O que é arbitrário, o que é conjetural: entre o acaso e a hipótese
Um
café, uma dúvida
Imagine
que estamos tomando um café em uma tarde qualquer, e você me pergunta: “Por que
a bandeira do Japão tem um círculo vermelho no meio?” Poderíamos procurar a
resposta no Google. Mas antes disso, eu poderia te dizer: “Talvez seja
arbitrário.” Ou então: “Talvez seja conjetural.” E, de repente, nos damos conta
de que essas duas palavrinhas — arbitrário e conjetural — aparecem por toda
parte: na arte, na ciência, na política, na vida cotidiana. E o que elas
realmente querem dizer? Mais ainda: o que dizem sobre nós?
O
arbitrário: quando a razão se cala e o costume reina
O
arbitrário nasce onde a necessidade não reina. Quando algo poderia ser
diferente sem afetar nada de essencial, estamos no território do arbitrário. A
cor do semáforo que significa "pare" poderia ser azul, não vermelha.
O lado da rua onde dirigimos poderia ser o oposto. O gênero gramatical de
"mesa" poderia ser masculino, e nada no universo ruiria.
O
linguista Ferdinand de Saussure foi quem chamou a atenção para isso no campo da
linguagem: a relação entre o significante e o significado é arbitrária. A
palavra "árvore" não tem nada de essencialmente arbóreo. Essa
arbitrariedade é estruturante: sustenta sistemas inteiros que funcionam apesar
de não terem uma justificação racional intrínseca.
Mas
há um paradoxo aqui: o arbitrário, quando repetido, torna-se tradição — e a
tradição, por vezes, se mascara de necessidade. O que começa como escolha
gratuita pode se tornar norma sagrada. Assim, o arbitrário se disfarça de
destino.
O
conjetural: quando o saber se aventura
Já
o conjetural é filho da incerteza e da curiosidade. Nasce quando não sabemos,
mas suspeitamos. Quando não vemos o todo, mas tentamos espiar pelas frestas. A
conjetura é o tipo de saber que se alimenta da dúvida, mas não paralisa diante
dela.
O
historiador Carlo Ginzburg cunhou a expressão "paradigma indiciário"
para descrever uma forma conjetural de conhecimento. Ele se refere à maneira
como caçadores, médicos e detetives constroem hipóteses a partir de sinais,
traços, pistas — aquilo que não fala diretamente, mas insinua. No conjetural, o
raciocínio é uma arte de costurar o ausente com o presente.
Na
ciência, hipóteses são conjeturas sistematizadas. No cotidiano, usamos o
conjetural para prever reações alheias, interpretar sonhos, ou tentar entender
o que o silêncio de alguém está dizendo. A conjetura é a ponte entre o vazio do
não-saber e a ousadia de tentar.
Entre
os dois: liberdade e responsabilidade
Arbitrário
e conjetural se tocam, mas não se confundem. Ambos operam fora da certeza: o
primeiro, por desprezo à razão; o segundo, por falta de dados. Um ignora as
razões; o outro a busca. Um é decisão sem critério; o outro é tentativa de
critério sem certeza.
No
campo da ética, por exemplo, a distinção entre os dois pode ser crucial. Uma
norma pode ser arbitrária — imposta pelo poder sem justificativa — ou
conjetural — proposta como uma melhor hipótese diante da complexidade do real.
A diferença entre uma lei injusta e uma lei provisória está nesse hiato.
Aqui,
o pensamento crítico precisa ser vigilante: questionar o que parece necessário
(mas é só arbitrário) e aceitar a provisoriedade do que parece verdadeiro (mas
é só conjetural). Entre os dois extremos, habitamos o terreno da liberdade
responsável.
Viver
é arbitrar e conjeturar
No
fim, a vida talvez seja isso: uma dança entre o arbitrário e o conjetural.
Escolhas que poderiam ser outras, e hipóteses que talvez estejam erradas.
Vivemos entre símbolos criados sem razão e verdades buscadas sem garantia. E,
nesse jogo, o que importa não é fugir da incerteza, mas aprender a habitá-la
com elegância — talvez com um bom café na mão.