Imagine-se à beira-mar, observando o vaivém incessante das ondas. Algumas arrebentam com força, outras desaparecem suavemente, sem deixar rastro além de espuma efêmera. Entre elas, há aquelas que parecem inúteis — ondas que não alcançam a areia, que não carregam força suficiente para mover sequer um grão. É sobre essas ondas inúteis que construímos nossa metáfora: o movimento que se desgasta em si mesmo, sem alterar nada ao seu redor, como um esforço sem direção.
No cotidiano, somos frequentemente protagonistas ou
espectadores dessas "ondas inúteis". O envio de uma mensagem sem
resposta, o esforço em agradar quem não se importa, ou a repetição de tarefas
que parecem não levar a lugar algum — tudo isso se encaixa no conceito de
movimentar-se sem propósito. Mas será mesmo inútil?
A Ilusão da Inutilidade
Aristóteles argumentava que toda ação busca um fim,
mesmo quando não o compreendemos de imediato. Talvez a "onda inútil"
seja apenas o reflexo de uma perspectiva limitada, incapaz de enxergar o
impacto sutil ou a aprendizagem que pode advir do esforço aparentemente fútil.
Um e-mail ignorado, por exemplo, pode servir como exercício de comunicação. Uma
relação unilateral pode ser um espelho que nos ajuda a entender nossa
necessidade de validação.
Fernando Pessoa, em sua inquietude poética, dizia
que “tudo vale a pena se a alma não é pequena”. Até o movimento mais singelo,
por mais que pareça insignificante, pode conter um valor intrínseco. A onda
inútil talvez não mova areia, mas participa do ritmo do oceano, influenciando a
harmonia maior.
A Utilidade do Inútil
O filósofo italiano Nuccio Ordine, em seu livro A
Utilidade do Inútil, defende que muitas coisas consideradas supérfluas — como a
arte, a literatura e o pensamento abstrato — são fundamentais para a realização
humana. Ele argumenta que nossa obsessão por resultados tangíveis obscurece o
valor das experiências que não visam um ganho imediato ou prático.
Seguindo essa linha, a onda inútil pode ser a
metáfora daquilo que existe pelo simples fato de existir, desprovido da
necessidade de justificativa externa. É o ato de apreciar o pôr do sol, mesmo
sabendo que o sol não está “se pondo” de verdade. É o esforço de plantar
sementes sabendo que talvez nunca vejamos a árvore crescer.
O Silêncio das Ondas
Há também uma lição no silêncio das ondas inúteis.
Elas nos convidam a contemplar o vazio, a aceitar o não-fazer como parte da
experiência humana. Lao-Tsé, no Tao Te Ching, ensina que o não-agir (wu wei)
pode ser uma forma de sabedoria, um modo de fluir com o mundo sem tentar
controlá-lo.
A onda inútil nos lembra que nem todo movimento
precisa de um propósito claro. Talvez seja mais sobre estar no fluxo da vida,
aceitando a impermanência e a falta de garantias. Afinal, não é o oceano feito
dessas ondas?
A Beleza do Sem Sentido
A onda inútil não precisa justificar sua
existência. Ela é um lembrete de que há beleza no esforço que não produz
resultado, na ação que não deixa marca, no movimento que é apenas movimento.
Na próxima vez que se sentir como uma onda inútil,
lembre-se: até a mais frágil das ondas compõe o grande oceano. E talvez, apenas
talvez, a inutilidade seja o ponto de partida para uma utilidade maior que
ainda não conseguimos compreender.