O que Escolhemos Não Ser
Outro
dia, observando uma vitrine qualquer, me peguei imaginando como seria minha
vida se tivesse escolhido outra profissão, outro lugar para viver, outra forma
de ser. É um pensamento comum, mas que logo desvia para um território pouco
explorado: não apenas o que poderia ter sido, mas o que escolhi não ser.
Nosso
tempo é obcecado pela identidade. Livros de autoajuda, discursos motivacionais
e até o algoritmo das redes sociais giram em torno da ideia de descobrir quem
você é. Mas e se, ao invés de perguntar "quem sou eu?",
perguntássemos "quem não sou?" ou "quem escolhi não ser?" A
identidade pode não ser apenas aquilo que abraçamos, mas também o que
rejeitamos – e é essa sombra, esse rastro de vidas não vividas, que nos molda
silenciosamente.
A
Identidade Negativa
A
identidade, como geralmente pensamos, é construída por afirmação: "sou
isso", "faço aquilo", "acredito nisso". Mas ela também
se forma por negação: "não sou isso", "nunca faria aquilo",
"jamais acreditaria nisso". Desde pequenos, traçamos limites
invisíveis entre aquilo que aceitamos ser e o que deixamos para trás. Cada
escolha não é apenas um caminho seguido, mas um leque de possibilidades
descartadas.
Esse
fenômeno fica evidente em decisões grandes, como a escolha de uma carreira. O
médico que nunca foi músico. O professor que jamais foi atleta. O advogado que
poderia ter sido cineasta. Mas ele também está nas pequenas escolhas do dia a
dia. O "não vou responder essa provocação". O "não quero ser
essa pessoa".
Seríamos
capazes de definir uma vida inteira apenas pelo que uma pessoa não foi? Talvez.
Pense em alguém que passou a vida fugindo de conflitos, rejeitando riscos,
evitando envolvimentos. Essa identidade negativa moldou sua existência tanto
quanto qualquer decisão afirmativa.
A
Sombra e o Eu
Carl
Jung falava da "sombra" como o lado oculto da psique, aquilo que
reprimimos ou negamos em nós mesmos. Mas aqui, a ideia da sombra vai além do
inconsciente. Não se trata apenas de desejos reprimidos, mas de tudo aquilo
que, consciente ou inconscientemente, deixamos de ser.
Toda
escolha carrega uma perda. Ao decidir seguir um caminho, não apenas escolhemos
um destino, mas deixamos de trilhar todos os outros. Será que nossa sombra –
esse espectro de vidas não vividas – se acumula silenciosamente, nos observando
de longe?
Se
sim, como lidar com ela? Alguns vivem atormentados pelas possibilidades que não
seguiram, sentindo-se aprisionados pelas decisões tomadas. Outros fazem as
pazes com suas sombras, reconhecendo que são parte essencial do que são.
O
Peso das Escolhas
Nietzsche
dizia que deveríamos viver de forma a desejar o eterno retorno: escolher cada
ato como se fôssemos repeti-lo infinitamente. Mas essa perspectiva pode ser
angustiante. Afinal, como ter certeza de que nossas escolhas são as certas?
Talvez devêssemos perguntar não apenas o que escolhemos ser, mas o que
escolhemos não ser – e se essa sombra é um peso ou um alívio.
Na
vida, nunca seremos tudo o que poderíamos ter sido. Mas talvez seja justamente
essa ausência que dá forma ao que realmente somos.