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domingo, 28 de março de 2021

Semana Santa uma tradição religiosa e social



É um grande momento para reflexão, a religião vai além do campo da metafísica, vivemos em uma sociedade que tem por característica sofrer influência das religiões, e por sua vez podem servir tanto para os desígnios de uma vida pacífica como para gerar conflitos entre povos, tal como ainda para alguns países que ainda discutem, vivem, morrem e matam em nome da religião.

A partir do surgimento do cristianismo, o mundo sofre um grande impacto, sendo através dele que temos a valorização do indivíduo combatendo a ideia segregadora de castas, estamentos e classes sociais, pregando a igualdade, iniciando-se a construção do conceito de dignidade humana. Após a queda do império romano, é o cristianismo que mantêm os principais pilares da civilização ocidental, intelectual e material. Na Idade Média, as escolas medievais surgem e são instaladas, havendo uma conscientização a respeito da educação, sendo a educação importante no comércio por ampliar os conhecimentos da escrita, calculo, direito, artes, são verdadeiras fontes do reservatório cultural e intelectual da sociedade, e é por meio da teologia que surgem os primeiros centros acadêmicos que virão a tornar-se as universidades na Europa.

Chegamos num momento muito especial que é a Semana Santa, uma semana dedicada a orações e meditações, também sabemos que as religiões cristãs vão além da fé, o cristianismo desempenhou um papel de destaque na formação e construção da civilização e da sociedade ocidental desde o século IV, essa construção se deu e se dá através da influência da crença de cada cidadão ou até mesmo como imposição de alguns governos. Atualmente o cristianismo conta com entre 2,3 bilhões de fiéis, representando cerca de um quarto a um terço da população mundial, e é uma das maiores religiões do mundo, logo durante esta semana bilhões de mentes estarão voltadas para costumes, eventos sociais, orações, meditações, aproximações responsáveis levando em conta o distanciamento social exigido em nome da vida e luta contra a covid, enfim é uma semana muito especial.

A Semana Santa, vem em seguida da quaresma, a quaresma foram os quarenta dias que Jesus Cristo passou no deserto, Jesus jejuou por quarenta dias e noites no deserto da Judeia, quando também enfrentou muitas tentações, através de sua ligação com Deus ele conseguiu vencer as paixões com orações e meditações. A oração e a meditação são nossos meios principais de contato consciente com Deus, neste período do ano é chegado mais um momento cristão para orações e profundas reflexões, a mensagem da quaresma é um apelo muito forte e exemplo de que podemos vencer os desejos e as tentações.

A Semana Santa começa no Domingo de Ramos e termina no Domingo de Páscoa, essas datas (dias do mês) são móveis. Para calcular o dia da Páscoa deve-se somar 46 dias à quarta-feira de cinzas (dia seguinte ao Carnaval), pois é nessa quarta-feira que tem início a Quaresma, tempo que antecede a Páscoa, e que dura até a quinta-feira da semana santa.

A Semana Santa representa três momentos: Paixão (martírio), Morte e Ressurreição de Jesus Cristo.

Quais são os dias da Semana Santa?

Fonte: https://www.cnbb.org.br/o-significado-de-cada-dia-da-semana-santa/

Domingo de Ramos

O Domingo de Ramos abre, por excelência, a Semana Santa, pois celebra a entrada triunfal de Jesus Cristo, em Jerusalém, poucos dias antes de sofrer a Paixão, a Morte e a Ressurreição. Este domingo é chamado assim, porque o povo cortou ramos de árvores, ramagens e folhas de palmeiras para cobrir o chão por onde o Senhor passaria montado num jumento. Com isso, Ele despertou, nos sacerdotes da época e mestres da Lei, inveja, desconfiança e medo de perder o poder. Começa, então, uma trama para condená-Lo à morte. A liturgia dos ramos não é uma repetição apenas da cena evangélica, mas um sacramento da nossa fé, na vitória do Cristo na história, marcada por tantos conflitos e desigualdades.

Segunda-feira Santa

Neste dia, proclama-se, durante a Missa, o Evangelho segundo São João. Seis dias antes da Páscoa, Jesus chega a Betânia para fazer a última visita aos amigos de toda a vida. Está cada vez mais próximo o desenlace da crise. “Ela guardava este perfume para a minha sepultura” (cf. João 12,7); Jesus já havia anunciado que Sua hora havia chegado. A primeira leitura é a do servo sofredor: “Olha o meu servo, sobre quem pus o meu Espírito”, disse Deus por meio de Isaías. A Igreja vê um paralelismo total entre o servo de Javé cantado pelo profeta Isaías e Cristo. O Salmo é o 26: “Um canto de confiança”.

Terça-feira Santa

A mensagem central deste dia passa pela Última Ceia. Estamos na hora crucial de Jesus. Cristo sente, na entrega, que faz a “glorificação de Deus”, ainda que encontre, no caminho, a covardia e o desamor. No Evangelho, há uma antecipação da Quinta-feira Santa. Jesus anuncia a traição de Judas e as fraquezas de Pedro. “Jesus insiste: ‘Agora é glorificado o Filho do homem e Deus é glorificado nele’”. A primeira leitura é o segundo canto do servo de Javé; nesse canto, descreve-se a missão de Jesus. Deus o destinou a ser “luz das nações, para que, a salvação alcance até os confins da terra”. O Salmo é o 70: “Minha boca cantará Teu auxílio.” É a oração de um abandonado, que mostra grande confiança no Senhor.

Quarta-feira Santa

Em muitas paróquias, especialmente no interior do país, realiza-se a famosa “Procissão do Encontro” na Quarta-feira Santa. Os homens saem, de uma igreja ou local determinado, com a imagem de Nosso Senhor dos Passos; as mulheres saem de outro ponto com Nossa Senhora das Dores. Acontece, então, o doloroso encontro entre a Mãe e o Filho. O padre proclama o célebre “Sermão das Sete Palavras”, fazendo uma reflexão, que chama os fiéis à conversão e à penitência.

Quinta-feira Santa

Santos óleos – Uma das cerimônias litúrgicas da Quinta-feira Santa é a bênção dos santos óleos usados durante todo o ano pelas paróquias. São três os óleos abençoados nesta celebração: o do Crisma, dos Catecúmenos e dos Enfermos. Ela conta com a presença de bispos e sacerdotes de toda a diocese. É um momento de reafirmar o compromisso de servir a Jesus Cristo.

Lava-pés – O Lava-pés é um ritual litúrgico realizado, durante a celebração da Quinta-feira Santa, quando recorda a última ceia do Senhor. Jesus, ao lavar os pés dos discípulos, quer demonstrar Seu amor por cada um e mostrar a todos que a humildade e o serviço são o centro de Sua mensagem; portanto,  esta celebração é a maior explicação para o grande gesto de Jesus, que é a Eucaristia. O rito do lava-pés não é uma encenação dentro da Missa, mas um gesto litúrgico que repete o mesmo gesto de Jesus. O bispo ou o padre, que lava os pés de algumas pessoas da comunidade, está imitando Jesus no gesto; não como uma peça de teatro, mas como compromisso de estar a serviço da comunidade, para que todos tenham a salvação, como fez Jesus.

Instituição da Eucaristia – Com a Santa Missa da Ceia do Senhor, celebrada na tarde ou na noite da Quinta-feira Santa, a Igreja dá início ao chamado Tríduo Pascal e faz memória da Última Ceia, quando Jesus, na noite em que foi traído, ofereceu ao Pai o Seu Corpo e Sangue sob as espécies do Pão e do Vinho, e os entregou aos apóstolos para que os tomassem, mandando-os também oferecer aos seus sucessores. A palavra “Eucaristia” provém de duas palavras gregas “eu-cháris”, que significa “ação de graças”, e designa a presença real e substancial de Jesus Cristo sob as aparências de Pão e Vinho.

Instituição do sacerdócio – A Santa Missa é, então, a celebração da Ceia do Senhor, quando Jesus, num dia como hoje, véspera de Sua Paixão, “durante a refeição, tomou o pão, benzeu-o, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: ‘Tomai e comei, isto é meu corpo’.” (cf. Mt 26,26). Ele quis, assim como fez na última ceia, que Seus discípulos se reunissem e se recordassem d’Ele abençoando o pão e o vinho: “Fazei isto em memória de mim”. Com essas palavras, o Senhor instituiu o sacerdócio católico e deu-lhes poder para celebrar a Eucaristia.

Sexta-feira Santa – A tarde da Sexta-feira Santa apresenta o drama incomensurável da morte de Cristo no Calvário. A cruz, erguida sobre o mundo, segue de pé como sinal de salvação e esperança. Com a Paixão de Jesus, segundo o Evangelho de João, contemplamos o mistério do Crucificado, com o coração do discípulo Amado, da Mãe, do soldado que o transpassou o lado. Há um ato simbólico muito expressivo e próprio deste dia: a veneração da santa cruz, momento em que esta é apresentada solenemente à comunidade.

Via-sacra  – Ao longo da Quaresma, muitos fiéis realizam a Via-Sacra como uma forma de meditar o caminho doloroso que Jesus percorreu até a crucifixão e morte na cruz. A Igreja nos propõe esta meditação para nos ajudar a rezar e a mergulhar na doação e na misericórdia de Jesus que se doou por nós. Em muitas paróquias e comunidades, são realizadas a encenação da Paixão, da Morte e da Ressurreição de Jesus Cristo por meio da meditação das 14 estações da Via-Crucis.

Sábado Santo

O Sábado Santo não é um dia vazio, em que “nada acontece”. Nem uma duplicação da Sexta-feira Santa. A grande lição é esta: Cristo está no sepulcro, desceu à mansão dos mortos, ao mais profundo que pode ir uma pessoa. O próprio Jesus está calado. Ele, que é Verbo, a Palavra, está calado. Depois de Seu último grito na cruz – “Por que me abandonaste?” –, Ele cala no sepulcro agora. Descanse: “tudo está consumado!”.

Vigília Pascal –  Durante o Sábado Santo, a Igreja permanece junto ao sepulcro do Senhor, meditando Sua Paixão e Morte, Sua descida à mansão dos mortos, esperando, na oração e no jejum, Sua Ressurreição. Todos os elementos especiais da vigília querem ressaltar o conteúdo fundamental da noite: a Páscoa do Senhor, Sua passagem da morte para a vida. A celebração acontece no sábado à noite. É uma vigília em honra ao Senhor, de maneira que os fiéis, seguindo a exortação do Evangelho (cf. Lc 12,35-36), tenham acesas as lâmpadas, como os que aguardam seu senhor chegar, para que, os encontre em vigília e os convide a sentar à sua mesa.

Bênção do fogo – Fora da Igreja, prepara-se a fogueira. Estando o povo reunido em volta dela, o sacerdote abençoa o fogo novo. Em seguida, o Círio Pascal é apresentado ao sacerdote. Com um estilete, o padre faz nele uma cruz, dizendo palavras sobre a eternidade de Cristo. Assim, ele expressa, com gestos e palavras, toda a doutrina do império de Cristo sobre o cosmos, exposta em São Paulo. Nada escapa da Redenção do Senhor, e tudo – homens, coisas e tempo – estão sob Sua potestade.

Procissão do Círio Pascal – As luzes da igreja devem permanecer apagadas. O diácono toma o Círio e o ergue, por algum tempo, proclamando: “Eis a luz de Cristo!”. Todos respondem: “Demos graças a Deus!”. Os fiéis acendem suas velas no fogo do Círio Pascal e entram na igreja. O Círio, que representa o Cristo Ressuscitado, a coluna de fogo e de luz que nos guia pelas trevas e nos indica o caminho à terra prometida, avança em procissão.

Proclamação da Páscoa – O povo permanece em pé com as velas acesas. O presidente da celebração incensa o Círio Pascal. Em seguida, a Páscoa é proclamada. Esse hino de louvor, em primeiro lugar, anuncia a todos a alegria da Páscoa, a alegria do Céu, da Terra, da Igreja, da assembleia dos cristãos. Essa alegria procede da vitória de Cristo sobre as trevas. Terminada a proclamação, apagam-se as velas.

Liturgia da Palavra – Nesta noite, a comunidade cristã se detém mais que o usual na proclamação da Palavra. As leituras da vigília têm uma coerência e um ritmo entre elas. A melhor chave é a que nos deu o próprio Cristo: “E começando por Moisés, percorrendo todos os profetas, explicava-lhes (aos discípulos de Emaús) o que dele se achava dito em todas as Escrituras” (Lc 24, 27).

Domingo da Ressurreição - Páscoa

É o dia santo mais importante da religião cristã. Depois de morrer crucificado, o corpo de Jesus foi sepultado, ali permaneceu até a ressurreição, quando seu espírito e seu corpo foram reunificados. Do hebreu “Peseach”, Páscoa significa a passagem da escravidão para a liberdade. A presença de Jesus ressuscitado não é uma alucinação dos Apóstolos. Quando dizemos “Cristo vive” não estamos usando um modo de falar, como pensam alguns, para dizer que vive somente em nossa lembrança.

Fontes:

https://www.cnbb.org.br/o-significado-de-cada-dia-da-semana-santa/


domingo, 21 de março de 2021

O Ano Sabático, um ano de humildade e lentidão de caracóis

Completamos um ano desde que a humanidade caiu de joelhos diante do vírus mortal, o ser humano está aprendendo uma lição de humildade, o mundo com olhar incrédulo diante de tanto sofrimento é obrigado a observar o passar do tempo entrincheirados em suas casas, porem estão sendo travadas neste ambiente verdadeiras lutas numa guerra de vida e morte pela sobrevivência.

Toda a correria que vivíamos diariamente, de cima para baixo, de um canto a outro do planeta, sem tempo para nós e nossa família esta em stanby, o que contavam eram os compromissos da agenda, ouvíamos a todo instante “tempo é dinheiro”, e agora? Com a parada brusca que já perdura um ano, muitos não sabendo ainda lidar com o desafio entraram em depressão, realmente não é fácil ficar com o pensamento positivo e o corpo firme sobre as próprias pernas.

Muitas pessoas estão aceitando o desafio de humildade como uma oportunidade para evoluir, encaram este último ano como um “ano sabático”, um ano de muita reflexão, a humildade está despertando a consciência de nossas próprias limitações, como humildes seres humanos estamos ingressando num novo mundo, um mundo de regeneração, e para ingressar neste novo mundo o passaporte dos sobreviventes, neste mundo dividido entre vivos e mortos, é o desenvolvimento de virtudes como a sabedoria, tolerância, gratidão, gentileza e compreensão.

Para quem não sabe o termo sabático é muito precioso, o termo sabático vem do vocabulário hebraico também conhecido por Shemitá, que significa “libertação”, na tradução literal. O ano sabático é descrito no livro sagrado do povo judeu (Torá) como o período de descanso da terra, ou seja, onde os judeus não podiam cultivar a agricultura. Nosso cultivo neste nosso ano sabático, é voltado para nosso interior, com humildade estamos cultivando virtudes que estavam sendo esquecidas, estamos reforçando laços familiares e laços de amizade, outros enfrentam dificuldades para conviverem juntos, pois só agora estão aprendendo a conhecer seus parceiros de caminhada.

Então, após o confinamento neste um ano de pandemia, o sentimento de fadiga por falta do contato social é comum e esperado. Afinal de contas sabemos que pessoas precisam de pessoas, o mundo gira em torno de uma natureza mais humana, gira em torno de suas ideias e atitudes, precisamos uns dos outros, desde o nascer a nossa puberdade somos dependentes e só após longo aprendizado e convivência aprendemos a caminhar com nossas próprias pernas e mesmo assim permanecemos ombro a ombro.

Penso que será necessário aprendermos a caminhar novamente, o confinamento está deixando nossas pernas inchadas e nosso andar titubeante, estamos muito ansiosos em voltar a trilhar os caminhos do mundo, só o fato de saber que poderemos já nos alivia a tensão, acredito que nosso olhar daqui para frente seja um pouco mais lento e faça paradas ao longo da trilha para admirar a paisagem. Numa passagem em Zaratustra o sábio de Nietzsche se ria dos turistas que subiam as montanhas como animais, estúpidos e suados, era nítido que não haviam aprendido que há vistas maravilhosas no caminho que sobe e é necessário a parada para se ganhar fôlego.

Aqui cabe um aparte, afinal quem é ou foi este tal de Zaratustra? O profeta Zaratustra, a quem os gregos chamavam de Zoroastro, foi um profeta e poeta nascido na Pérsia, o Zoroastrismo foi desenvolvido por Zoroastro ou Zaratustra se desenvolveu e expandiu durante o Império Persa na Antiguidade, por volta do século VI a.C., a religião se tornou predominante no Império. O zoroastrismo se caracterizou como uma religião da dualidade entre o bem e o mal.

Nietzsche é um filosofo alemão que amava a filosofia grega e foi de lá que buscou inspiração para escrever o livro “Assim Falou Zaratustra”, conta a história de um pensador que desce das montanhas para ensinar aos homens o que descobriu em seu isolamento. Nietzsche usa linguagem poética e aforismos para trazer seus preceitos, ele fazia duras criticas ao cristianismo, mas não necessariamente a Jesus.

Neste ano sabático estamos confinados em nosso ambiente familiar, estamos sendo forçados a usar freios e a reaprender que a lentidão também é uma virtude a ser reaprendida num mundo que a vida é obrigada a correr num ritmo cada vez maior, o tempo de um dia já não era suficiente para atender todos os compromissos de agenda. Neste último ano o tempo é o que menos importa, estamos gastando o tempo conversando com nossos familiares, estamos redescobrindo-os, estamos sabendo mais sobre suas vidas, seus sonhos, seus medos e receios, nosso olhar num primeiro instante é de surpresa, afinal agora é que estou enxergando o que antes apenas olhava.

 


A lentidão dos caracóis é um livro que foi escrito por Rubem Alves, um autor singular por sua sabedoria, seus livros têm muito a nos ensinar, este livro que li alguns anos atrás e releio eventualmente foi e é muito significativo, acredito que também foi para muitas pessoas que viviam a vida numa constante corrida. Somos sempre forçados a seguir para frente, seguir adiante, mas afinal a grande pergunta a ser feita: onde este caminho está nos levando? será uma caminhada impulsionada pela alegria fugaz do consumo de bens materiais?, ou tem algo mais importante a frente que nossa vista não alcança?

Neste último ano o consumo caiu atingindo a todos em razão dos danos causados pela Covid, por causa do distanciamento social, dos efeitos negativos sobre o mercado de trabalho e da queda dos serviços prestados às famílias, atingindo o tipo de consumo responsável necessários a sobrevivência básica e o tipo irresponsável/insustentável sem limites.

Aqui cabe um capítulo especial, neste ano sabático, aproveitamos para refletir acerca do consumo socialmente irresponsável, este tipo de consumo “consome” nossas economias assim como “consome” a fonte que é a natureza. O consumo está diretamente ligado ao nosso mundo globalizado, ele é fomentado pelas nações desenvolvidas e é  responsável pela manutenção do desenvolvimento da sociedade, um aliado destas nações desenvolvidas é a mídia e é lá que se encontra o balcão de guloseimas, o estimulo e o apelo criados são muito fortes, sua arma está em nossa fragilidade que é o desejo, o ser humano é um ser desejante, ou a máxima: “somos seres desejantes destinados a incompletude”, e é isso que nos faz caminhar e continuar consumindo para preencher um vazio que jamais será preenchido. O vazio é alimentado por nossa falta de tempo em vivenciar o que realmente seja importante, falta leveza, falta vagareza no olhar para enxergar e assim ficamos mais suscetíveis em cair em armadilhas.

Este caminho chamado consumo é uma armadilha tornando as pessoas reféns do status de cobranças da sociedade, podendo causar danos irreparáveis quando ele alimenta a in-sustentabilidade das fontes da natureza causando prejuízos irreversíveis mais para frente, estamos falando do consumo socialmente irresponsável, tem uma frase que se aplica perfeitamente a alegria fugaz proporcionada pelo consumo: “Torna-te o Mestre dos teus desejos; não permita que os teus desejos se tornem o teu Mestre”, esta frase está no livro “O Zen na Arte da Cerimônia do Chá” escrito por Horst Hammitzsch, um belo livro para ser lido e relido. 
 
A cerimônia do chá é um ritual de preparação de um bom chá para um convidado especial, neste momento pretendo pensar que sejamos nós mesmos os convidados especiais, realizando o ritual, imaginando nestes atos e movimentos sincronizados a incorporação dos princípios revitalizantes como a Harmonia, sentindo estar livre das pretensões e nunca esquecer a atitude de humildade para com os convidados, neste caso somos nós mesmos reconhecendo nossas limitações; Respeito. acreditando ter capacidade de compreender e aceitar os outros, mesmo aqueles que nós não tenhamos empatia, e principalmente aceitando com humildade nossas limitações, nesta leitura buscando pró-ativamente  um caminho para melhorarmos, a cerimônia do chá também é um dos caminhos que nos levam a nosso interior, quem sabe através deste ritual e desta leitura consigamos enxergar a beleza e a sabedoria dos caracóis, que em seu caminho vivem cada instante, afinal somos instantes que passam em instantes, a leveza pode nos conceder a habilidade de ver e sentir o que esta acontecendo em nosso entorno.
 

O caracol é um ser de contraste frente a velocidade e dinamismo exigidos na pré-pandemia, vivamos enfiados em cursos, reuniões, academia, horas extras, ninguém tomaria os caracóis como exemplo de evolução, embora haja beleza matemática na forma de suas conchas, caracóis não tem pressa, lhes falta dinamismo, virtude que é essencial aqueles que vivem no mundo moderno. 

O mundo do trabalho foi o que sofreu o maior impacto, milhões de pessoas ficaram sem seus empregos, mudanças estão ocorrendo, tais como quem pode trabalha em casa.

Na forma dos caracóis que carregam suas casas e seu trabalho sobre as costas, estamos trabalhando em casa, pelo menos para aqueles profissionais cujo emprego não exige presença física em um local específico. Quem pode está aprendendo a viver e trabalhar em suas próprias casas, no chamado home office, a impressão é que nosso tempo atual rende mais do que antes, estamos aprendendo um novo formato de harmonização, o trabalho remoto veio para ficar, pesquisas já apontam que somos mais produtivos trabalhando remotamente, ou seja, em casa, só é preciso disciplina e organização.

Ficar em casa, porém, é inviável para muita gente, o pão de cada dia é ganho com o suor do trabalho diário no mundo exterior. O mundo está em polvorosa, temos uma crise sanitária e uma crise econômico-financeira, porém sem controlar a crise sanitária, não tem como manter a economia girando e resolvendo a crise econômico-financeira, sem condições econômico-financeiras não temos recursos para lutar contra a crise sanitária e vivos e sem saúde não podemos trabalhar. Muitos que não tem o que comer são obrigados a sair em busca do pão e correr o risco de morte pela contaminação do vírus, vivemos numa pedagogia da sobrevivência, vivemos literalmente num paradoxo mortal.

Mudanças estão sendo feitas na forma de deslocamentos, locomoção, convivência, porem entramos num ambiente ainda muito incerto, os problemas são cada vez mais complexos, será necessário apoiar-nos uns nos outros e confiar na inteligência colaborativa, as soluções estão nas diversidades, nas diferentes perspectivas pensadas por pessoas diferentes que pensam diferente, afinal como já disse antes: “pessoas precisam de pessoas”.

Neste ano sabático, muitos tiveram de se reinventar, muitos pensaram a respeito do que tinham a oferecer, o resultado desta avaliação é a pedra angular para reconstrução de seu trabalho, construir sua própria proposta de reinvenção, pensar a respeito de suas habilidades. A partir desta avaliação crítica serão estabelecidos os objetivos para o futuro, no futuro bem próximo o mundo não será como antes da pandemia, e será necessário o empoderamento das pessoas, para que se reinventem de acordo com as necessidades que o futuro do trabalho impõe. Uma questão abordada por empresas de grande porte é a robotização da mão de obra, logo é urgente pensar a respeito de nossas habilidades para este fururo muito próximo.

Neste ano sabático, ficou evidente o fato que o ser humano não pode ser entendido sem o trabalho e o trabalho, em si mesmo, reflete a condição humana, esta é uma relação pré-determinada entre o ser humano e o trabalho, entendido quase que como uma missão existencial, o trabalho é determinante na vida do ser humano como podemos ver ao longo da história, a consciência que o homem tem de desempenhar na vida uma tarefa concreta e pessoal, derivada de seu caráter único e ir-repetível, estabelece uma relação de valor e importância vitais a sua sobrevivência, relegando o valorizado status de “homem trabalhador”.

Diariamente agimos repetitivamente, deitamos, dormimos, acordamos, tomamos banho, desjejum, pegamos condução para o trabalho, trabalhamos muitas vezes fazendo a mesma coisa, tudo parece a mesmice de cada dia, mas não é, e nem por isto devemos nos sentir alienados, como bom heráclitiano, Heráclito de Éfeso diria que a cada instante nós mudamos e já não somos os mesmos, nem orgânica, nem intelectualmente, a metamorfose é parte de nossa evolução, estamos todos numa caminhada onde as paisagens mudam o tempo todo, basta ter os sentidos aguçados pelo bom humor,  empatia e gratidão pelo simples fato de estar vivo! 


Me veio a memória uma passagem de um dos melhores livros que li e reli, trata-se do livro Cem Anos de Solidão escrito pelo colombiano Gabriel Garcia Márquez, e jamais poderei me esquecer do personagem do Coronel Aureliano Buendia, nesta memória há uma pitada de angustia, o coronel trabalhava em home office, ele vivia fazendo repetidamente peixinhos de ouro, ele fazia e vendia os peixinhos de ouro por uma moeda de ouro, esta moeda recebida em pagamento era derretida e dela era feito outro peixinho de ouro, ele seguia diariamente nesse círculo vicioso, ele veio a morrer sozinho.

O trabalho do coronel era uma tarefa diária onde o principal valor na sua repetição estava no ato de “fazer”, vejo a decisão dele como uma forma dele se negar a viver num vazio depressivo, optou por executar uma tarefa com afinco e habilidade artística, tornando a tarefa um fazer humanizado, saiu da esfera do instinto. Entendo que repetição e rotinas funcionam como ancoras de referência neste mundo, sem referências seriamos como pandorgas sem rabo, sem rumo e sem direção. A luta diária dos homens na busca do vil metal em forma de moedas nas mãos do coronel se transformavam em magníficos ornamentos tendo agregado valor a algo que era apenas um agente de preço e discórdia. Acredito que esta forma de ver as coisas do mundo venham junto com a sabedoria da idade, por que não olhar os caracóis como agentes de sabedoria, assim com o mesmo olhar Rubem Alves.

A rotina diária do trabalho na busca do vil metal é na verdade a busca pelo pão que irá alimentar e garantir sobrevivência, é a busca diária do ser humano como pessoa humana não apenas em sua individualidade, mas como o ser em sua humanidade, ligando-o a todas as pessoas e seu ambiente por meio de seus direitos inalienáveis a vida, o ser humano depende de ser humano para se constituir em uma relação social garantindo a sobrevivência material e social da espécie civilizada.

Me permitam uma nota de roda pé: Trata-se de uma relação de dignidade, saber a diferença entre valor e preço é necessário para entender o conceito de dignidade, pois coisas têm valor, isto é, preço; a pessoa humana tem dignidade, tem valor, mas não tem preço, isto, independentemente de qualquer fator que tenhamos rotulado, seja ele, econômico, psíquico, físico ou social que se possa utilizar para demarcar a pluralidade humana na qual ninguém foi, é ou será igual a outra pessoa. Nisto consiste não a alteridade (a diferença entre pessoas e coisas ou entre coisas), mas a outredade, isto é, a diferença existencial que nos giza, e por isso todos temos dignidade, e não um preço.

A vagareza a nós imposta na pandemia não é a vagareza da negligência, é a vagareza daqueles que estão privados de sair ao mundo em busca do pão, a estes que sofrem sem o alimento na mesa, a vagareza é letal, neste caso, a celeridade nas ações sociais são extremamente necessárias, não há outra maneira de sobreviverem a crise que atingiu o planeta, a ajuda é o resgate da dignidade humana, vidas não tem preço. 

As vagarezas dos caracóis podem ter uma leitura de prazer, trabalhar com prazer, é andar devagar e ver a beleza nos “entretantos” e a importância da caminhada, sem ter pressa para chegar aos “finalmentes”, pois se formos rápidos demais e chegamos aos “finalmentes” sem ter visto a beleza da caminhada, como disse Riobaldo, do Grande sertão: veredas, concordaria e acrescentaria: “O real não está na saída nem na chegada: ele dispõe para a gente é no meio da travessia”. 

Já pensou que andar depressa seja apenas uma fuga?

Fontes:

ALVES, Rubem. A pedagogia dos caracóis. Campinas, SP: Verus, 2010.

HAMMITZSCH, Horst. O Zen na Arte da Cerimônia do Chá. Tradução de Alayde Mutzenbecher. São Paulo: Ed. Pensamento, 1993.

MÁRQUEZ, Gabriel Garcia. Cem anos de solidão. Tradução de Eliane Zagury. 67ed.-Rio de Janeiro: Record, 2008

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Assim Falava Zaratustra. Tradução Ciro Mioranza. São Paulo: Editora Escala, 2.edição.

ROSA, João Guimarães. Grande Sertão: Veredas. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.