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sábado, 14 de setembro de 2024

É Tarde Demais?

Há momentos na vida em que a sensação de “é tarde demais” bate com força. Talvez seja uma porta que se fechou, uma oportunidade perdida, ou a percepção de que o tempo que passou não volta. Quem nunca se pegou pensando que deveria ter feito algo diferente? O curioso é que, quando esse sentimento nos invade, ele traz consigo uma sensação de impotência que, muitas vezes, é exagerada pela nossa própria mente.

Nietzsche, em "A Gaia Ciência", propôs um conceito interessante chamado eterno retorno. Segundo ele, deveríamos viver nossas vidas como se tivéssemos que repeti-las infinitamente, com todas as escolhas, erros e acertos. Imagine só: tudo que você fez até agora teria que ser repetido eternamente. Isso transforma a ideia de “é tarde demais” em algo completamente diferente. Se temos que repetir nossas vidas, talvez o que enxergamos como um erro ou uma perda irreparável seja, na verdade, apenas uma parte inevitável de quem somos. A grande pergunta de Nietzsche para nossa reflexão é a seguinte: "Você está vivendo a sua vida de maneira que estaria disposto a vivê-la repetidamente?" Em suma, no ciclo do eterno retorno, não existe a possibilidade de mudar o passado ou viver de maneira diferente em outra vida. O que existe é o convite a viver com tal intensidade e consciência que cada momento seja digno de ser repetido eternamente.

A vida é cheia de pontos sem retorno. Pense na decisão de não seguir uma carreira que, anos depois, parece a mais óbvia, ou em relações que acabaram antes que pudessem florescer por completo. Esses momentos moldam o presente, mas é interessante notar como tendemos a supervalorizar o passado, colocando-o como um território de oportunidades perdidas, enquanto o presente, esse agora, escapa como água entre os dedos.

Há um conforto paradoxal no "tarde demais". Ele parece nos livrar da responsabilidade de fazer algo agora, como se o destino já estivesse traçado. Mas será que isso é verdade? Sartre, com sua filosofia existencialista, diria que nossa liberdade é inescapável. Para ele, estamos condenados a ser livres, o que significa que, enquanto estamos vivos, sempre há a possibilidade de escolha. O “tarde demais”, sob essa perspectiva, é uma fuga da responsabilidade. Podemos ter perdido algo, sim, mas isso não significa que estamos presos em um ciclo de inércia.

No cotidiano, vivemos várias pequenas versões desse dilema. A dieta que não começamos, o livro que nunca terminamos de ler, a conversa importante que deixamos para amanhã. Tudo parece se acumular em uma pilha de adiamentos, como se o tempo fosse uma fonte infinita de segundas chances. Mas e se não for?

O filósofo, pedagogo, poeta, contador de histórias, ensaísta, teólogo, acadêmico, psicanalista brasileiro Rubem Alves oferece uma perspectiva interessante sobre o tempo em seus textos. Ele sugere que o tempo é mais sobre a qualidade do que sobre a quantidade. Talvez, quando dizemos "é tarde demais", estamos, na verdade, nos referindo ao medo de que não aproveitamos o tempo com a profundidade que gostaríamos. Ele nos lembra que a vida não é apenas sobre a duração das coisas, mas sobre a intensidade e o significado que atribuímos a cada momento.

Talvez nunca seja verdadeiramente tarde demais. Ou, talvez, seja — mas isso não precisa ser algo que nos paralise. Se Nietzsche está certo sobre o eterno retorno, então cada escolha, cada fracasso, cada momento de “tarde demais” é simplesmente parte do ciclo. Se Sartre está certo, então, mesmo em meio à sensação de perda, podemos sempre escolher outra direção. E, se Rubem Alves tem razão, o que importa é como vivemos o tempo que nos resta, não quanto tempo ele é.

Então, quando a ideia de “é tarde demais” te visitar, pode valer a pena perguntar: tarde demais para quê? Tarde demais para viver? Para mudar? Ou será que estamos apenas descobrindo o momento certo para nos reinventarmos?