora que p célebre colega, o professor Hegel. Quase ninguém
foi para a palestra de Schopenhauer, e ele ficou tão amargamente ressentido com
isso que jurou não dar nunca mais uma aula pública. Portanto, pode ter sido
somente uma questão de “uvas verdes”. Contudo, também de uvas verdes faz-se
vinagre.
Schopenhauer era um cara
pessimista. Pessimista porque no homem, a Vontade é o fundamento do
querer viver, do sentimento de posse, do dominar, do afirmar-se: “A vida
humana, pois, passa-se toda em querer e em adquirir”, então, se a base de tudo
é a Vontade, a vida em si não possui um significado, uma finalidade, e a
humanidade não se encaminha em um progresso contínuo, ele ainda entende que o
homem não é um ser unificado e racional, que age conforme os interesses, mas um
ser fragmentado e passional, que age influenciado por forças que fogem de seu
controle, o sexo estaria dentre estar forças que na maioria das vezes fogem de
seu controle, o homem possui um corpo com impulsos inconscientes,
sendo o principal deles o impulso sexual.
Este é o foco da coisa-em-si do mundo, a
Vontade, ímpeto cego desejante que jamais encontra uma satisfação final, logo corpo
e sexualidade, assim, têm funções cruciais no pensamento schopenhauereano, no
sentido de justificar a sua pretensão de uma metafísica imanente, que enraíza o
investigador no mundo por meio das vicissitudes de sua sensibilidade e
sentimento, dos quais emerge um tipo de conhecimento acerca do núcleo dos corpos
do mundo em analogia com o corpo do investigador, que revela, no núcleo de sua
subjetividade, aquilo denominado pelo termo vontade. Ora, nesse horizonte do
corpo e da sexualidade como foco da coisa-em-si do mundo, entra em cena o amor.
As reflexões de Schopenhauer
sobre o amor entre os sexos, sobre o impulso sexual, levam-no a colocar este
como o primeiro motor da ação humana. O fim privilegiado do amor é a cópula.
Quando esta não é consumada, há os seus desvios, as suas sublimações. No fundo,
é o amor sexual que move a humanidade. Mesmo porque, ele é o “foco” da
coisa-em-si, a Vontade. Com isso, o autor abre um horizonte de reflexão que
aponta para o irracional como definidor das criaturas (humanas e animais),
invertendo, assim, a tradição filosófica, que colocava na razão o princípio do
mundo.
Schopenhauer aplica essa
inversão de sua obra magna à teoria do amor, pois é exatamente a Vontade como
coisa-em-si, “ímpeto cego” do organismo, que é aqui ativa. Ela exige ser
obedecida, todo-poderosa que é, e o indivíduo apenas representa a sua natureza
que quer viver, porém na espécie, e nesse sentido não chora a morte do indivíduo.
Dessa perspectiva explicam-se as mortes de amor, os suicídios relacionados a
tal sentimento, as brigas e duelos no mundo humano e animal, pois a espécie tem
de triunfar e o indivíduo é um instrumento para a perpetuação dela. Espécie na
qual ele, indiretamente, sobrevive.
Outra reflexão que pode ser feita é que o amor, no fundo, quando surge
na consciência filosofante e o filósofo medita sobre ele, insere-se na compaixão.
O amor move o indivíduo a unir-se com outro porque, como vimos, quer suprir as
carências deste, daí a escolhas inconscientes relativas que complementam e
equilibram, corrigem as escolhas absolutas. Ou seja, tem-aí um frágil
equilíbrio entre espécie e indivíduo, do contrário este não realizaria os
desígnios daquela.
O
sexo é afirmação da vida, que é essencialmente sofrimento psicológico, mesmo
ligado ao prazer, e o sofrimento no qual está falando não está se referindo ao
sadismo, é um paradoxo de dicotomia, pois o sexo fica entre o prazer e o sofrimento. Este pessimista
metafísico que é Schopenhauer, que não foi nenhum santo em termos de sexo, e
teve lá as suas amantes, concluirá que felizes não são os que afirmam a
Vontade, mas os que a negam, a começar pelo corpo nas imolações. Daí a imagem
dos ascetas felizes, apesar da aparência contrária. Portanto, a filosofia do
amor de Schopenhauer aponta que o culto a ele em moldes românticos é coisa de
pessoas fracas, que sucumbem à espécie. Forte é o santo, que nega o sexo e seu
resultado final, uma nova vida sofredora, retirando-se da existência,
retirando-se do teatro do sofrimento da afirmação do querer. A satisfação do
amor é paga com a dívida de uma possível criança que, sintomaticamente, nascerá
chorando, e que assim assume a dívida dos seus criminosos, os pais. Daí o
filósofo citar o poeta Calderon de la Barca: “o maior crime do homem é ter
nascido”. A morte se encarrega de liquidar esta dívida, e de punir
impiedosamente os criminosos, e é onde todos se igualam sejam reis ou plebeus,
é na morte seu destino comum.
Fontes:
Cohen, Martin. 101
problemas de filosofia. Ed. Loyola. São Paulo-SP, 2005
SCHOPENHAUER, A. Metafísica do amor, metafísica da morte. Tradução de
Jair Barboza. São Paulo: Martins Fontes, 2000.
Artigos
Barboza, Jair. Teoria do amor sexual: uma reflexão em torno
de Platão, Schopenhauer e Freud
disponível em file:///C:/Users/ADAORO~1/AppData/Local/Temp/1162-1879-1-SM-1.pdf