Às vezes, o preconceito mais silencioso é aquele que se disfarça de virtude: o preconceito contra o preconceito. A frase soa quase como um jogo de palavras, uma pegadinha lógica, mas esconde um dilema sutil que atravessa nossos dias sem que percebamos. Vivemos numa época que se orgulha de ser inclusiva, aberta e tolerante – e isso, claro, é um avanço civilizatório. O problema é que, na ânsia de combater velhos vícios, corremos o risco de cair numa armadilha moral: excluir quem ainda não se libertou dos seus próprios preconceitos.
O
cenário é fácil de visualizar. Na mesa do bar, alguém solta uma opinião
atravessada, meio fora de moda. A reação é instantânea: olhos revirados, um
silêncio constrangedor ou até uma correção pública embalada numa superioridade
educada. A intenção pode ser legítima – ninguém quer deixar o racismo, o
machismo ou qualquer forma de discriminação passar impune. Mas, por trás desse
gesto, muitas vezes se esconde outro tipo de segregação, mais sutil: a crença
de que a pessoa que expressou aquela opinião já não merece mais consideração.
O
filósofo francês Michel de Montaigne, no século XVI, escreveu que “todo homem
carrega em si a forma inteira da condição humana.” O que ele queria dizer é que
todos nós, sem exceção, somos feitos da mesma matéria: falíveis,
contraditórios, aprendendo aos poucos. O preconceito não é só um defeito moral,
mas também um estágio na trajetória do pensamento. Condenar alguém apenas pelo
que ele pensa hoje é ignorar que a consciência também caminha – e nem sempre na
velocidade que gostaríamos.
O
preconceito contra o preconceito se manifesta, então, quando tratamos opiniões
desatualizadas como se fossem sentenças definitivas sobre quem as carrega. É
uma recusa em ver a possibilidade de mudança no outro. O curioso é que essa
atitude acaba sendo, ela mesma, uma forma de preconceito – só que travestida de
superioridade ética.
Isso
não significa que devamos tolerar tudo em nome da empatia. Há ideias que
precisam ser confrontadas, principalmente aquelas que negam a dignidade alheia.
Mas há uma diferença entre rejeitar a ideia e rejeitar a pessoa. O segredo
talvez esteja em fazer o que o psicanalista Donald Winnicott chamava de
“sustentação”: manter o espaço aberto para que o outro tenha tempo de crescer,
mesmo quando suas ideias nos incomodam.
No
fim das contas, o preconceito contra o preconceito talvez seja um reflexo da
nossa própria impaciência. Queremos tanto um mundo mais justo que esquecemos
que a justiça não se faz só com discursos corretos, mas também com gestos de
paciência, tolerância e confiança no tempo. Combater o preconceito sem cair na
armadilha da arrogância moral pode ser um caminho mais longo – mas talvez seja
o único capaz de levar a algum lugar.