Outro dia, numa conversa solta no cafezinho, alguém mencionou aquele colega do trabalho que "tem resposta pra tudo" e não aceita nenhum argumento que desafie suas convicções. Rimos, mas logo a conversa ficou séria: "Essas pessoas vivem num mundo próprio, né?" – alguém comentou. Pois bem, esse é o mundo do sectário.
O
sectário é aquele que se fecha dentro de uma bolha ideológica, religiosa ou
filosófica, sem permitir rachaduras por onde a dúvida possa entrar. Diferente
do cético, que questiona tudo, o sectário já tem sua verdade pronta e
inviolável. Ele não investiga, não pondera; apenas confirma o que já acredita.
É a mentalidade da trincheira, onde qualquer ideia contrária é vista como um
ataque pessoal.
O
Conforto da Certeza
A
mente sectária floresce no terreno do conforto. O mundo é um lugar confuso,
cheio de contradições e ambiguidades. Para muitos, isso é angustiante. A saída?
Abraçar uma doutrina que explique tudo, sem brechas para questionamentos. Como
dizia Ortega y Gasset, "as ideias se têm; nas crenças se está". O
sectário não tem apenas ideias – ele habita suas crenças, como quem mora dentro
de uma fortaleza.
Isso
tem um efeito curioso: o sectário não pensa, apenas reage. Se lhe apresentam um
argumento contrário, sua resposta não é reflexão, mas defesa automática. É a
mente encapsulada, blindada contra qualquer experiência que possa desmontar sua
visão de mundo.
O
Medo do Desconhecido
A
raiz do sectarismo não é apenas orgulho ou teimosia, mas medo. Questionar
crenças profundas é como puxar um fio solto num tapete: há o risco de tudo se
desfazer. Assim, o sectário evita o contato com ideias diferentes e busca
apenas confirmações. Ele lê os mesmos autores, frequenta os mesmos círculos,
ouve as mesmas vozes. É uma forma de evitar a vertigem do desconhecido.
Platão,
na "Alegoria da Caverna", já falava disso: os prisioneiros
acorrentados na caverna não apenas desconhecem a luz do sol, mas temem sair
para vê-la. Melhor permanecer na segurança da penumbra do que enfrentar a
incerteza. O sectário é um desses prisioneiros, mas com um detalhe importante:
ele acredita que já viu a luz e que qualquer um que diga o contrário está
enganado.
O
Perigo do Sectarismo
O
grande problema do sectário não é apenas sua rigidez, mas o impacto que isso
tem sobre os outros. Ele se torna intolerante, agressivo e incapaz de diálogo.
O mundo, para ele, se divide entre "os que sabem" (ele e os seus) e
"os que estão errados" (todos os outros). O sectarismo é a raiz dos
extremismos, dos conflitos insolúveis e da fragmentação social.
Maurice
Merleau-Ponty dizia que "a verdade não está nem do lado de cá nem do lado
de lá, mas em um movimento de ir e vir". Isso é tudo o que o sectário não
quer: movimento. Ele quer solidez, quer certezas esculpidas em pedra. Mas o
pensamento verdadeiro não é uma rocha, e sim um rio: flui, se adapta, se
renova.
Um
Caminho para a Liberdade
O
antídoto para o sectarismo não é simplesmente aceitar qualquer ideia, mas
manter a mente aberta e curiosa. Reconhecer que toda verdade pode ser ampliada,
que toda certeza pode conter erros. É difícil, pois exige humildade e coragem –
coragem para sair da caverna e enfrentar a luz, mesmo que ela doa nos olhos.
O
sectário vive aprisionado em sua própria fortaleza mental. O que ele não
percebe é que, do lado de fora, existe um mundo muito maior, cheio de nuances e
possibilidades. E talvez, só talvez, sair dessa bolha não seja um risco, mas
uma libertação.