Sabe quando a gente se depara com algo que incomoda, uma situação que exige uma resposta, mas, em vez de confrontá-la, a gente simplesmente pensa: "deixa pra lá"? Pode ser uma discussão que não vale o desgaste, um mal-entendido que parece menor do que o esforço de esclarecer, ou até uma oportunidade que simplesmente passa. A sensação de alívio vem quase imediatamente, como se empurrar para o canto da mente resolvesse o problema. Mas será que resolve mesmo?
Deixar pra lá parece uma estratégia comum no nosso
dia a dia, quase um mecanismo de defesa. Quantas vezes a gente vê alguém se
irritando no trânsito, leva um corte no trabalho, ou até em casa, com pequenas
frustrações, e decide que o melhor é deixar pra lá? Afinal, insistir parece só
gerar mais estresse. Aparentemente, a paz momentânea ganha do conflito.
O Peso Invisível
O problema é que, ao longo do tempo, essas
situações deixadas de lado começam a pesar. É como tentar limpar a casa jogando
poeira debaixo do tapete. Você não vê a sujeira, mas ela está ali, crescendo.
Psicologicamente, isso pode se manifestar como ansiedade, irritabilidade, e até
um cansaço existencial. As questões não resolvidas ficam rodando no
subconsciente, e às vezes até voltam à tona quando menos esperamos, numa
simples conversa ou num momento de introspecção.
Nietzsche, o filósofo alemão, tem uma frase
interessante para essa ideia: “O que não enfrentamos em nós mesmos acabará se
tornando nosso destino.” Ele toca justamente no ponto de que ignorar ou deixar
pra lá não nos livra da questão, apenas adia o confronto. E, muitas vezes, a
espera só aumenta o tamanho do desafio.
Sabedoria ou Covardia?
Há uma linha tênue entre a sabedoria de saber
quando deixar algo passar e a covardia de evitar o confronto. A filosofia
estoica, por exemplo, nos ensina a distinguir o que está sob nosso controle do
que não está. Em situações onde realmente não podemos mudar nada, talvez o
melhor seja deixar pra lá, praticando o desapego. Epicteto, um dos grandes
estoicos, dizia: “Não é o que acontece com você, mas como você reage a isso que
importa.”
Mas e quando algo é, de fato, controlável? Quando
temos a oportunidade de resolver um mal-entendido ou de enfrentar uma situação
desconfortável e optamos por deixar pra lá, será que estamos exercitando a
sabedoria estoica ou estamos apenas evitando o desconforto?
Talvez a resposta esteja na intenção por trás da
escolha. Se deixar pra lá vem de uma decisão consciente, ponderada, onde
pesamos os benefícios e as consequências, então é uma ação intencional e até
nobre. Mas se vem de medo ou preguiça, pode ser uma forma de escapar da
responsabilidade.
O Confronto Consigo Mesmo
Deixar pra lá é, muitas vezes, deixar para depois.
Mas esse "depois" pode nos encontrar num momento mais vulnerável,
quando as pequenas coisas que acumulamos finalmente transbordam. Talvez a
questão não seja tanto sobre confrontar o outro ou uma situação específica, mas
enfrentar o desconforto que sentimos internamente ao lidar com o que nos
incomoda. Nesse ponto, deixar pra lá pode ser mais um adiamento de um confronto
com nós mesmos.
Freud, pai da psicanálise, talvez diria que deixar
pra lá é reprimir algo. E o que é reprimido, mais cedo ou mais tarde, retorna
de maneira distorcida. Aquilo que escolhemos evitar não desaparece, apenas se
transforma em outro tipo de sofrimento.
Um Equilíbrio Necessário
No fim, deixar pra lá pode ser tanto uma virtude quanto um vício, dependendo do contexto e da nossa postura diante disso. A vida exige um certo jogo de cintura, um equilíbrio entre o que merece nossa atenção e o que pode ser deixado para trás. Aprender a fazer essa distinção é parte do nosso crescimento pessoal. Afinal, nem tudo precisa ser resolvido, mas também nem tudo pode ser ignorado.
Quando deixamos pra lá de forma consciente e com sabedoria, talvez encontremos uma leveza que realmente nos liberta. Caso contrário, podemos acabar carregando um fardo invisível, que só aumenta com o tempo. E você? Será que tudo que você "deixou pra lá" realmente ficou no passado, ou, no fundo, ainda te acompanha?