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terça-feira, 6 de agosto de 2024

Afinidade, Não Ancestralidade

Às vezes, a família não é apenas quem compartilha o mesmo sangue. Na verdade, as conexões mais profundas e significativas muitas vezes se formam com aqueles que escolhemos e não com aqueles que herdamos. Esse tipo de parentesco, baseado em afinidade e não em ancestralidade, reflete uma compreensão mais ampla do que significa ser parte de uma família.

Imagine um típico domingo de churrasco. A mesa está cheia de pessoas rindo e compartilhando histórias. Nem todos ali compartilham o mesmo sobrenome, mas há uma sensação tangível de união. Há o amigo de infância que sempre esteve ao seu lado, a vizinha que virou uma segunda mãe, e o colega de trabalho que se tornou um irmão. Essas conexões são construídas ao longo do tempo, através de experiências compartilhadas, apoio mútuo e, claro, muita cumplicidade.

Aristóteles, o grande filósofo grego, escreveu extensivamente sobre amizade em sua obra "Ética a Nicômaco". Para ele, a verdadeira amizade é uma das maiores virtudes e uma forma de amor. Ele acreditava que amizades baseadas em virtude e bondade eram as mais duradouras e significativas. Em outras palavras, as relações que escolhemos e nutrimos intencionalmente podem ser tão fortes, senão mais fortes, do que aquelas baseadas em laços de sangue.

Donna Haraway, uma importante teórica contemporânea, também oferece uma perspectiva valiosa sobre parentesco. Em seu livro "Manifesto das Espécies Companheiras", Haraway sugere que o conceito de família deve ser expandido para incluir todas as formas de vida com as quais compartilhamos o mundo. Para ela, parentesco não é apenas uma questão de biologia, mas também de convivência e colaboração. Haraway argumenta que devemos reconhecer e valorizar os laços que formamos com outros seres, sejam eles humanos ou não, baseados na interdependência e no cuidado mútuo.

Vamos considerar a história de Clara e Ana. Clara, recém-chegada à cidade, conhece Ana no trabalho. Rapidamente, elas se tornam inseparáveis, compartilhando almoços, confidências e muitos fins de semana. Quando Clara passa por um momento difícil, é Ana quem a apoia, oferecendo um ombro amigo e conselhos sábios. Apesar de não serem parentes por sangue, a relação delas é uma verdadeira prova de parentesco por afinidade. Sob a ótica de Haraway, essa relação demonstra como a convivência e o cuidado mútuo podem criar laços profundos e duradouros.

Nas celebrações de fim de ano, essa dinâmica fica ainda mais evidente. Muitos de nós passamos as festas com amigos e "famílias escolhidas". Talvez você tenha um amigo que sempre organiza a ceia de Natal para todos aqueles que, por algum motivo, não podem estar com suas famílias de origem. Esses encontros são repletos de amor e gratidão, mostrando que a afinidade cria laços tão fortes quanto a ancestralidade.

Porém, é importante reconhecer que esses relacionamentos também exigem esforço e dedicação. Manter uma amizade ou uma relação de afinidade requer tempo, paciência e compreensão. Muitas vezes, é necessário enfrentar desafios juntos e superar diferenças, assim como em qualquer relacionamento familiar tradicional.

Para finalizar, é fundamental reconhecer e valorizar as pessoas que escolhemos ter em nossas vidas. Como diria Aristóteles, essas conexões são uma forma de amor e uma das maiores virtudes que podemos cultivar. E, seguindo a perspectiva de Donna Haraway, devemos expandir nossa noção de parentesco para incluir todos os seres com os quais compartilhamos nosso mundo. Portanto, da próxima vez que estiver em um churrasco de domingo, cercado de amigos que se tornaram família, lembre-se de que a afinidade, assim como a ancestralidade, tem o poder de criar laços eternos.

Site:

https://ea.fflch.usp.br/autor/donna-haraway