A expressão "a bruxa está à solta" invoca uma atmosfera de caos, algo difícil de prever, uma revolta silenciosa que toma as ruas ou mesmo a vida pessoal. Ela sugere que forças invisíveis estão em jogo, moldando circunstâncias e humores sem que possamos facilmente entender o porquê. Parece apropriado trazer uma análise filosófica para essa ideia – porque a expressão já carrega em si a noção de que a realidade visível pode não ser tudo o que está acontecendo.
A bruxa, historicamente, representa tanto o poder
oculto quanto a resistência ao poder estabelecido. Por isso, quando se diz que
“a bruxa está à solta,” pode ser que estamos sentindo no ar as tensões do que
foi reprimido, das verdades ditas entre dentes, dos sentimentos sufocados que
procuram um modo de escapar. A filósofa francesa Simone de Beauvoir uma vez
disse que as mulheres eram “os outros” de uma sociedade dominada por um
“sujeito” masculino; se a bruxa é um símbolo desse “outro,” então sua soltura é
também um ato de resgate do que foi marginalizado.
Em termos existenciais, a ideia de que há uma
"bruxa solta" nos confronta com nossos medos inconscientes e nossas
zonas de sombra. Jung já falava da sombra como tudo aquilo que escondemos ou
reprimimos – mas que, cedo ou tarde, precisa vir à tona. Talvez “a bruxa à
solta” não seja apenas um símbolo de algo externo, mas de uma parte de nós
mesmos que precisa ser confrontada. As angústias que escondemos, os desejos que
não realizamos, os sonhos que abandonamos podem se personificar na “bruxa,” e,
quando solta, ela é o reflexo do que evitamos, mas que sempre volta de maneira
quase imprevista.
É interessante pensar em como essa expressão se
aplica às tensões da vida moderna. Em momentos de crise, a bruxa parece tomar
as ruas, as mídias sociais, as rodas de conversa, espalhando uma espécie de
mal-estar coletivo. Há algo que fica solto – seja a raiva, o ressentimento ou
mesmo o medo. Slavoj Žižek, filósofo esloveno, diz que o medo e a incerteza nas
sociedades contemporâneas muitas vezes resultam da falta de estruturas estáveis
e de significados duradouros. Quando essas estruturas falham, o que se solta é
um ressentimento reprimido, uma energia caótica que busca expressar aquilo que
a razão não pode explicar.
No fundo, a “bruxa à solta” talvez seja também uma
advertência sobre nossa necessidade de lidar com os mistérios do humano, com
aquilo que ultrapassa o entendimento fácil e que, muitas vezes, tentamos
racionalizar e controlar. Ela lembra que nem tudo na vida pode ser domesticado
e que parte do crescimento humano vem justamente de enfrentar o inexplicável e
o que, dentro de nós, se recusa a obedecer as ordens da lógica.
Portanto, “a bruxa está à solta” pode ser um
convite para encarar de frente o desconhecido, aquele caos que não conseguimos,
nem devemos, reduzir a uma ordem fácil e superficial. Ela nos diz para
respeitar o mistério, entender que há forças incontroláveis, tanto no mundo
quanto em nós mesmos – e que, por mais incômodo que seja, essas forças também
são parte do que nos torna completos.