Cidade de Rio Grande Navio naufragado Altair
Falar de Rio Grande é falar do mar...antes um pouco da história da cidade.
Cidade histórica do litoral sul do Estado do Rio Grande do Sul, cidade mais antiga do estado, fundada em 1737, único acesso da costa marítima, local onde Portugal fez irradiar o povoamento, permitindo a infiltração de seus súditos, colonos provenientes das ilhas de madeira e açores chegados na década de 1750. Por aqui passaram espanhóis, dominando o povoado por 13 anos, somente retornando ao domínio português em 1776. Em 1835, a Vila de São Pedro, passou a denominação de Cidade do Rio Grande. Com a Revolução Farroupilha, Rio Grande retornou à condição de Capital da Província, devido a transferência da Sede do Governo Imperial de Porto Alegre, ameaçada pelos Farroupilhas para o município. Cidade antiga, com arquitetura luso-brasileira, de diferentes sensibilidades e períodos, suas casas sem pátio frontal, pé direito alto, salas que dão direto para a rua, seus telhados cerâmicos, edificadas no alinhamento predial. Caminhar em suas ruas é caminhar no palco da história brasileira, o porto velho com seus antigos armazéns, a Rua Riachuelo, Rua Mal. Floriano, Rua Bacelar, Rua Benjamin Constant, ainda hoje em sua arquitetura carregam muito de nossas memórias. A cidade possui um vasto Centro Histórico com tradição pesqueira, contando com inúmeras construções históricas, museus e antigas praças, com o canal que liga a Lagos dos Patos ao Oceano Atlântico. Para este Riograndino que nasceu e ali viveu por muitos anos, tem aquele solo como um solo sagrado, local em que obtive minha educação e início de uma vida repleto de recordações, boas e algumas nem tão boas assim. Infância enfrentando as dificuldades e durezas da época, alegrias de criança com brincadeiras, como jogar bolita, pega ladrão, futebol na rua de pé descalços, pés sujos pela terra preta, depois a briga da mãe para tomarmos banho, os tamancos de madeira de cepo, o suco de groselha. Lembro de nossa casa de madeira, com quatro peças, das latas de leite ninho, da pequena geladeira onde colocávamos a barra de gelo que eu saia para comprar e trazia o gelo na sacola. O cheiro do mar que impregna toda a cidade, impregna todo o ambiente, o cheiro do mar que eu gosto muito, o vento que sempre sopra, hora é como um beijo, hora é como um gigante que envolve e empurra, hora é um vento escarninho da vida, hora é um vento travesso, nem ventania, nem brisa, como já disse sopra como um beijo que arrepia. Olhar o mar é sempre alegria, seu tom esverdeado na beira, seu céu azul ao fundo, as espumas brancas lambendo a maior praia do mundo em extensão, Cassino uma praia que parece ser infinita, praia onde caminhava por horas, desbravava solitário um bocado de quilômetros com minha bicicleta para pescar cada vez mais longe, além do navio naufragado Altair, mar de muito peixes estranhos, aprendi a amar aquele mar, lá onde passei a gostar da solidão e do silêncio, a gostar do vazio e da sensação de liberdade, a gostar da sensação de estar num outro mundo, a gostar e apreciar minha própria companhia, o mar tem isto, ele o tempo todo nos lembra que somos pequenos, ele o tempo todo nos diz que ele é maior que a terra, mar das festas para Iemanjá. Mar de festas, alegrias e também de despedidas, mar que levou muitos amigos, mar que merece admiração e muito respeito. Trago em memória as corridas de bicicleta na praia do Cassino, a revoada das gaivotas, dos bandos que povoam aquela praia, as asas brancas levantando voo em sua agitação era tudo muito maravilhoso, me sentia parte daquela natureza. A primeira vez que passei um aperto no mar foi quando senti caibras no canal do porto novo, não gritei, nem pedi socorro, procurei manter a calma até chegar em ponto seguro no clube Regatas, foi um susto para me impor respeito e aprendizado pela experiência, o mar é mestre e professor educando com rigor. Gostei de nadar no Clube Regatas e no Honório, de lá tenho lembranças que me aquecem o peito, na época curtia a suavidade do mar e suas marolas. Este mar que foi meu professor, aprendi a nadar nas aguas do saco da mangueira, lá fizemos pescarias de miragaias, lembro dos banhos gelados no inverno no arroio bolaxa, dos passeios de vagoneta e das pescarias nos molhes da barra, uma das maiores obras de engenharia oceânica do mundo, com suas gigantescas pedras que avançam mais de 4 km mar adentro, das nossas atiradas de cima da ponte dos franceses, coisa que hoje não teria mais coragem, quando jovens somos mais corajosos e imprudentes, quando jovens vivemos num misto de coragem e imprudência, vivemos na idade da energia e excitação causados pelo perigo, gostamos de viver emoções intensas, não pensamos na morte, a morte parece estar muito distante, só lembramos que existe quando perdemos alguém. Lembro das gazeadas de aula para nadar em suas aguas, levava para casa o cabelo duro pelo salitre, chegava preparado para repreensão da mãe e do pai, nunca consegui ludibriar os olhares perscrutadores deles, ainda bem que não aprendi a ser dissimulado, além disto depois sentia um remorso imenso por ter “matado a aula”, porem as boas notas na escola me animavam e assim era quase inevitável prescindir ao encantos e chamados do mar, o cheiro do mar é inebriante, não nos deixa esquecer que ele está ali muito próximo, o mar sempre falava muito alto, a paixão e o amor pelo mar sempre me falaram muito alto, quem é Riograndino sabe disto, lá se aprende muitas histórias do mar, lá se aprende as histórias da realidade, a história está constantemente presente em nossas vidas, nos sentimos como velhos pescadores. Rio Grande cidade com solo arenoso e de ventos sempre presentes ganhou dos pelotenses no século XIX a alcunha gentílica de papareia! Sou papareia com orgulho, orgulho de ter a certeza de possuir as qualidades de ser um Riograndino, foram as experiências do passado que me conduziram a este presente, que me fez forte e resiliente para continuar evoluindo e ultrapassando os obstáculos. Torcedor do Sport Clube São Paulo, o leão do parque, rubro-verde com cem anos. Viver numa cidade litorânea, viver na praia é o sonho de muita gente, viver em Rio Grande é um misto de cidade grande (mais de 2700km2 com mais de 200mil habitantes já é grande e com muita gente) com a proximidade da praia, o cheiro do mar não nos deixa esquecer que ele está ali bem pertinho, o apito dos navios atracando, porem lá nem sempre é verão, lá rola aquele inverno gaúcho de renguear cusco, mas para quem ama o mar o frio que tem por lá é para nos lembrar que estamos vivos, tudo para melhorar nossa saúde mental e nosso humor. Porque não escrever sobre memórias, escrever é registrar, registrar é a ferramenta para superar a memória fugaz, a memória foge porque é veloz, para existir a memória desocupa o lugar das coisas velhas e as guarda em algum lugar, e assim ela age para dar espaço as coisas novas. Com a chegada da velhice lutamos a luta dos jovens que é esquecer a memória recente por ser um mecanismo para guardar mais informações, e lutamos a perda da memória das coisas mais distantes, como algo que vamos nos afastando, vamos criando enchimentos para as lacunas que vão ficando, vamos recheando com memórias que se encaixam com a ideia que temos sobre nós. O mar neste torvelinho de memórias, é algo que não sabemos explicar, explicar um sentimento as vezes não há palavras, como explicar o inefável, só sei que na memória ou na presença dele, sinto que ele me resgata de mim, o mar sempre dá um jeito de me lembrar de quem eu sou em minha pura essência, um eterno papareia, uma memória idílica e etérea, um passado que as vezes se tem vontade de voltar.
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