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quarta-feira, 5 de maio de 2021

Rilke num romance único: Prosa, Poesia e Filosofia

 


Rainer Maria Rilke foi um poeta de língua alemã do século XX mais conhecido no Brasil, é um poeta que exerceu forte influência sobre diversos autores e, inclusive, filósofos como Jean-Paul Sartre. O único romance escrito pelo poeta são “Os Cadernos de Malte Laurids Brigge”, são reconhecidos por muitos como uma das inspirações para o movimento existencialista e expressionista.

Para quem leu Nietzsche sabe o quanto ele influenciou a obra de Rilke, inclusive eles tiveram uma mesma musa como amor em suas vidas: Lou Salomé, uma jovem mulher com pensamentos de vanguarda, uma mulher que viveu sua vida com extrema liberdade, além do que era comum na época; ela foi um ícone para a mulher livre do século XX; ela também conheceu Freud e imediatamente se viciou em psicanálise; através destes relacionamentos ela se tornou psicanalista e seu pensamento combinou psicanálise freudiana com a filosofia de Nietzsche, mas aqui já é outra história.

O livro é uma mistura heterogênea de prosa, poesia, filosofia, com conteúdo denso, para quem já leu algo de Sartre como A náusea terá maior desenvoltura na leitura. Sua escrita parece fluir dentro de um fluxo mental, discorrendo diálogos com os personagens sem prévia apresentação dos mesmos, pois a construção tem sua força nas reflexões filosóficas complexas tais como: a busca pela sua individualidade, o que é a vida, a morte, a capacidade de enxergar seus sofrimentos e angustias – contem também metáforas instigantes.

O livro é um romance autobiográfico, escrito num período que ele viveu na bela Paris, descreve cenas com beleza e sensibilidade de um poeta, vale a pena, é um livro curto, porem sua densidade nos exige uma leitura atenta. Ele deixa claro sua paixão pela leitura e escrita, não tem como não ficar impressionado com a apologia pela escrita.

Trechos do livro:

"[...] não temos o direito de abrir um livro se não nos comprometemos a ler todos. A cada linha tirávamos um pedaço do mundo. Antes dos livros ele estava intacto, e talvez esteja inteiro outra vez depois deles.

– Na vida não há classes para iniciantes; o que se exige de uma pessoa logo é sempre o mais difícil.

Quando se fala do solitário, sempre se pressupõe demais. Acredita-se que as pessoas saibam do que se trata. Não, não sabem. Nunca viram um solitário, apenas o odiaram sem conhecê-lo. Elas foram os vizinhos que o irritaram e as vozes no quarto ao lado que o tentaram. Açularam os objetos contra ele para que fizessem barulho e falassem mais alto que ele. As crianças se aliaram contra ele quando era delicado e criança e, à medida que crescia, crescia contra os adultos. Farejaram-no em seu esconderijo como se ele fosse um animal que pode ser caçado, e durante sua longa juventude não houve período em que a caça fosse proibida. E quando não se deixava esgotar e fugia, elas gritavam contra aquilo que provinha dele e diziam que era feio e suspeito. E se não dava ouvidos, elas se tornavam mais claras e comiam sua comida, esgotavam seu ar, cuspiam na sua pobreza para que se tornasse repulsiva para ele. Elas o difamavam como a um ser contagioso e atiravam pedras atrás dele para que se afastasse mais depressa. E o velho instinto delas tinha razão: pois ele era realmente seu inimigo. Quando, porém, ele não levantava os olhos, elas refletiam. Suspeitavam que faziam a sua vontade ao fazer tudo aquilo; que o fortaleciam em sua solidão e o ajudavam a separar-se delas para sempre. E então mudavam de atitude e empregavam o último recurso, o mais extremo, a outra resistência: a fama. E com um barulho desses, quase qualquer pessoa levanta os olhos e se distrai.

Rilke é o mesmo autor de Cartas a Um Jovem Poeta, um livro pequeno muito interessante, também vale a pena ler.

Fonte:

Rilke, Rainer Maria, 1875-1926. Os cadernos de Malte Laurids Brigge; tradução e notas de Renato Zwick – Porto Alegre, RS: L&PM, 2010 208p

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