O Jogo das Verdades Maleáveis
Em
uma mesa de bar, entre um gole e outro de cerveja, alguém solta: “Mas e se
ninguém nunca souber? Se eu disser que não sabia de nada, quem pode provar o
contrário?” Rimos, mas ali está a semente da chamada negação plausível. Uma
ferramenta da política, um álibi para a moral e um jogo arriscado na vida
cotidiana. Se ninguém pode provar que você sabia, então, oficialmente, você não
sabia. Simples assim? Talvez não. O conceito de negação plausível carrega um
paradoxo filosófico profundo: até que ponto a ausência de evidência é evidência
de ausência?
Entre
o Saber e o Não Saber
A
negação plausível opera em uma zona cinzenta entre a ignorância proposital e a
conveniência da dúvida. Imagine um chefe que evita ler certos relatórios para
poder afirmar, sem mentir tecnicamente, que não sabia das irregularidades de
sua empresa. Ou um político que delega ações a subordinados sem perguntar
muitos detalhes, garantindo que, se algo der errado, ele possa lavar as mãos. A
filosofia nos convida a perguntar: essa “desconexão intencional” é moralmente
neutra?
Aqui,
podemos recorrer a Hannah Arendt e sua análise da “banalidade do mal”. Quando
Eichmann dizia apenas seguir ordens, ele usava um tipo de negação plausível.
Ele não questionava, não investigava, não fazia nada além de executar
burocraticamente sua função. Isso o isentava da culpa? Para Arendt, o problema
não estava na ausência de intenção explícita de fazer o mal, mas na abdicação
do pensamento crítico.
No
dia a dia, muitas pessoas adotam versões mais brandas desse comportamento. “Eu
não sabia que essa marca explora trabalhadores” ou “Eu não tinha certeza se meu
comentário era ofensivo”. A ignorância, real ou fabricada, protege moralmente,
mas até quando?
O
Jogo da Verdade Flexível
Nietzsche
afirmava que “não existem fatos, apenas interpretações”. A negação plausível
bebe dessa ideia. Se a verdade é uma construção interpretativa, então sempre há
espaço para dúvida suficiente para evitar culpas. Mas o problema está em quem
controla essa narrativa. A negação plausível funciona melhor para quem tem
poder de definir o que é uma dúvida aceitável.
Tomemos
como exemplo o universo das fake news. Um político pode disseminar uma
informação falsa e, quando confrontado, dizer que apenas repassou algo “sem
certeza”. A negação plausível aqui não é apenas defesa, mas uma estratégia
ativa para relativizar a própria noção de verdade.
Consequências
Éticas e Filosóficas
A
negação plausível, quando internalizada, transforma-se em um mecanismo de fuga
da responsabilidade. Se todos adotam essa postura, o que acontece com a verdade
compartilhada? Em um mundo onde cada um pode alegar que “não sabia”, torna-se
impossível apontar culpados. As estruturas de poder agradecem, pois a
responsabilidade se dissolve em um emaranhado de incertezas fabricadas.
Diante
disso, talvez a questão essencial seja: queremos um mundo onde a verdade possa
ser sempre contornada por artifícios retóricos? Ou será que o desafio
filosófico do nosso tempo é reconstruir um compromisso com a responsabilidade,
mesmo quando negar seria mais conveniente? Afinal, se ninguém sabe de nada,
como podemos saber quem somos?