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domingo, 13 de outubro de 2024

Maktub

Há uma palavra de origem árabe que carrega em si uma profunda carga filosófica: maktub. Ela pode ser traduzida como "está escrito", mas seu significado vai muito além da simplicidade literal. Quando alguém diz "maktub", o que realmente se sugere é que certas coisas estão destinadas a acontecer, como se o destino já estivesse traçado de antemão, mesmo antes de tomarmos qualquer decisão. A expressão tem um tom de aceitação, uma rendição diante da grandiosidade do universo e do inevitável.

Link da música “Maktub II” de Marcus Viana:

https://www.youtube.com/watch?v=pfi17PzXVQo&list=RDMMZ3AJFx6-vUA&index=34

O Destino e a Autonomia

Está escrito — mas o que isso significa para nossas vidas cotidianas? Parece um conceito que desafia a ideia de autonomia, algo que nós, modernos, tanto prezamos. No mundo contemporâneo, falamos muito sobre fazer escolhas, sobre trilhar o próprio caminho e moldar nosso destino. Afinal, não é essa a premissa da meritocracia, das metas pessoais, dos sonhos que corremos atrás? E, no entanto, maktub nos convida a pensar: há uma ordem oculta que já definiu certos encontros, desencontros e reviravoltas da nossa trajetória?

Imagine que você saiu de casa atrasado e, por acaso, encontrou alguém que não via há muito tempo. Aquele breve atraso, que parecia ser um revés, na verdade levou você a um momento único. Ou, quem sabe, ao perder um emprego que parecia ser o alicerce da sua carreira, você tenha sido forçado a redescobrir talentos que estavam adormecidos. Será que esses acontecimentos fortuitos são apenas acasos, ou existe uma "escrita" invisível nas entrelinhas do tempo?

O Desconforto da Imprevisibilidade

É curioso como a ideia de maktub tanto nos reconforta quanto nos inquieta. Reconforta porque, diante dos fracassos e perdas, podemos nos consolar com a noção de que está escrito. Talvez, afinal, aquilo não fosse para ser. Mas também nos inquieta, porque, se tudo está de alguma forma predestinado, onde fica o livre-arbítrio? Somos, então, apenas passageiros em um trem cuja rota já está definida?

Há um certo alívio em pensar que não estamos no controle de tudo, mas também um desconforto. Pense naquelas vezes em que você sentiu que fez "tudo certo", seguiu o caminho esperado e, ainda assim, as coisas não saíram como planejado. Nesses momentos, a sensação é de impotência. É como se o universo nos dissesse: "Você pode lutar, mas o que está escrito, está escrito."

Paulo Coelho e o Alquimista

Esse conceito de maktub ficou bastante popular no Brasil através de Paulo Coelho e sua obra O Alquimista. Na história, o jovem Santiago busca incessantemente por um tesouro e encontra várias figuras que o ajudam ou testam durante a jornada. Coelho enfatiza que o universo conspira a favor daqueles que seguem seus sonhos, mas ao mesmo tempo sugere que certos encontros e experiências estão, de certa forma, predestinados. Ao longo da trama, os personagens frequentemente repetem: "Maktub." O que tinha de acontecer, aconteceu. E tudo isso contribui para um propósito maior, ainda que incompreendido em certos momentos.

A Perspectiva Filosófica

Na filosofia, muitos pensadores refletiram sobre o papel do destino e do livre-arbítrio. O filósofo grego Heráclito, por exemplo, dizia que o caráter de uma pessoa é seu destino — ethos anthrôpos daimôn. Em outras palavras, aquilo que somos internamente molda o caminho que seguimos. Mas e quando o caminho parece alheio a quem somos ou ao que planejamos? Talvez a resposta esteja em aceitar que há uma dança constante entre a vontade pessoal e as circunstâncias que nos são impostas pela vida.

O filósofo brasileiro Mário Ferreira dos Santos aborda o tema do destino de forma profunda. Para ele, o destino não é algo imutável, como uma linha reta que seguimos sem desvios, mas sim um conjunto de possibilidades dentro de um grande jogo cósmico. Em seu livro Filosofia Concreta, ele sugere que somos co-criadores de nosso destino, não seus escravos. Há uma ordem, sim, mas ela é flexível o bastante para que nossas escolhas possam, de algum modo, interferir.

O Papel da Aceitação

Em última instância, talvez o que maktub nos ensine seja a arte da aceitação. Não uma aceitação passiva, mas uma aceitação que nos permita continuar seguindo em frente, mesmo quando o caminho parece estranho ou inesperado. Não se trata de desistir ou de não lutar por aquilo que queremos, mas de reconhecer que algumas forças estão além de nosso controle. E que, ainda assim, podemos fazer o melhor com o que temos.

No fim das contas, o conceito de maktub nos lembra que, mesmo que tudo pareça incerto, as coisas têm uma ordem subjacente. Às vezes, essa ordem só se revela com o tempo. O que hoje parece uma perda ou um desvio inesperado pode, amanhã, revelar-se como parte essencial da nossa jornada. Afinal, como diz o ditado popular, “Deus escreve certo por linhas tortas.”

Maktub. Está escrito. Mas também cabe a nós decifrar as palavras ocultas desse texto que é a vida.