Estava eu na fila do supermercado, segurando um pacote de macarrão e um molho de tomate, quando percebi que não sabia qual molho escolher. Parecia simples: molho com ervas finas ou tradicional? Não era uma questão de vida ou morte, mas ali, com o carrinho bloqueando o corredor e as pessoas passando impacientes, senti o peso de uma escolha absurdamente banal. Fiquei pensando: por que hesitei tanto? Será que estava adiando a decisão por preguiça ou por medo de errar? A questão me acompanhou até em casa, enquanto cozinhava, e me levou a refletir sobre algo maior: por que, às vezes, retardamos até as decisões mais simples? O que esse "tempo de espera" revela sobre nós?
Às vezes, o momento de decidir parece escorregar
por entre os dedos. Não porque faltem opções ou que o cenário seja turvo, mas
porque algo dentro de nós hesita. A escolha retardada é mais do que
procrastinação; é uma espécie de intervalo deliberado, um espaço que se abre
entre o impulso de decidir e a execução da decisão.
A Espera como Escolha
Podemos pensar na escolha retardada como um
paradoxo: a suspensão da decisão é, em si mesma, uma forma de decidir. Ao não
optar, deixamos o tempo agir sobre as possibilidades. Kierkegaard, o filósofo
dinamarquês, dizia que "a vida só pode ser compreendida olhando para trás,
mas deve ser vivida olhando para frente". A escolha retardada, nesse
sentido, revela um tipo de medo – o de fixar-se em um caminho e, assim,
renunciar a todos os outros.
Na prática cotidiana, quem nunca ficou paralisado
em frente a um menu de restaurante? Parece trivial, mas ali há algo profundo:
uma angústia de escolher entre um prato que saciará a fome e outro que trará
prazer. A decisão parece simples, mas, no fundo, ecoa nossa incapacidade de
lidar com o definitivo.
O Tempo como Agente
A escolha retardada também pode ser interpretada
como um convite ao tempo. Nietzsche, em Humano, Demasiado Humano, argumenta que
muitas vezes o tempo é o melhor conselheiro. Ao retardar uma decisão,
permitimos que camadas de compreensão se formem, como sedimentos no fundo de um
rio. Essa espera pode evitar que sejamos reféns de impulsos ou emoções
passageiras.
Mas e quando o tempo não esclarece, apenas amplia a
dúvida? O problema da escolha retardada está no risco de que ela se torne
eterna. Em um mundo onde agir é essencial – para garantir uma vaga de emprego,
salvar uma relação ou atravessar uma rua – a hesitação pode ser fatal.
Escolha e Autenticidade
Heidegger, no seu conceito de angústia, fala sobre
como a possibilidade de escolha nos coloca frente ao nosso próprio ser. Adiar
uma decisão é muitas vezes adiar o confronto com quem somos ou com o que
queremos ser. A escolha retardada nos coloca em um limbo: somos, mas não nos
comprometemos. Queremos manter todas as portas abertas, como se a liberdade
residisse na manutenção do possível, e não no ato de decidir.
Quando a Escolha se Impõe
Há momentos em que a vida não permite mais
retardos. Uma doença, uma emergência ou um ultimato nos forçam a agir, às vezes
sem o tempo necessário para reflexão. Nessas ocasiões, vemos como a escolha
retardada pode ser uma armadilha. Ela dá a ilusão de controle, mas, no fundo,
nos entrega ao acaso.
A filósofa brasileira Marilena Chaui comenta que o
ato de decidir é um exercício de liberdade. Mesmo na dúvida, mesmo na angústia,
a escolha é um ato de coragem – um salto no vazio, como diria Sartre, mas um
salto necessário para a construção de si.
O Limite da Retarda
A escolha retardada pode ser uma pausa estratégica, uma forma de dar espaço ao tempo e à reflexão. Contudo, ela não pode se tornar o padrão de vida. O preço de retardar indefinidamente é alto: a inércia, o arrependimento e a sensação de que a vida acontece à nossa revelia. Decidir é, em última análise, viver. Mesmo que a escolha traga perdas, ela também traz movimento – e é no movimento que encontramos nosso propósito.