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sexta-feira, 18 de dezembro de 2020

O Guia do Mochileiro das Galáxias – DON’T PANIC (Não entre em Pânico) Leve Junto Sua Toalha

O livro “O Guia do Mochileiro das Galáxias” escrito pelo britânico Douglas Adams é considerado um dos maiores clássicos da literatura de ficção científica, vem encantando gerações de leitores ao redor do mundo com seu humor (uma veia cômica proposital) e insights geniais, em pouco tempo se tornou mundialmente conhecido, ganhando adaptações para a televisão e até mesmo para o cinema. Inicialmente esta série de ficção-cientifica-cômica foi concebida em 1978 como uma rádio-novela, dado ao sucesso, lhe foi solicitado que escrevesse um livro sendo então compilado em 1979, a série foi exibida em live action em 1981, e em 2005 ganhou um filme.


Dizem que o livro é muito manjado, mas não é assim, muitos se recusam a ler só por isto e, perdem a chance de ler um livro interessante, cheio de humor, sarcasmo e, principalmente altamente filosófico, repleto de sacadas geniais trazendo questões sobre a vida e a existência, em suas várias camadas de condicionamentos, nem é preciso dizer que os nossos condicionamentos são os principais obstáculos à realização plena de nossa vida, inclusive a recusa em ler um livro dito manjado, que inclusive talvez você nunca o tenha lido, este é um tipo de preconceito que limita nossos horizontes. É uma oportunidade de ler um livro meio maluco que traz uma crítica filosófica bastante forte e atual em relação a humanidade e o que estamos fazendo das nossas vidas. É tudo muito irônico e termina tudo de maneira desastrada com resultados terríveis e até engraçados, no entanto tem muita coisa séria, que mexe com nossos neurônios.

Adams é também descrito como um ativista ambiental, um assumido ateísta radical e amante dos automóveis possantes, câmeras, computadores Macintosh e outros 'apetrechos tecnológicos'. O biólogo Richard Dawkins dedicou-lhe seu livro The God Delusion e nele descreve como Adams compreendeu a teoria da evolução e, tornou-se um ateísta. Adams era um entusiasta de novas tecnologias, tendo escrito sobre email e usenet antes de tornarem-se amplamente conhecidos. Até o fim de sua vida, Adams foi um requisitado professor de tópicos que incluíam ambiente e tecnologia. (Wikipédia)

Até a morte do autor foi irônica, ele era uma pessoa sedentária e não fazia qualquer exercício, estava todo ferrado, e disseram para ele que deveria cuidar mais da saúde e fazer exercícios, ele resolveu procurar uma academia, e ao fazer esteira ironicamente morreu de ataque cardíaco, morreu jovem com 59 anos.

O Guia do Mochileiro da Galáxias narra as aventuras de Arthur Dent com seu estranho amigo Ford Prefect que, por motivos de: os Vogons (são naturais do planeta Vogsfera, tidos como um equívoco evolucionário, extremamente burocráticos, insensíveis, brutais, vagamente humanoides e conhecidos por escreverem a pior e aterrorizante poesia) explodem a Terra para dar espaço à construção de uma passagem espacial, Arthur e Prefect se veem forçados a fugir do planeta Terra.


Vogon

Vamos falar de Prefect, ele era o vizinho e agora o inseparável companheiro de Arthur, na verdade um alienígena, colaborador e escritor para uma das maiores revistas espaciais do universo voltada para caroneiros interespaciais, “O Guia do Mochileiro das Galáxias”. A revista tem bilhões de tiragens, e é uma tela com milhões de dicas e verbetes, com uma frase escrita em letras garrafais em cores berrantes DON’T PANIC (Não entre em Pânico) – que serve de conselho para todas as situações que o mochileiro pode vir a passar. O Guia do Mochileiro das Galáxias, tem todos os detalhes de vários planetas e coisas, e ali se encontra um verbete sobre a Terra.

Prefect ao observar os humanos reparou que era hábito destes afirmar e repetir continuamente o óbvio mais óbvio do tipo: Está um belo dia; ou Como você é alto; ou Ah, meu Deus, você caiu num poço de 10 metros de profundidades, você está bem?, De início Prefect desenvolveu uma teoria, uma teoria que vou chamar de teoria de Prefect: ele faz uma crítica a nossa “humanidade” que diz: “Se os seres humanos não ficarem constantemente exercitando seus lábios – pensou ele -, seus cérebros começam a funcionar.” Vemos muito disso hoje em dia, diante da liquidez das notícias cada vez mais rasas e a necessidade extrema da exposição e o não aprofundamento dos assuntos, deixando assim de se questionar sobre o real significado daquilo que se está propagando, sem falar em fake news e na desinformação que polui a atmosfera mental. Obviamente lembrei do que Bauman já havia teorizado a respeito, a liquidez e sua volatilidade seriam características que vieram desorganizar todas as esferas da vida social como o amor, a cultura, o trabalho, etc. tal qual a conhecíamos até o momento.


Outro bom motivo para ler é que na estória tem um robô chamado Marvin, ele é um depressivo muito querido, a depressão do robô é um ponto de contato com o sofrimento de muita gente e nos leva a refletir sobre a velha questão: Depressão ou crise existencial? Ele entediado e deprimido não se conforma em ter uma enorme inteligência e sente seu potencial desperdiçado em tarefas que não exige muita inteligência. Nós de vez em quando entramos no “modo Marvin”, pois sabemos da nossa capacidade e temos de nos submeter a realizar trabalhos que muitas vezes não gostamos e que exigem o mínimo de nossa capacidade mental.

São muitos os insights que nos são apresentados, dentre tantos ele coloca outra questão na mesa, a tal da inteligência emocional artificial, como e que emoções serão essas que as maquinas irão expressar? O ser biológico que somos com grande capacidade de imaginação, inventores da inteligência artificial, poderá o produto de nossa imaginação e criatividade nos superar em todos os aspectos?

Marvin consegue aprofundar a questão do depressivo, no caso dele, ele afirma que foi “construído contra seus próprios desejos”, e ele sempre expressa da seguinte forma: “Eu nunca pedi para ser feito: ninguém me consultou ou considerou meus sentimentos sobre isso”, esta frase nos remete novamente ao existencialismo tão estudado e debatido pela Filosofia, esta questão aparece principalmente nos nossos momentos de angustia, o questionamento sobre o real motivo da nossa existência: como, e porque existimos e qual o real propósito de tudo isso, qual é o sentido de nossas vidas. Mas como já disse o Pensador Profundo no livro: “Quando vocês souberem qual é exatamente a pergunta, vocês saberão o que significa a resposta”, e assim que a Filosofia aparece e revela sua grande importância na vida de todos nós.

A interpretação do conteúdo de um livro nos faz perceber que ler um livro é mais do que decifrar o código de leitura, ler é apoderar-se, entender e tirar da leitura o sentido que o autor pretendeu, é fazer parte da grande mágica da imaginação, e mais ainda, a partir de nossa própria interpretação crítica ver um sentido todo pessoal. E, este livro, maluco ou não, nos tira fora da mesmice, pois a cada vez que é lido novamente reparamos em detalhes que antes não foram percebidos, dando a impressão da estória ter sido repaginada, tal como quando passado o calor do momento e olhamos no retrovisor percebemos e entendemos coisas que antes não havíamos visto e, que talvez tivéssemos entendido de forma diferente. Assim como a vida foi nos dada, mas não nos foi dada feita, depende bastante de nossa leveza da forma que a encaramos cada momento vivido, para dar um sentido conforme o fenômeno que é o viver.

A trilogia é composta por 5 livros, não entre em pânico, sim, são 5 livros até nisto o autor Adam Douglas foi diferente, pensou em escrever 3 e escreveu 5! Olhem eles logo abaixo:


Use a imaginação, coloque-se na posição do personagem Arthur Dent e, imagine que você ao acordar em uma bela manhã, senta-se a mesa para tomar o café e, percebe um alvoroço no seu quintal, você percebe que está prestes a ter sua casa demolida por empreiteiros para a construção de uma via expressa. Do nada, Ford Prefect seu amigo (um ator desempregado que na verdade era um alienígena ilhado na Terra) aparece dizendo que vocês precisam dar no pé o mais rápido possível e, que ele não tem como te explicar agora, mas diz que a Terra será destruída e, pede para que você confie nele, a dupla escapa da destruição da Terra pegando carona numa nave alienígena. É tudo muito louco, Arthur Dent, de repente se depara com uma simples decisão: sobreviver ou não a destruição da Terra. Arthur não possuí a melhor vida, pois sempre está reclamando da mesma, mas quando se depara com a possibilidade da não existência, ele se arrisca numa aventura intergaláctica. Vá dizer que você nunca se deparou com situações bizarras? (claro que não com esta intensidade!)

Não pense que Arthur concorda imediatamente em sair correndo, na verdade ele se vê arrastado, apesar de seus protestos histéricos, vemos Arthur Dent em estado de negação causado por seu apego na zona de conforto, ele reage automaticamente preferindo se prender as coisas triviais como por exemplo sua obsessão em ficar tomando uma xícara de chá, pois é algo que lhe remete ao passado onde tudo era “normal”,  com este pensamento e atitude ele pode assim manter o mínimo de sanidade que resta, porém esse conformismo o impede de compreender e solucionar problemas mais complexos durante sua jornada, diminuindo a sua capacidade de crescimento como pessoa. Neste viés, a Filosofia nos ajuda a entender porque pensamos e agimos assim, através do estudo sobre “existencialismo”, partilha em suas doutrinas a existência concreta o núcleo de sua reflexão começa com o sujeito humano, não meramente o sujeito pensante, mas as suas ações, sentimentos e a vivência de um ser, tem como ideia a “liberdade do homem bem como sua eterna aflição diante a falta de algo que o guiaria para sua caminhada como ser humano, deixando-o a mercê de suas próprias atitudes e decisões”.

Neste momento em que a humanidade está obrigada a viver confinada, se assim não proceder, sob pena de se contaminar com a Covid 19 e podendo até perder a própria vida, está chocada com a perda de liberdade do ir e vir, muitos em negação ainda presos em sua zona de conforto permitem que ele (aqui me refiro ao Arthur) – assim como nós – na maioria das vezes, optamos pelo ” caminho mais fácil”, porém de alto risco, sempre tendo o hábito de reclamar do outro caminho que seria o mais seguro, “se puder não saia, proteja-se e proteja os outros, no caso de Arthur a decisão é sair imediatamente de casa e do planeta. Somos livres e obrigados a refletir constantemente sobre nossas vidas e decidir por nós mesmos o que queremos fazer dela, inclusive teimar contrariando os conselhos dos cientistas (infectologistas) e ir na contramão da possibilidade de existir.

Então finalmente, Arthur parte para uma grande aventura à bordo da nave Coração de Ouro pilotada por Zaphod Beeblebrox e Trillian – uma garota que é uma antiga paixão de Arthur e, é óbvio que teria de haver na estória um clima de paixão ligado ao cotidiano humano das pessoas.

Em 11 de maio de 2001 Douglas Adams faleceu ao ter um ataque cardíaco enquanto se exercitava numa academia. Como já dissemos ele ficou famoso por misturar ficção científica e humor em sua famosa “trilogia de cinco livros”. Seus fãs queriam homenageá-lo de maneira tão bem-humorada e satírica quanto são os livros do autor, e por isso foi combinado que no dia 25 daquele mês, duas semanas depois da morte de Adams, todos sairiam de casa com suas toalhas e não se separariam delas por um dia inteiro. A homenagem aconteceu naquele e em todos os outros anos. Além dos próprios leitores de Adams, programas de televisão e jornais também apoiaram a iniciativa e até mesmo universidades estenderam toalhas em suas janelas para lembrar o autor e o fazem atualmente.

Um dos grandes momentos do “Dia da Toalha” foi quando, em 2005, em Innsbruck, cidade austríaca que Adams usou como inspiração para sua história. Foram colocadas toalhas vermelhas em postes nas ruas com a frase “Não entre em pânico!”, uma das mais famosas citações do autor. A comemoração acontece todos os anos e, já são mais de dez anos de homenagens à vida e a obra de Douglas Adams.

Vamos ao item mais importante para um mochileiro: a “toalha”, ela é objeto imprescindível na vida de um mochileiro, ela pode ser utilizada em todas as situações que se possa imaginar. Pode parecer engraçado e exagerado esse fascínio pela toalha, mas isso mostra que não precisamos de tanto para sermos felizes ou simplesmente permanecer em nossa jornada, por isso DON’T PANIC! A veia minimalista é sempre bem vinda, quanto menos é melhor!

Adams explica em sua obra que a toalha é um dos objetos mais úteis para um mochileiro interestelar, porque, entre outras funções, pode ser usada como agasalho quando se atravessa luas frias de Beta de Jagla, quando molhada vira uma arma de combate corpo a corpo, enrolada em torno da cabeça ela protege a pessoa de emanações tóxicas e pode até servir para enxugar o corpo - se estiver limpa o suficiente, é possível deitar-se sobre ela nas praias de Santagrino V; cobrir-se com a toalha é uma excelente opção para apreciar as estrelas no desértico Kakrafoon; funciona também como uma vela de uma mini-jangada necessária para a descida. Porém, segundo o autor, o mais importante é a segurança psicológica que a toalha dá ao mochileiro. Se a leva com ele, também conclui que tem tudo o que precisa, como escova de dentes, esponja, sabonete, lata de biscoitos, bússola, mapa, canivete suíço,  barbante, capa de chuva e traje espacial. Para Adams, se o viajante é capaz de rodar por toda a Galáxia, acampar, pedir carona, lutar com os obstáculos, superar todos os infortúnios e ainda assim souber onde está sua toalha, ele é alguém que merece respeito.

Não poderia deixar de falar sobre o número 42, ele é uma referência importante do livro. No livro, ele fala sobre uma civilização que busca resposta para tudo, e para isso constrói um robô superinteligente que era capaz de responder qualquer dúvida. Ao questionarem o robô sobre qual o sentido da vida, o universo e tudo mais, ele deu um prazo de milhares de anos para realizar os cálculos e descobrir a resposta. Essa resposta, irônica como toda a obra de Adams, foi apenas: 42.

Esta é outra ideia interessante, o número 42 foi pensado como resposta para a questão da vida, do universo e tudo mais dada pelo Pensador Profundo. Ela vem como uma crítica referente a liquidez humana, onde se quer respostas para tudo, preferencialmente rapidas, porém devido à falta de conhecimento e instrução, não se sabe formular bem seus questionamentos e, quando se é dado a resposta, não se sabe o que fazer com ela, logo o que é mais importante é a pergunta e não a resposta. O fato de estarmos constantemente em busca da resposta e a resposta que surge parece ainda ser vazia é porque ainda temos uma longa caminhada e aprendizado das lições carmicas, e é evidente que a resposta não vai ser fácil de encontrar, você já achou a sua resposta?

Douglas Adams explicou certa vez de onde veio esse número:

“A resposta é muito simples. Foi uma brincadeira. Tinha que ser um número, um ordinário, pequeno e eu escolhi esse. Representações binárias, base 13, macacos tibetanos são totalmente sem sentido. Eu sentei à minha mesa, olhei para o jardim e pensei “42 vai funcionar” e escrevi. Fim da história.”

Então, se você já leu o “Guia do Mochileiro das Galáxias” ou pelo menos já ouviu falar sobre o livro, já deve saber que você nunca deve sair de casa sem ele – ou sem uma toalha. Afinal, ele é a obra mais útil para um viajante intergaláctico e pode salvá-lo em diversas situações. Se não leu, agora já sabe o que está perdendo!

Fontes:

Adams, Douglas. O Mochileiro Das Galáxias. Editora Brasiliense, 1986

https://geekness.com.br/entenda-historia-guia-mochileiro-da-galaxias/

https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2018/05/9-fatos-sobre-douglas-adams-autor-do-guia-do-mochileiro-das-galaxias.html

https://pt.wikipedia.org/wiki/Douglas_Adams

https://garotasnerds.com/dia-da-toalha-a-filosofia-por-tras-do-guia-do-mochileiro-das-galaxias/

segunda-feira, 7 de dezembro de 2020

Reflexões sobre a obra “Senhor das Moscas” de William Golding

A obra “Senhor das Moscas” é voltada para o gênero infanto-juvenil, foi vencedora do Prêmio Nobel de Literatura em 1983, a trama enfoca um grupo de meninos britânicos que ficam presos em uma ilha desabitada. Em meio a evacuação em tempo de guerra o avião britânico cai na ilha desabitada e apenas um grupo de meninos sobrevive, ao longo da estória é narrada a tentativa desastrosa de se autogovernar, pois a luta pela liderança divide a frágil sociedade "democrática" e instaura um violento conflito entre os meninos.

A estória mostra jovens concentrados em detalhes domésticos da sobrevivência, tal como fazer comida, construir abrigos, indumentária, higiene e etc., os meninos parecem ser bons moços, representantes de crianças bem-comportadas e educadas nos padrões britânicos de colonizadores.

O título da obra parece ser um tanto estranho e à prima facie não parece se relacionar com a história, porém, o título “Senhor das Moscas” é a tradução literal da palavra hebraica Ba'alzebul, ou em português, Belzebu, que, conforme o Dicionário Aurélio, significa o nome de um dos demônios, o chefe dos espíritos malignos, o que mostra a visão pessimista do autor em relação à humanidade, e que atravessa toda sua obra. O título está ligado a ideia de Belzebu/Leviatã o demônio associado ao orgulho e à guerra, os dois assuntos centrais da trama. Além disso, o clássico é uma sátira à narrativa problemática de que os conhecimentos dos europeus eram superiores a quaisquer outros. Golding através da história aborda isso na obra transformando os garotos em nativos selvagens que destroem uns aos outros em busca de poder, funciona como uma metáfora ao relacionamento humano. A luta dos meninos é a luta pelo poder tal como acontece no mundo dos adultos, onde forças tentam estabelecer seu domínio custe o custar, marcados por oposição, conflito e disputa, nesta disputa pelo poder e as discordâncias referentes à sobrevivência dão lugar à violência e a selvageria.

 


A obra pode ser interpretada sob várias perspectivas, tal como uma analogia da luta entre a democracia, na qual todos podem expressar suas ideias, mas que, por outro lado, tantas vozes culminam em decisões arrastadas e controversas, e a ditadura, na qual um tirano se estabelece sem o consentimento dos governados formado a partir de um sistema hierárquico baseado na punição e no medo. Percebe-se que a obra vai além do gênero infanto-juvenil, agradando aos demais gêneros proporcionando uma produtiva reflexão sobre a liderança democrática e autoritária, motivando reflexões em algumas áreas das ciências humanas, especialmente filosofia, direito e psicanálise, voltadas à discussão sobre a maldade e desumanidade.

Não foi por acaso que Golding desenvolveu a trama, a história de vida de William Golding e o que o levou a escrever esse clássico, foram os responsáveis pela construção da obra na forma de protesto. Golding dava aulas de filosofia em uma escola particular para garotos, em seguida serviu a bordo de um destróier britânico durante a guerra e se tornou um tenente da Marinha Real. Quando ele voltou da guerra, encontrou duas maiores potências do mundo ameaçando uma a outra com bombas nucleares. Isso fez com que o professor começasse a questionar as origens da natureza humana. Essas constantes reflexões sobre a violência (talvez) inevitável do ser humano o levaram e escrever o tão famoso “Senhor das Moscas”.

Enredo

No meio de uma evacuação em tempo de guerra, um avião britânico bate em uma ilha isolada ou próxima a ela em uma região remota do Oceano Pacífico. Os únicos sobreviventes são meninos na pré-adolescência. Dois meninos - o loiro Ralph e um garoto com excesso de peso e óculos, apelidado de "Piggy" - encontram uma concha, que Ralph usa como apito para reunir todos os sobreviventes em uma área. Ralph parece responsável por reunir todos os sobreviventes, então imediatamente comanda alguma autoridade sobre os outros garotos e é rapidamente eleito seu "chefe". Ele não recebe os votos dos membros de um grupo de meninos, liderado pelo ruivo Jack Merridew, mas permite que eles formem uma turma separada de caçadores. Ralph estabelece três políticas principais: divertir-se, sobreviver e manter constantemente um sinal de fumaça que poderia alertar os navios que passavam sobre sua presença na ilha e, assim, resgatá-los. Os meninos estabelecem uma forma de democracia, declarando que quem quer que tiver segurar a concha também poderá falar nas reuniões formais e receber o silêncio atento do grupo. Jack organiza uma equipe de caça responsável por descobrir uma fonte de alimento. Ralph, Jack e um garoto quieto e sonhador chamado Simon logo formam um triunvirato de líderes, com Ralph como a autoridade suprema. Após a inspeção da ilha, os três determinam que ela possui frutas e porcos selvagens como alimento.

A aparência de ordem deteriora-se rapidamente à medida que a maioria dos meninos fica ociosa; eles ajudam pouco na construção de abrigos, passam o tempo se divertindo e começam a desenvolver paranoias sobre a ilha, sendo a principal delas a que se refere a um suposto monstro que eles chamam de "besta", que todos lentamente começam a acreditar que existe na ilha. Ralph insiste que não existe tal fera, mas Jack, que iniciou uma luta pelo poder com Ralph, ganha um nível de controle sobre o grupo ao prometer ousadamente matar a criatura. A certa altura, Jack convoca todos os seus caçadores para caçar um porco selvagem, afastando os designados de manter o sinal de fogo. Um navio passa perto da ilha, mas sem o sinal de fumaça dos meninos para alertar sua tripulação, ele continua sua viagem. Ralph, com raiva, confronta Jack sobre sua falha em manter o sinal aceso.

Uma noite, uma batalha aérea ocorre perto da ilha enquanto os meninos dormem, durante os quais um piloto de caça ejeta de seu avião e morre na descida. Seu corpo desce para a ilha em seu paraquedas; ambos se enroscam em uma árvore perto do topo da montanha. Mais tarde, enquanto Jack continua planejando contra Ralph, os gêmeos Sam e Eric, agora encarregados da manutenção do sinal de fogo, veem o cadáver do piloto de caça e seu paraquedas no escuro. Confundindo o cadáver com a besta, eles correm para o aglomerado de abrigos que Ralph e Simon ergueram, para avisar os outros. Esse encontro inesperado novamente levanta tensões entre Jack e Ralph. Pouco tempo depois, Jack decide liderar uma festa para o outro lado da ilha, onde uma montanha de pedras, mais tarde chamada Castle Rock, forma um lugar onde ele afirma que o animal reside. Apenas Ralph e um garoto silencioso e suspeito, Roger, o mais próximo defensor de Jack, concordam em ir; Ralph se vira um pouco antes dos outros dois garotos, mas eventualmente os três veem o corpo do piloto, cuja cabeça se eleva pelo vento. Eles então fogem, agora acreditando que o monstro é real. Quando eles chegam aos abrigos, Jack convoca uma assembleia e tenta virar os outros contra Ralph, pedindo que removam Ralph de sua posição de poder. Não recebendo apoio, Jack sai sozinho para formar sua própria tribo. Roger imediatamente foge para se juntar a Jack, e lentamente um número crescente de meninos mais velhos abandonam Ralph para se juntar à tribo de Jack. A tribo de Jack continua a atrair recrutas do grupo principal, prometendo festas de porco cozido. Os membros começam a pintar o rosto e encenar rituais bizarros, incluindo sacrifícios à besta. Uma noite, Ralph e Piggy decidem ir a uma das festas de Jack.

Simon, que desmaia com frequência e provavelmente é epilético, tem um esconderijo secreto onde fica sozinho. Um dia, enquanto ele está lá, Jack e seus seguidores erguem uma oferenda para a besta: uma cabeça de porco, montada em uma vara afiada e rodeada de moscas. Simon conduz um diálogo imaginário com a cabeça, que ele chama de "Senhor das Moscas". A cabeça zomba da noção de Simon de que ela é uma entidade real, "algo que você poderia caçar e matar", e revela a verdade: eles, os meninos, são a besta; está dentro de todos eles. O Senhor das Moscas também adverte Simon que ele está em perigo, porque representa a alma do homem e prevê que os outros o matarão. Simon sobe a montanha sozinho e descobre que a "besta" é o paraquedista morto. Ele corre para contar aos outros garotos, que estão envolvidos em uma dança ritual. Os meninos frenéticos confundem Simon com a besta, o atacam e o espancam até a morte. Tanto Ralph quanto Piggy participam da confusão e ficam profundamente perturbados por suas ações depois de voltarem de Castle Rock.

Jack e sua tribo rebelde decidem que o verdadeiro símbolo do poder na ilha não é a concha, mas os óculos de Piggy - o único meio que os meninos têm para criar fogo. Eles invadem o acampamento de Ralph, confiscam os óculos e retornam à Castle Rock. Ralph, agora abandonado pela maioria de seus apoiadores, viaja para Castle Rock para enfrentar Jack e proteger os óculos. Tomando a concha e acompanhado apenas por Piggy, Sam e Eric, Ralph encontra a tribo e exige que eles devolvam o objeto valioso. Confirmando sua total rejeição à autoridade de Ralph, a tribo captura e prende os gêmeos sob o comando de Jack. Ralph e Jack se envolvem em uma luta. Qualquer senso de ordem ou segurança é permanentemente corroído quando Roger, agora sádico, deliberadamente deixa joga uma pedra que mata Piggy e quebra a concha. Ralph consegue escapar, mas Sam e Eric são torturados por Roger até que concordem em se juntar à tribo de Jack.

Ralph secretamente confronta Sam e Eric, que avisam que Jack e Roger o odeiam e que Roger afiou um graveto nos dois extremos, o que implica que a tribo pretende caçá-lo como um porco e decapitá-lo. Na manhã seguinte, Jack ordena que sua tribo comece uma caçada por Ralph. Os selvagens de Jack ateiam fogo na floresta, enquanto Ralph avalia desesperadamente suas opções de sobrevivência. Após uma longa perseguição, a maior parte da ilha é consumida pelas chamas. Com os caçadores logo atrás dele, Ralph tropeça e cai. Ele olha para um adulto uniformizado - um oficial da Marinha Real Britânica cujo grupo desembarcou de um cruzador que veio investigar o incêndio. Ralph começa a chorar pela morte de Piggy e pelo "fim da inocência". Jack e os outros meninos, imundos e desleixados, também voltam à sua verdadeira idade e começam a chorar. O oficial expressa sua decepção ao ver meninos britânicos exibindo um comportamento feroz e bélico antes de se virar para encarar desajeitadamente seu próprio navio de guerra.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/O_Senhor_das_Moscas

Li este livro fazem três anos, lembrei dele ao ver repetidamente nos noticiários da selvageria, corrupção e maldade, apreensões de quantidades gigantescas de drogas e o envolvimento cada vez mais cedo de jovens no mundo do tráfico e consumo de drogas, é chocante como a juventude vem concebendo o momento ímpar de sua existência, muitos estão mergulhando profundamente no mundo obscuro e sombrio do mal que assola a humanidade, a entrada neste submundo acaba roubando-lhes o brilho da juventude e a chance de futuro.

Sabemos através das pesquisas que o motivo citado pelos jovens para justificar a entrada no tráfico e de todo o mal contido neste submundo é principalmente a questão financeira, a dificuldade em conseguir empregos, e aqueles que conseguem emprego encontram condições precárias de trabalho, tornando no entendimento destes jovens a opção pela atividade ilícita mais atraente. Muitos também vão em busca por adrenalina e aceitação deles como “alguém” num grupo, muitas vezes através da ligação com amigos, no entanto, sentindo-se fora do contexto em que foram criados, os seus modos e educação vão se esvaindo e os jovens vão revelando seus impulsos mais viscerais, acabam refugiando-se num mundo à parte, tal como uma ilha onde eles têm suas leis e suas regras, são convidados a ocupar os espaços vazios deixados ou abandonados pela sociedade, na desordem do estado os donos da Nova Ordem orquestram os acontecimentos e a desordem é ordenada, os jovens são os soldados que lutam nestes espaços.

Perguntamo-nos se o problema do tráfico de drogas seria especificamente culpa e falha das instituições e da legislação deficiente, ou se a relação família, escola e o mundo do trabalho não estariam integrados suficientemente para conduzir os jovens ao rumo certo. Penso que todos estes fatores formam um processo, nestas falhas estaríamos deixando margem para grupos de traficantes aproveitarem-se dos jovens que tornam-se presa fácil dos comandos de traficantes experientes, ordenam aos seus “head Hunters” mirarem nos jovens como possibilidade de exploração protegidos pela legislação.

As leis, os regramentos e o consenso não estão sendo suficientes para conter o âmago da natureza humana, os representantes da lei trabalham arduamente no combate ao tráfico, mas a luta é desigual, pois lutam contra as consequências, a origem não é combatida, eles prendem, a justiça liberta graças a legislação incompetente de nossos legisladores, o ciclo vicioso se repete diariamente, alimentado pela ideia de que o crime compensa.

Ao final perguntamo-nos o que é o “senhor das moscas”?, aqueles que lerem o livro poderão entender que a resposta está na metáfora, a metáfora vai além de uma contraposição dogmática entre civilização democrática e a barbárie, porque nos dá a possibilidade de conhecer os dilemas da fragilidade humana. O subterrâneo bárbaro eternamente presente na civilização também está em cada um de nós, pronto para nos destruir e consumir, ele não vem de fora, não é tão estranho quanto desejam os apologistas ingênuos da civilização. A narrativa de ficção de Golding nos apresenta, de modo simbólico, uma verdade atual: os dilemas de nossa revolta, nosso duelo contemporâneo entre dois titãs: um deus mortal, o Leviatã, e outro deus imortal, o coletivo Behemot (Figura da escatologia judaica de origem babilônica, na qual designava dois monstros terríveis. Behemoth reina sobre a terra e Leviatã, sobre os mares). O Senhor das Moscas - que a tudo vê é a lei da Nova Ordem. Mesmo extinguindo-se em sua forma física, sua presença permanece sendo sentida – assim como os seus efeitos. O Senhor das Moscas é a Lei da Nova Ordem! Lutar contra este mal deve ir além da fé de mãos levantadas, vamos abrir os olhos, e atuarmos ficando atentos ao rumo dos jovens, toda atenção a eles para os apoiarmos a dizer não para o que parece ser fácil e glamoroso do portar uma arma e um boné de grife!

 

Filme: Além do livro a trama também se tornou conhecida indo em duas oportunidades para as telas do cinema: em 1963, sob a direção de Peter Brook, e em 1990, de Harry Hook.

Filme disponível no link:

https://www.youtube.com/watch?v=9Br9RAXvioU

 

Fontes:

Golding, William. Senhor das Moscas – tradução Sergio Flaksman. 1ª.ed. – Rio de Janeiro: Objetiva, 2014.224p.

http://www.salacriminal.com/home/o-senhor-das-moscas-a-lei

https://tmjuntos.com.br/comunicacao/reflexoes-sobre-a-natureza-humana-em-o-senhor-das-moscas/

https://amenteemaravilhosa.com.br/senhor-das-moscas/

 

 

quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Resenha do livro "Um antropólogo em Marte" de Oliver Sacks

 

 
Um Antropólogo em Marte (em inglês: An Anthropologist on Mars) é um livro escrito em 1995 pelo neurologista anglo-americano Oliver Sacks, com grande habilidade ele narra distúrbios neurológicos complexos, fazendo cada leitor ser completamente absorvido pelas incríveis histórias de vida de seus pacientes, as histórias foram baseadas em sete estudos de caso do autor sobre indivíduos com condições neurológicas consideradas paradoxais para com suas atividades, e como essas condições podem levar a um estado de desenvolvimento pessoal e/ou profissional.
 
"Um antropólogo em Marte", título do livro, é a descrição do encontro entre Sacks e Temple Grandin, uma mulher autista renomada internacionalmente por seus estudos na criação de gado e professora universitária. "Um antropólogo em Marte" é a descrição que Grandin usou para representar sua dificuldade em interações sociais.
 
Este livro vale a pena ser lido mais de uma vez, é uma oportunidade de ingressar num mundo especial e fantástico a partir da experiência narrada de seres humanos que pressionados por situações-limite tiveram de desenvolver habilidades para se adaptarem de maneira criativa a conviver com doenças neurológicas devastadoras, o que para a maioria das pessoas é difícil compreender como poderiam superar limitações tão difíceis. 
 
Por outro lado, os estudos de caso apresentados por Sacks são de extrema sensibilidade que nos levam a pensar o que poderia ser uma pessoa “normal”, afinal nossos olhares de estranheza em relação a estes indivíduos especiais são também refletidos na estranheza deles em relação aos ditos normais, afinal não podemos esquecer que somos de alguma forma diferentes uns dos outros, cada um de nós vai vivendo conforme condições orgânicas individuais. Antes de mais nada, esta é também uma oportunidade que pode nos ajudar a compreender melhor o que somos.

Os sete estudos de caso:

·      "O caso de pintor daltônico" discute as realizações de um pintor que sofre um acidente de carro e é acometido por uma Acromatopsia cerebral, a incapacidade de perceber cores devido a algum acidente. No dia seguinte ao acidente, ao ir trabalhar em seu ateliê, antes repleto de pinturas coloridas e luminosas, depara-se com um mundo feito de cinza, branco e preto. As coisas passam a ter uma aparência desagradável, "suja". As pessoas viraram "estátuas cinzentas animadas" e o pintor passa a não suportar sua própria aparência no espelho. Até os alimentos que ele ingeria "pareciam-lhe repulsivos devido a seu aspecto cinzento, morto, e ele tinha que fechar os olhos para comer". Para o pintor, o mundo passou a ser algo parecido com um filme em preto-e-branco, tridimensional, com a diferença que os filmes são representações do mundo, enquanto a vida dele era real. O pintor voltou a pintar inspirado pela visão de um nascer do sol (em preto e branco). "O sol nasceu como uma bomba, como uma enorme explosão nuclear", ele contou à Sacks. Suas pinturas continuaram existindo, mas todas passaram a ser em preto-e-branco. "Senti que se não pudesse continuar pintando, também não ia querer continuar vivendo", ele desabafou com seu médico. Pg. 18

·         "O último hippie" descreve o caso de um homem que sofre de um grande tumor cerebral, e por causa desta, amnésia anterógrada, que impossibilita o paciente de se lembrar de qualquer fato acontecido após a década de 60. Este estudo de caso foi inspiração para o filme “A música nunca parou”

Trecho pg.63: “Não obstante, se Greg, agora incapaz de transformar suas percepções ou memórias imediatas em permanentes, permanecia paralisado nos anos 60, quando sua capacidade de aprender novas informações entrou em colapso, ele se ajustou de alguma forma e absorveu parte do que estava a sua volta, ainda que muito devagar e de maneira incompleta”

·         "Uma vida de cirurgião" conta a interação de Sacks com o cirurgião e piloto amador Dr. Carl Bennett, que possui Síndrome de Tourette. Os tiques podem se manifestar em qualquer parte ou conjunto de partes do corpo (barriga, nádegas, pernas, braços etc.), mas, tipicamente, ocorrem no rosto e na cabeça -- no rosto, como caretas repetidas, e na cabeça como um todo, como movimentos bruscos, repetidos, de lado a lado, e se conhece pelos estranhos grunhidos, crispações, caretas, gestos, e xingamentos involuntários emitidos pelas pessoas que dela sofrem. Dr. Bennett, é morador da cidade estadunidense de Branford, ele é muito querido por seus clientes e respeitado pelos seus colegas de profissão, no pronto-socorro e no hospital local. Bennett, além de operar com perfeição, sem nunca ter cometido um equívoco, dirige carro e pilota um pequeno avião particular. Sua "esquisitisse" lhe conferiu uma identidade e personalidade muito particulares, capazes de se manifestarem absolutamente convencionais durante as atividades profissionais. Os gestos bruscos, os tiques convulsivos, a mímica involuntária, as expressões compulsivas de xingamentos são inteiramente controladas na sala de cirurgia, por exemplo, manifestando-se livremente nos momentos de descontração.

Trecho pg.90: “Bennett às vezes chama a síndrome de Tourette de “uma doença de desinibição”. Diz que há pensamentos, nada excepcionais em si mesmos, que todo mundo pode ter incidentalmente, mas que são normalmente inibidos. No caso dele, esses pensamentos persistem obsessivamente no fundo de sua cabeça e eclodem de repente, sem seu consentimento ou intenção. Assim, por exemplo, ele pode querer sair, ficar ao sol e se bronzear, quando o tempo está bom. Esse pensamento fica no fundo de sua cabeça enquanto atende seus pacientes no hospital, e acaba emergindo numa declaração súbita e involuntária”.

·         "Ver e não ver" é a história de Shirl Jennings, um homem cego desde a infância, graças à luta de sua noiva para conseguir que lhe fizessem uma cirurgia a moça conseguiu o impossível, conseguiu que aos 50 anos de idade lhe proporcionasse o dom da visão, ele foi capaz de recuperar a visão após uma cirurgia.

Sua história permite uma profunda reflexão sobre a diferença entre "enxergar" e o "ver". Quando Virgil abriu os olhos, depois de ter sido cego por tantos anos, não havia memória visual em que apoiar sua percepção e nem mundo algum de experiência e sentido esperando-o. Ele viu, mas o que viu não tinha coerência, seu cérebro não conseguia lhe dar sentido. "Nós que nascemos com a visão", diz o autor, "jamais poderemos imaginar tal confusão". Sacks caminha por toda a trajetória de sofrimento de Virgil na experiência de ver e não ver e nas frustrações de sua mulher Amy e conclui: "viu-se entre dois mundos, exilado em ambos — um tormento ao qual não parecia ser possível escapar. Mas aí veio a libertação, na forma de uma segunda e derradeira cegueira — uma cegueira que ele recebeu como dádiva. Assim como outras pessoas acometidas por essa raridade, Sacks descreve a experiência do paciente como sendo "profundamente perturbadora".

Trecho pg. 119: “Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, damos de cara com um mundo que passamos a vida aprendendo a ver. O mundo não nos é dado: construímos nosso mundo através da experiência, classificação, memória e reconhecimento incessantes”

·         "A paisagem dos seus sonhos" discute a interação entre Sacks e Franco Magnani, um homem obcecado pela sua vila natal Pontito na Tuscania, onde ele morou até os doze anos. Apesar de não ter visto a comunidade por muito tempo, Franco era capaz de relatar detalhes mínimos e precisos de Pontito (Pontito é administrativamente uma frazione da comuna de Pescia, na província de Pistoia, Toscana). Franco é denominado o "Artista da Memória", Franco tem uma capacidade obsessiva, fotográfica e infinita de retratar sua cidade (apenas ela), sob todos os ângulos, de forma recordatória e imaginativa. Conforme dito por Sacks, este artista eidético, é ao mesmo tempo vítima e possuidor de um repertório de imagens, cujo poder é difícil conceber. Ele não está livre para ter equívocos de memória e nem para deixar de lembrar. Trata-se de uma memória patológica, com um poder de fixação, de fossilização ou de petrificação em plena atividade, marcada, porém por uma responsabilidade cultural de recordar o passado e preservar seu sentido.

Trecho pg.163: “O estado de espírito que se anunciara em sonhos durante a noite se aprofundou e intensificou na mente de Franco. Começou a ter “visões” de Pontito durante o dia – visões emocionalmente avassaladoras, mas com uma qualidade minuciosa e tridimensional que ele compara a holografia”

·         "Prodígios" descreve a relação de Sacks com Stephen Wiltshire, um autista savântico, nascido em Londres, descrito como "a melhor criança artista do Reino Unido". É um garoto com prodigiosa capacidade de desenhar paisagens, ruas, edifícios, igrejas, castelos etc. Falando dos idiots savants o autor menciona que não se trata apenas de um sábio, mas de um prodígio. Depois de diagnosticado seu autismo, teve a felicidade de encontrar a compreensão de um professor e vários incentivadores que souberam valorizar mais seu talento que suas deficiências. E assim conseguiu se projetar, ter suas obras premiadas, suas capacidades estimuladas e ser hoje reconhecido como gênio. Desenvolveu também profundas habilidades musicais. Depois de acompanhar os passos, as reações, as vivências do talento no paradoxo das deficiências de Stephen, Oliver concluiu: "suas limitações, paradoxalmente podem servir como forças também. Sua visão é valiosa, ao que me parece, precisamente por transmitir um ponto de vista maravilhosamente direto e não conceitualizado do mundo. Stephen pode ser limitado, esquisito, idiossincrático, autista; mas lhe foi permitido alcançar o que poucos de nós conseguimos, uma significante representação e investigação do mundo" (pg.245). Precisamos pensar que a inclusão social não é apenas colocar alguém especial junto aos demais alunos ditos “normais”, há uma necessidade do professor ter conhecimento e treinamento adequados para fazer a diferença na vida deste ser humano, e principalmente ter a sensibilidade de encontrar a abertura de como ingressar neste universos tão peculiar!

Trecho Pg.243: “Ele constrói o universo de uma maneira diferente – e seu modo de cognição, sua identidade e seus dons artísticos se combinam.

·         O último conto do livro é “Um antropólogo em Marte”, é sobre uma autista, Ph.D. em ciência animal, professora da Colorado State University. Apesar das adversidades, ela tornou-se uma importante autoridade mundial em sua área de atuação profissional. Curiosamente, a linguagem técnica era muito mais acessível a essa pesquisadora do que a linguagem social, o que permitiu que ela se adaptasse à vida fazendo ciência. A ciência a medicou, ao mesmo tempo em que se tornou seu refúgio. Durante toda sua vida, ela dizia-se se sentir como um "antropólogo em Marte". Provavelmente, essa deve ser uma sensação compartilhada por muitas outras pessoas com distúrbios neurológicos. 

     Trecho Pg.260: “Tinha dificuldade em manter sua própria vida simples, ela disse, e de deixar tudo bastante claro e explicito. Construíra uma extensa biblioteca de experiências ao longo dos anos, ela prosseguia. Era como uma biblioteca de fitas de vídeo, que ela podia passar em sua cabeça e consultar a qualquer hora – “vídeos” de como as pessoas se comportavam em diferentes circunstâncias”

Este livro foi fonte de inspiração para um filme de muita sensibilidade, quem ler o livro e assistir ao filme com certeza ao final não será mais o mesmo, em tempo de confinamento podemos aproveitar nosso tempo para sairmos do noticiário que em geral só nos trazem cenas de violência, morte e corrupção, vamos partir para algo que nos faça reanimar e iluminar nosso espírito, vamos criar no presente uma linha de pensamento que irá guiar nosso melhor comportamento, é através da reflexão e do questionamento sobre o modo como entendemos as coisas e o valor que damos a isto que farão a diferença no hoje e no amanhã.

"Um Antropólogo em Marte" é aclamado por muitos leitores e críticos por sua capacidade de proporcionar insights profundos sobre a natureza da mente humana e a diversidade de experiências neurológicas. Ele aborda questões fundamentais sobre a identidade, a empatia e a percepção da realidade.

Como se trata de uma obra literária, a recepção do livro pode variar de pessoa para pessoa. Alguns podem encontrar as histórias cativantes e comoventes, enquanto outros podem não se envolver tanto com o estilo de escrita ou o conteúdo. A melhor maneira de formar uma opinião sobre o livro é lê-lo e avaliar como ele ressoa com você pessoalmente.

Filme:

O longa “A música nunca parou” de Jim Kohlberg foi baseado no estudo de caso de Sacks “O último Hippie”, estrelado por Julia Ormond, J.K. Simmons e Lou Taylor Pucci. Em cena, um pai, Henry Sawyer (J.K. Simmons), que luta para se conectar com o filho Gabriel (Lou Taylor Pucci), que descobre um tumor no cérebro que o impede de produzir novas memórias. Os dois tentam superar uma distância emocional e acabam encontrando uma forma de se relacionarem por meio da música.

Não por acaso a trilha sonora do longa é recheada de pérolas: Bing Crosby, Peggy Lee, Johann Sebastian Bach, Beatles, The Grateful Dead, Bob Dylan, Cyndi Lauper, The Rolling Stones e Buffalo Springfield.

Engenheiro (durão) de classe média, Henry não se dava bem com o filho Gabriel, um jovem hippie como qualquer outro do fim dos anos 1960. Os dois vivem discutindo até que o rapaz sai de casa. Nos anos 1980, a família volta a se reunir enquanto o jovem (já adulto) se recupera da cirurgia para retirada de um tumor no cérebro.

O problema é que Gabriel não se lembra de nada do que ocorreu depois de Woodstock. Imbuído do desejo de finalmente se aproximar do filho, o pai troca seus discos pelos da banda predileta de filho, Grateful Dead. O resultado é surpreendente. A música pode tanto ajudar o rapaz como reaproximar a família.

Assista ao trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=18PVNfNnKzI

 

Fontes:

Sacks, Oliver. Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais: tradução Bernanrdo Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

https://www.comciencia.br/dossies-1-72/resenhas/epilepsia/sacks.htm

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231996000100157

https://pt.wikipedia.org/wiki/Um_Antrop%C3%B3logo_em_Marte

https://www.uai.com.br/app/noticia/cinema/2014/03/21/noticias-cinema,152771/filme-baseado-em-ensaio-de-oliver-sacks-a-musica-nunca-parou-chega.shtml

https://www.eurooscar.com/artig/cerebro5.htm