Certa vez, enquanto esperava um café num balcão apertado, percebi algo curioso. Havia ao meu lado um sujeito absorto no celular, outro lendo um livro amarelado, uma mulher distraidamente batucando os dedos na mesa, e eu, observando tudo. Cada um parecia imerso em seu próprio universo, vivendo realidades que, embora lado a lado, não necessariamente se tocavam. Foi então que me veio à cabeça Leibniz e sua Teoria das Mônadas.
Gottfried
Wilhelm Leibniz, matemático e filósofo do século XVII, concebeu as mônadas como
entidades indivisíveis, essências autônomas que compõem a realidade. Para ele,
o mundo não era feito de matéria inerte, mas de centros de força e percepção.
Cada mônada continha em si uma representação do todo, sem interação causal
direta com as demais. O que parecia interação não passava de uma harmonia
preestabelecida, orquestrada por Deus.
Essa
idéia de realidades paralelas dentro de um mesmo espaço não poderia ser mais
pertinente hoje. Imagine um vagão de metrô: cada passageiro conectado a um fone
de ouvido, uma conversa de WhatsApp, um vídeo no YouTube. São mônadas
contemporâneas, coexistindo sem real comunicação, cada um encerrado em sua
própria narrativa. Mas se Leibniz estivesse aqui, talvez dissesse que ainda
assim compartilhamos um elo invisível. Afinal, por mais isolados que pareçamos,
todos refletimos, de alguma maneira, uma mesma realidade.
Mas
e se subvertêssemos a ideia? E se as mônadas, em vez de ilhas fechadas, fossem
capazes de abrir pequenas frestas umas para as outras? Talvez o mundo moderno
não precise de um Deus que harmonize tudo de antemão, mas de encontros
autênticos que permitam que essas realidades se contaminem. Ao olharmos o
celular do lado, sorrirmos para o leitor do livro amarelado, ouvirmos o batuque
descompromissado da vizinha de mesa, quem sabe conseguimos atravessar as
fronteiras dessas micro-realidades. Se as mônadas não têm janelas, talvez seja
porque nunca tentamos abri-las.
Fiquei
me perguntando se esta teoria atualmente é coerente frente ao conhecimento
contemporâneo. A Teoria das Mônadas de Leibniz, apesar de ser uma concepção
metafísica fascinante, entra em choque com algumas premissas do conhecimento
contemporâneo, especialmente nas ciências naturais e na filosofia da mente. No
entanto, há aspectos dela que ainda podem ser interpretados de maneira
relevante.
Desafios
da Teoria das Mônadas no Conhecimento Atual
A
Interação Física entre os Corpos
Leibniz
postulava que as mônadas não tinham janelas, ou seja, não interagiam
fisicamente entre si. Contudo, a física contemporânea, baseada na teoria
quântica e na relatividade, sustenta que a interação entre partículas é
essencial para a formação da realidade. O universo não é composto de entidades
isoladas, mas de sistemas emaranhados que afetam uns aos outros.
O
Problema da Consciência e da Inteligência Artificial
A
ideia de que cada mônada contém uma representação do todo ressoa, de certa
forma, com o conceito de informação na neurociência e na computação. No
entanto, não há evidências de que entidades individuais contenham conhecimento
absoluto ou sejam pré-programadas por uma harmonia divina. A cognição e a
percepção surgem da interação e da plasticidade neural, algo bem diferente da
visão monadológica de Leibniz.
A
Evolução e a Emergência de Propriedades
A
biologia moderna sugere que a complexidade surge de processos evolutivos e
interações ambientais, não de entidades auto-contidas. A emergência de
propriedades, um conceito fundamental em ciências da complexidade, contradiz a
ideia de que cada mônada já contém tudo o que precisa para existir de forma
independente.
Releituras
Possíveis
Mônadas
como Sistemas de Informação
Podemos
reinterpretar as mônadas como unidades de informação dentro de redes, como na
teoria da computação e na cibernética. Cada nó de uma rede (seja um indivíduo
em uma sociedade ou um neurônio no cérebro) pode conter representações parciais
do sistema, funcionando como uma mônada contemporânea.
A
Harmonia Preestabelecida como Sincronicidade
Em
vez de um plano divino, a ideia de uma “harmonia” pode ser lida através da
sincronicidade de Jung ou até mesmo dos padrões emergentes nas redes sociais e
na inteligência artificial, onde os algoritmos organizam a realidade de forma
invisível, criando conexões inesperadas.
A
Mônada como Consciência Individualizada
Embora
saibamos que existe troca de informação entre consciências, a experiência
subjetiva ainda permanece um mistério. Cada ser humano vive dentro de sua
perspectiva única, interpretando o mundo à sua maneira, o que pode ser visto
como uma versão moderna da mônada leibniziana.
Em
resumo, a Teoria das Mônadas não se sustenta no rigor
científico atual, mas pode ser reinterpretada para dialogar com questões
contemporâneas sobre informação, cognição e redes de interconexão. Leibniz viu
um mundo de entidades fechadas, mas talvez o futuro nos mostre que, embora
nossas perspectivas sejam únicas, nossas "janelas" para o mundo estão
sempre abertas – mesmo que parcialmente.