Há momentos na vida em que a sensação de “é tarde demais” bate com força. Talvez seja uma porta que se fechou, uma oportunidade perdida, ou a percepção de que o tempo que passou não volta. Quem nunca se pegou pensando que deveria ter feito algo diferente? O curioso é que, quando esse sentimento nos invade, ele traz consigo uma sensação de impotência que, muitas vezes, é exagerada pela nossa própria mente.
Nietzsche, em "A Gaia Ciência", propôs um
conceito interessante chamado eterno retorno. Segundo ele, deveríamos viver
nossas vidas como se tivéssemos que repeti-las infinitamente, com todas as
escolhas, erros e acertos. Imagine só: tudo que você fez até agora teria que
ser repetido eternamente. Isso transforma a ideia de “é tarde demais” em algo
completamente diferente. Se temos que repetir nossas vidas, talvez o que
enxergamos como um erro ou uma perda irreparável seja, na verdade, apenas uma
parte inevitável de quem somos. A grande pergunta de Nietzsche para nossa
reflexão é a seguinte: "Você está vivendo a sua vida de
maneira que estaria disposto a vivê-la repetidamente?" Em
suma, no ciclo do eterno retorno, não existe a possibilidade de mudar o passado
ou viver de maneira diferente em outra vida. O que existe é o convite a viver
com tal intensidade e consciência que cada momento seja digno de ser repetido
eternamente.
A vida é cheia de pontos sem retorno. Pense na
decisão de não seguir uma carreira que, anos depois, parece a mais óbvia, ou em
relações que acabaram antes que pudessem florescer por completo. Esses momentos
moldam o presente, mas é interessante notar como tendemos a supervalorizar o
passado, colocando-o como um território de oportunidades perdidas, enquanto o
presente, esse agora, escapa como água entre os dedos.
Há um conforto paradoxal no "tarde
demais". Ele parece nos livrar da responsabilidade de fazer algo agora,
como se o destino já estivesse traçado. Mas será que isso é verdade? Sartre,
com sua filosofia existencialista, diria que nossa liberdade é inescapável.
Para ele, estamos condenados a ser livres, o que significa que, enquanto
estamos vivos, sempre há a possibilidade de escolha. O “tarde demais”, sob essa
perspectiva, é uma fuga da responsabilidade. Podemos ter perdido algo, sim, mas
isso não significa que estamos presos em um ciclo de inércia.
No cotidiano, vivemos várias pequenas versões desse
dilema. A dieta que não começamos, o livro que nunca terminamos de ler, a
conversa importante que deixamos para amanhã. Tudo parece se acumular em uma
pilha de adiamentos, como se o tempo fosse uma fonte infinita de segundas
chances. Mas e se não for?
O filósofo, pedagogo, poeta, contador de histórias,
ensaísta, teólogo, acadêmico, psicanalista brasileiro Rubem Alves oferece uma
perspectiva interessante sobre o tempo em seus textos. Ele sugere que o tempo é
mais sobre a qualidade do que sobre a quantidade. Talvez, quando dizemos
"é tarde demais", estamos, na verdade, nos referindo ao medo de que
não aproveitamos o tempo com a profundidade que gostaríamos. Ele nos lembra que
a vida não é apenas sobre a duração das coisas, mas sobre a intensidade e o
significado que atribuímos a cada momento.
Talvez nunca seja verdadeiramente tarde demais. Ou,
talvez, seja — mas isso não precisa ser algo que nos paralise. Se Nietzsche
está certo sobre o eterno retorno, então cada escolha, cada fracasso, cada
momento de “tarde demais” é simplesmente parte do ciclo. Se Sartre está certo,
então, mesmo em meio à sensação de perda, podemos sempre escolher outra
direção. E, se Rubem Alves tem razão, o que importa é como vivemos o tempo que
nos resta, não quanto tempo ele é.
Então, quando a ideia de “é tarde demais” te
visitar, pode valer a pena perguntar: tarde demais para quê? Tarde demais para
viver? Para mudar? Ou será que estamos apenas descobrindo o momento certo para
nos reinventarmos?