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sexta-feira, 4 de abril de 2025

Teoria das Mônadas

Certa vez, enquanto esperava um café num balcão apertado, percebi algo curioso. Havia ao meu lado um sujeito absorto no celular, outro lendo um livro amarelado, uma mulher distraidamente batucando os dedos na mesa, e eu, observando tudo. Cada um parecia imerso em seu próprio universo, vivendo realidades que, embora lado a lado, não necessariamente se tocavam. Foi então que me veio à cabeça Leibniz e sua Teoria das Mônadas.

Gottfried Wilhelm Leibniz, matemático e filósofo do século XVII, concebeu as mônadas como entidades indivisíveis, essências autônomas que compõem a realidade. Para ele, o mundo não era feito de matéria inerte, mas de centros de força e percepção. Cada mônada continha em si uma representação do todo, sem interação causal direta com as demais. O que parecia interação não passava de uma harmonia preestabelecida, orquestrada por Deus.

Essa idéia de realidades paralelas dentro de um mesmo espaço não poderia ser mais pertinente hoje. Imagine um vagão de metrô: cada passageiro conectado a um fone de ouvido, uma conversa de WhatsApp, um vídeo no YouTube. São mônadas contemporâneas, coexistindo sem real comunicação, cada um encerrado em sua própria narrativa. Mas se Leibniz estivesse aqui, talvez dissesse que ainda assim compartilhamos um elo invisível. Afinal, por mais isolados que pareçamos, todos refletimos, de alguma maneira, uma mesma realidade.

Mas e se subvertêssemos a ideia? E se as mônadas, em vez de ilhas fechadas, fossem capazes de abrir pequenas frestas umas para as outras? Talvez o mundo moderno não precise de um Deus que harmonize tudo de antemão, mas de encontros autênticos que permitam que essas realidades se contaminem. Ao olharmos o celular do lado, sorrirmos para o leitor do livro amarelado, ouvirmos o batuque descompromissado da vizinha de mesa, quem sabe conseguimos atravessar as fronteiras dessas micro-realidades. Se as mônadas não têm janelas, talvez seja porque nunca tentamos abri-las.

Fiquei me perguntando se esta teoria atualmente é coerente frente ao conhecimento contemporâneo. A Teoria das Mônadas de Leibniz, apesar de ser uma concepção metafísica fascinante, entra em choque com algumas premissas do conhecimento contemporâneo, especialmente nas ciências naturais e na filosofia da mente. No entanto, há aspectos dela que ainda podem ser interpretados de maneira relevante.

Desafios da Teoria das Mônadas no Conhecimento Atual

A Interação Física entre os Corpos

Leibniz postulava que as mônadas não tinham janelas, ou seja, não interagiam fisicamente entre si. Contudo, a física contemporânea, baseada na teoria quântica e na relatividade, sustenta que a interação entre partículas é essencial para a formação da realidade. O universo não é composto de entidades isoladas, mas de sistemas emaranhados que afetam uns aos outros.

O Problema da Consciência e da Inteligência Artificial

A ideia de que cada mônada contém uma representação do todo ressoa, de certa forma, com o conceito de informação na neurociência e na computação. No entanto, não há evidências de que entidades individuais contenham conhecimento absoluto ou sejam pré-programadas por uma harmonia divina. A cognição e a percepção surgem da interação e da plasticidade neural, algo bem diferente da visão monadológica de Leibniz.

A Evolução e a Emergência de Propriedades

A biologia moderna sugere que a complexidade surge de processos evolutivos e interações ambientais, não de entidades auto-contidas. A emergência de propriedades, um conceito fundamental em ciências da complexidade, contradiz a ideia de que cada mônada já contém tudo o que precisa para existir de forma independente.

Releituras Possíveis

Mônadas como Sistemas de Informação

Podemos reinterpretar as mônadas como unidades de informação dentro de redes, como na teoria da computação e na cibernética. Cada nó de uma rede (seja um indivíduo em uma sociedade ou um neurônio no cérebro) pode conter representações parciais do sistema, funcionando como uma mônada contemporânea.

A Harmonia Preestabelecida como Sincronicidade

Em vez de um plano divino, a ideia de uma “harmonia” pode ser lida através da sincronicidade de Jung ou até mesmo dos padrões emergentes nas redes sociais e na inteligência artificial, onde os algoritmos organizam a realidade de forma invisível, criando conexões inesperadas.

A Mônada como Consciência Individualizada

Embora saibamos que existe troca de informação entre consciências, a experiência subjetiva ainda permanece um mistério. Cada ser humano vive dentro de sua perspectiva única, interpretando o mundo à sua maneira, o que pode ser visto como uma versão moderna da mônada leibniziana.

Em resumo, a Teoria das Mônadas não se sustenta no rigor científico atual, mas pode ser reinterpretada para dialogar com questões contemporâneas sobre informação, cognição e redes de interconexão. Leibniz viu um mundo de entidades fechadas, mas talvez o futuro nos mostre que, embora nossas perspectivas sejam únicas, nossas "janelas" para o mundo estão sempre abertas – mesmo que parcialmente.


segunda-feira, 21 de setembro de 2020

Mudança de estação e ponto de equilíbrio – reflexões que levam ao utilitarismo

 

O Brasil está localizado no hemisfério sul, aqui a primavera começa às 10h31 da manhã desta terça-feira, 22 de setembro do ano de 2020. É quando acontece o Equinócio da Primavera aqui no Hemisfério Sul e de Outono no Hemisfério Norte. Dia e noite têm a mesma duração.

Estamos em outro grande ponto de virada na dança cósmica da Lua, Sol e Terra. Mudamos de marcha quando mudamos a estação. É o ponto no ano do equilíbrio absoluto entre a noite e o dia. O feminino e o masculino. O Yin e o Yang.

Mas o que marca, astronomicamente, o início da primavera?

A data de início da primavera possui relação com um fenômeno chamado equinócio, que nada mais é do que o período do ano em que os dois hemisférios são igualmente iluminados pelos raios solares, de forma que os dias e as noites possuem, basicamente, a mesma duração.

O dia 22 de setembro na natureza é o dia do equilíbrio!

Então, que sejamos tomados pelos bons ventos da primavera! Tomados pelos ventos do equilíbrio! Tomados por ventos da virtude ética! Tomados pela coragem, o autodomínio, a generosidade e a veracidade.

A sabedoria elementar reconhece que a virtude está no meio, num ponto de equilíbrio entre dois excessos incomunicáveis entre si. O ser humano vive na luta incessante entre o bem e o mal, saúde e doença. Não há neutralidade, pois, a força de repulsão e atração de todas as coisas é proporcional à diferença entre os seus extremos, a polarização exerce forças que movimentam o que as coisas são, assim como na primavera muitas sementes carregam a potência de uma arvore, a semente carrega a possibilidade de mudança na potência contida nela mesma.

Para Aristóteles todas as coisas são formas e matéria, podendo mudar de forma e permanecer na mesma matéria. Desta forma, o movimento constitui-se em ato e potência, isto é, aquilo que as coisas são, e a potência é a possibilidade que elas podem vir a ser.

O homem está destinado ao meio, mas não pode perder de vista os dois extremos. Diante deles, tudo é ínfimo, desnecessário, passageiro, assim como a primavera que enche a natureza de cores e vida, o inverno por sua natureza lança o desafio entre a vida e a morte. A base da virtude de todas as virtudes, é o “estado de luta”, a mudança de estação é o começo de um novo estado de luta, encontrar o ponto de equilíbrio é uma questão de vida ou morte.

Nietzsche dizia que a Vontade de Potência é a principal força motriz, que existe em cada Ser e elemento da Natureza. Segundo Nietzsche, nos seres humanos essa força quando empregada confere realização, ambição e esforço para a conquista dos desejos e expansão.

Nietzsche argumenta que o homem não pode e não quer apenas conservar-se ou adaptar-se para sobreviver, só um homem doente desejaria isso; ele quer expandir-se, dominar, criar valores, dar sentidos próprios. Isto significa ser ativo no mundo, criar suas próprias condições de potência. É um efetivar-se no encontro com outras forças.

A Ética a Nicômaco, de Aristóteles (cerca de 325 a.C.), as questões centrais dizem respeito ao caráter. Aristóteles começa por perguntar: “Em que consiste o bem para o homem? ”. E a sua resposta é: “Uma atividade da alma em conformidade com a virtude”.

Aristóteles afirmou que a virtude é um traço de caráter manifestado no agir habitual. O “habitual” é importante. A virtude da honestidade, por exemplo, não é possuída por alguém que diz a verdade apenas ocasionalmente ou quando isso lhe é vantajoso. A pessoa honesta é naturalmente veraz; as suas ações “brotam de um caráter firme e inabalável”.

Isto é um começo, mas não basta. Não distingue as virtudes dos vícios, pois os vícios são também traços de caráter manifestados nas ações habituais.

A ética de Aristóteles, identificou que devemos cultivar a virtude através da razão e do hábito; e que a virtude é a nossa escolha deliberada e autônoma do meio-termo entre dois vícios estremos. Viu que os vícios são ações morais marcadas pela falta ou pelo excesso. Também estudou que toda ação moral humana visa um bem, e que o maior bem a ser desejado e alcançado é a felicidade. Assim, para agirmos corretamente, devemos cultivar a virtude.

O londrino John Stuart Mill (1806-1873) defendeu uma ética utilitarista, principalmente através do seu livro Utilitarismo. É viável falar em uma ética utilitarista, pois há várias éticas utilitaristas produzidas, conforme as especificidades defendidas por alguns outros filósofos. Porém, em toda ética utilitarista a utilidade é o critério que deve orientar a escolha da ação moral.

Na ética de Mill, especificamente, defende-se que toda ação moral deve visar à utilidade em vista da realização da felicidade. A felicidade, por sua vez, é o maior bem que podemos almejar e está ligada fundamentalmente à ausência de dor e presença de prazer, mas não apenas isso, pois, para sermos felizes, também necessitamos cultivar a virtude e aprimorar o caráter.

A felicidade está ligada a nossos desejos? Por que desejamos algo? Certamente porque aquilo parece ser muito bom para nós, e a sua falta nos faz sofrer terrivelmente. E, não sem razão, o filósofo Spinoza (1632-1677) nascido em Amsterdam, um dos grandes nomes do racionalismo do século XVII, ao lado de Descartes e Leibnitz, na sua obra “ÉTICA”, nos diz que “Não é porque uma coisa é boa que a desejamos, mas, porque a desejamos ela parece ser boa”. O desejo, para ele, é a verdadeira essência do homem.

Para Kant desejo é tudo o que emerge do pensamento à ação sem que se possa controlar. Vontade é a ação regida pela razão, independentemente da corrente dos desejos; é o uso da razão para deliberar escolhas. A vontade percebe que, apesar do desejo, é possível viver na contramão dos instintos.

Por que são os bens desejados? Procurados? Um bem é procurado porque é útil. Por utilidade entende-se "a capacidade que tem um bem de satisfazer uma necessidade humana".

A doutrina utilitarista encontra-se condicionada por duas proposições antitéticas ou contraditórias entre si, proposições normativas e positivas. Vejamos:

Proposições Positivas

A economia positiva trata a realidade como ela é, uma posição positiva pode ser refutada ou aceita. Uma proposição positiva, diz que os homens devem ser considerados como indivíduos egoístas, calculadores e racionais, e que tudo deve ser pensado e elaborado a partir do seu ponto de vista.

A economia descritiva e a teoria econômica situam-se, preponderantemente, no campo da economia positiva.

Proposições Normativas

A economia normativa considera mudanças nessa mesma realidade, propondo como ela deve ser, já uma posição normativa depende de juízos de valor, pessoais e subjetivos.

A política econômica é, preponderantemente, normativa. E uma proposição normativa, que afirma que os interesses dos indivíduos, a começar pelo meu próprio, devem ser subordinados e mesmo sacrificados à felicidade geral ou do “maior número”.

Conforme Orlando Braga (Blog bordoada), todo o utilitarismo mistura, em proporções infinitamente variáveis e dependente apenas da discricionariedade política das elites da sociedade, uma axiomática do interesse e uma axiomática sacrificialista, que é simultaneamente um encantamento pelo egoísmo e uma apologia do altruísmo, e uma tentativa de reconciliar um ponto de vista ferozmente individualista e uma vertente globalizada e holista.

Exemplos:• Quais serão as taxas de juros do próximo ano? (Positiva)• Deve-se aprovar a lei de redução de juros? (normativa)• Qual é o valor do aumento de preços dos carros importados, se a cota de importação aumentar? (positiva)• Deve-se impor uma cota sobre a importação de carros? (normativa).

Se alguém descobre como assentar o Ovo de Colombo em uma mesa, toda a gente fica a saber como se assenta o ovo. Mas antes de se saber, ninguém sabia. E quem se esforçou para ter a ideia do assentamento do Ovo foi o Colombo. Portanto, o Colombo merece ser recompensado pela sua ideia. Mas essa recompensa tem os limites do razoável ou da Razão.

Uma das versões para “Ovo de Colombo” é uma expressão que teve sua origem, na Espanha, depois da descoberta da América, Colombo é homenageado em um banquete. Alguns presentes menosprezaram o feito e afirmaram que qualquer navegador poderia realizá-lo.

Colombo desafiou-os a colocar um ovo em pé. Como ninguém conseguiu, Colombo bateu o ovo sobre a mesa, amassando uma das extremidades, o que possibilitou o ovo ficar em pé, e acrescentou: "Qualquer um poderá fazê-lo, mas, antes é necessário que alguém tenha a ideia.

Após refletirmos a respeito de ponto de equilíbrio, potência, vontade, desejos, utilidade, podemos falar mais um pouco acerca do estado de lutas na realidade primaveril em que a raça humana encontra-se, ainda confinada na espera da prometida vacina libertadora.

Os laboratórios espalhados pelo mundo estão empenhados em pesquisas a respeito da COVID19, e na produção de vacinas, trata-se da vontade, desejo e felicidade geral, os laboratórios estão participando de uma corrida onde cada qual quer colocar em pé o “Ovo de Colombo” em primeiro lugar, aspirando bilhões de dólares, euros, etc.

Nos vimos diante de uma visão que nos remete aos utilitaristas, os adeptos aos utilitarismos inevitavelmente estão divididos, entre a proposição positiva, por um lado, e a proposição normativa, por outro lado. E tratando-se do capitalismo neoliberal, é sempre e invariavelmente a proposição positiva que vence: a vida humana, segundo os utilitaristas (por exemplo, Peter Singer) tem um preço qualquer.

Considerando o melhor seja aderir ao princípio da política normativa com regramentos voltados a maior felicidade e o bem geral, além deste deverá levar-se em conta outro princípio, o princípio de dano defendido por Mill diz que "o único propósito pelo qual o poder pode ser exercido com razão sobre qualquer membro de uma comunidade civilizada, contra sua vontade, é evitar danos a outros", espera-se que o poder na mão do estado seja firme e responsável, que equilibre a balança onde num lado pende os interesses de grupos econômicos que muitas vezes conflitam com o interesse e o bem de milhões de vidas.

Encontrar o “ponto de equilíbrio” entre lucro das empresas farmacêuticas e o bem e felicidade geral é o que está em jogo.

O ponto de equilíbrio me parece estar presente em ideias de Peter Drucker (19/11/1909 á 11/11/2005), como por exemplo:

1.      A finalidade da empresa não é ganhar dinheiro. Ganhar dinheiro é uma necessidade para a sobrevivência. A finalidade de uma empresa é criar um cliente e satisfazê-lo. Dentro da organização só existem custos. Seus resultados encontram-se fora da organização resultantes de clientes satisfeitos. É para isso que uma empresa é paga (essa abordagem está totalmente alinhada com a já comentada visão de Theodore Levitt a esse respeito). Drucker comentava que organizações bem-sucedidas não se preocupam em serem felizes; elas são obcecadas em fazer o cliente feliz (e assim cumprem o primeiro objetivo).

2.      Rompe com a visão tradicional, mecanicista cujas bases estavam fundamentadas na orientação em se extrair a maior valia para a companhia dos esforços de seus trabalhadores sem considerar seu bem-estar e os efeitos dessa ação sobre a sociedade nas mais diversas esferas: ambientais, trabalhistas, sua influência no núcleo familiar e assim por diante.

3.      A primeira responsabilidade social de uma empresa é gerar excedente adequado, seu lucro. Sem um excedente adequado, ela estará roubando da comunidade e privando a sociedade e a economia do capital necessário para gerar empregos para o futuro. O lucro é a consequência e justifica a existência da companhia. Não é um fim em si mesmo, porém sem ele nenhuma organização sobrevive.

Saint-Exupêry escreveu que “Apesar da vida humana não ter preço, agimos sempre como se certas coisas superassem o valor da vida humana”, que está estação afete nosso comportamento capitalista neoliberal, pois uma vida não tem preço, uma vida tem valor imensurável, uma vida é aquilo que tem valor do que não tem preço.

Que a primavera nos traga bons ventos, que possamos caminhar entre o verde e as coloridas flores não nos sentindo intrusos, nem apenas consumidores, mas sim, como partes importantes dentro deste mesmo universo.

Fontes: