Imagine você, numa fila do supermercado, esperando para pagar suas compras. Enquanto isso, uma conversa surge entre as pessoas ao redor, e um tema filosófico inesperado aparece: "Como sabemos o que é verdade?". Pode parecer uma pergunta distante, mas, de fato, ela está presente em nosso dia a dia o tempo todo. A forma como respondemos a essa pergunta define nossas crenças, decisões e, claro, nossos debates internos. Vamos explorar como diferentes correntes filosóficas, que muitas vezes parecem complicadas, estão em nossas pequenas ações cotidianas.
Dogmatismo: A verdade firme como uma barra de
cereal
O dogmatismo é aquela crença inabalável, quase como
quem confia cegamente que o cereal que compra é o melhor para a saúde porque o
rótulo diz isso. Não há questionamento, não há dúvida. A verdade está dada e
basta seguir. No campo da filosofia, os dogmáticos afirmam que existem verdades
absolutas e que podemos conhecê-las sem hesitação. Descartes, por
exemplo, é lembrado pelo seu famoso "Penso, logo existo", uma frase
que representa uma certeza fundamental a partir da qual ele construiu toda uma
filosofia. O dogmatismo, no cotidiano, pode ser visto naquela pessoa que, com
confiança, diz: "Eu sei que essa dieta é a melhor, e não há o que
discutir."
Ceticismo: A dúvida eterna como um bom mistério
Agora, imagine o cético. Ele é o tipo de pessoa
que, antes de escolher o cereal, passa horas lendo cada rótulo e ainda sai do
supermercado pensando se fez a escolha certa. Pirro de Élis, um dos
maiores céticos da história, acreditava que o melhor caminho era suspender o
julgamento, pois o ser humano não tem como alcançar a verdade absoluta. O
ceticismo, no nosso dia a dia, aparece quando hesitamos em acreditar na
primeira notícia que vemos nas redes sociais, ou quando um amigo diz algo
suspeito e respondemos com um "Será mesmo?".
Empirismo: Aprender comendo o cereal
Agora, temos o empirista. Para ele, a verdade não
vem de certezas inquestionáveis, mas da experiência. Essa é a pessoa que vai
testar todos os tipos de cereais, sentindo o gosto, observando como se sente
após cada refeição, e então decidir qual é o melhor. John Locke, por
exemplo, acreditava que todo o conhecimento vem através da experiência
sensorial. O empirismo está nas pequenas coisas do cotidiano, como quando
escolhemos um caminho para o trabalho com base nas nossas experiências
anteriores de trânsito.
Racionalismo: A lógica na escolha do produto
Se você encontra alguém calculando o valor
nutricional de cada cereal, comparando os ingredientes e pensando em termos de
lógica e consistência, provavelmente está diante de um racionalista. Descartes,
o filósofo que também é exemplo de dogmatismo, se destacou no racionalismo ao
defender que a razão, mais do que os sentidos, é a melhor ferramenta para
alcançar o conhecimento. No cotidiano, o racionalismo aparece quando usamos a
lógica para resolver um problema, como ao decidir qual é a melhor compra com
base em cálculos financeiros.
Pragmatismo: O que importa é o que funciona
Agora, entre na fila do caixa e escute alguém
dizer: "Eu nem me importo com o rótulo. O que importa é se o cereal me
deixa satisfeito." Esse é o pragmático. Ele não busca verdades filosóficas
profundas ou certezas inabaláveis, ele só quer saber o que funciona na prática.
William James defendia essa postura: a verdade é aquilo que gera
resultados positivos. Se a escolha do cereal cumpre a sua função e resolve o
problema da fome de maneira eficaz, está resolvido. No cotidiano, o pragmatismo
surge em várias decisões, como na escolha de um método de trabalho ou na
maneira como lidamos com problemas práticos do dia a dia.
Existencialismo: O cereal como expressão da
liberdade
A pessoa existencialista, ao escolher o cereal, não
se preocupa apenas com a nutrição ou a experiência sensorial, mas com o que
aquela escolha diz sobre sua liberdade e sua essência. Para o existencialista,
cada ação que tomamos define quem somos. Jean-Paul Sartre defendia que
estamos "condenados a ser livres" e que, por isso, cada escolha que
fazemos no cotidiano carrega o peso da nossa liberdade. No supermercado, o
existencialista reflete: "Ao escolher esse cereal, estou dizendo algo
sobre mim e sobre como quero viver."
Relativismo: Cada um com seu cereal
Imagine que alguém na fila do supermercado diga:
"Não existe o melhor cereal. O que é bom para mim pode não ser bom para
você." Esse é o relativismo em ação. Não há uma verdade universal, tudo
depende do ponto de vista. Nietzsche, em alguns momentos, flerta com o
relativismo ao criticar a ideia de verdades absolutas. No cotidiano, o
relativismo aparece quando reconhecemos que as experiências e verdades dos
outros são tão válidas quanto as nossas, mesmo que sejam completamente diferentes.
Como tudo se conecta em nossas escolhas diárias
Perceba como cada uma dessas correntes filosóficas,
tão distintas entre si, reflete posturas que adotamos no dia a dia. Não
precisamos estar sentados numa sala de aula ou lendo textos complexos para nos
depararmos com essas ideias. Elas estão presentes no supermercado, nas nossas
interações com os outros e até mesmo em como lidamos com escolhas simples.
E, no fim, qual filosofia você acaba adotando na
sua vida? Talvez sejamos uma mistura de todas essas correntes, ajustando nossa
forma de pensar de acordo com o que a situação pede. Às vezes, confiamos
cegamente (dogmatismo), em outras, questionamos tudo (ceticismo). Em muitos
momentos, deixamos que nossas experiências nos guiem (empirismo), ou apelamos
para a lógica (racionalismo). E, claro, há aqueles dias em que o que importa
mesmo é o que dá certo (pragmatismo), ou o que nos faz sentir livres (existencialismo).
Afinal, talvez a vida seja mesmo uma grande escolha de cereais.