Era meia noite, ainda estava acordado, não é novidade, agora mais velho, durmo menos, durmo quase acordado, eventualmente sono profundo. Com o frio chegando, gelando o outono, as cobertas são convidativas, o livro companheiro na cabeceira, vai e vem até findar a leitura, as vezes até dois, assim serve para exercitar a memória que ao chegar da idade vai se esvaindo, o tempo é cruel com o passar dele, as coisas vão ficando distantes, as vezes é até preciso preencher as muitas lacunas. Ouço a cachorrada latindo ao ver o movimento dos gatos no telhado, o meu está junto tirando o sono da vizinhança, assim é a vida do gato, andar e vagar na noite, clara ou escura, fria ou quente, o gato está sempre por lá agitando a madrugada, carregando a herança selvagem. Ele um serzinho da noite, dorme de dia, vive atendo a noite, fazendo suas travessuras, seus saltos atléticos, seus miados estranhos, uma linguagem de miadez que aprendemos a distinguir por nossa convivência, nós nos entendemos e conhecemos pelo tom da voz da fala e miados. A noite fria do outono antecipando o que está por vir no inverno, as noites mais longas, os dias com claridade curta, o frio, a chuva, o aconchego do lar, o aconchego das roupas de inverno, a noite a melhor coisa e nos enfiarmos no casulo morno da cama, privilégio dos residentes no sul. Recordo as noitadas de chás dos escoteiros, evento anual, reunindo as famílias e amigos, uma grande multidão, chá a vontade, vários sabores, bem quentes, bolos e salgados, sorteios de quinquilharias, brincadeiras e apresentações de peças, danças e música, todo mundo misturado, conversando como se todos se conhecessem. Os vidros das janelas embaçados pelo calor interno, o frio e cerração lá fora, congelando até o vidro dos carros, coisas do outono, que venha o inverno, com ele virá o pinhão, o quentão, o eterno amigo chimarrão, o fogão a lenha, o blusão, as meias de lã, todo mundo junto, coisa que estamos saudosos, saudosos do calor humano, da aproximação que nos humaniza, será mais um inverno difícil de engolir, quem sabe na primavera estejamos mais autorizados a nos agrupar e festejar estes quase dois anos de abstinência de gentes. Gosto do outono com sua temperatura agradável, na maioria dos dias nem quente, nem frio, agradável ao ponto de estimular aquele dormitar sentado na tentativa de ler um livro, dá até para vislumbrar num relance algumas lembranças no subconsciente, lembranças de um futuro, se é que seja possível ter lembranças de um futuro, já que não se fazem mais futuro como antigamente, como diz a letra de uma música que não lembro, “darei ao meu futuro um presente, um álbum repleto de recordações, de lutas por um mundo diferente”.
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