Quando o pensamento tropeça no silêncio
Outro
dia, entre uma bolacha cream cracker e uma chuva que parecia indecisa entre
cair ou não, comecei a pensar naquelas perguntas que não têm começo, nem meio,
muito menos fim. Aquelas perguntas que não servem pra nada, mas também não
deixam a gente em paz: "O que é o real?", "O que existe além do
que se pode dizer?", "Por que existe algo e não nada?". São
perguntas que a gente escuta no ônibus, na mesa de bar, ou então quando está
sozinho demais.
Foi
aí que me veio Wittgenstein, não como quem chega com a resposta, mas como quem
olha com estranhamento e diz: “Será que essa pergunta faz sentido?”.
O
limite do mundo é o limite da linguagem
Wittgenstein,
especialmente em sua primeira fase no Tractatus Logico-Philosophicus, joga um
balde de água fria nas nossas ruminações metafísicas: "Os limites da minha
linguagem significam os limites do meu mundo." E isso muda tudo. De
repente, não é mais sobre o que existe ou não existe, mas sobre o que pode ser
dito com clareza.
Quer
dizer: se eu não consigo colocar em palavras aquilo que estou tentando pensar,
talvez o problema não seja o pensamento em si, mas a linguagem que estou usando
pra tentar pensar isso. O que escapa à linguagem, escapa ao mundo. E nesse
silêncio se esconde a metafísica.
Mas
e o cheiro da infância?
Mesmo
assim, o ser humano insiste. E eu também. Porque há sensações, intuições,
percepções que não cabem na linguagem — mas que nem por isso deixam de parecer
reais. O cheiro da casa da minha avó, por exemplo. Eu posso descrever: cheiro
de madeira velha, de café passado, de roupa recém lavada... Mas nada disso é o
cheiro. É só a moldura.
E
aí a pergunta muda: será que o problema está na linguagem... ou na nossa
expectativa de que a linguagem consiga dar conta do que sentimos?
Quando
a linguagem nos trai
Na
segunda fase de Wittgenstein, nos Investigações Filosóficas, ele abandona a
ideia de uma linguagem com estrutura rígida e perfeita. Em vez disso, começa a
ver a linguagem como um conjunto de "jogos de linguagem" — usos
diversos, conforme a situação. Falar de amor não é o mesmo que descrever uma
receita de bolo.
Nesse
ponto, Wittgenstein começa a rir junto com a gente. A metafísica deixa de ser
uma questão de descobrir verdades ocultas e passa a ser uma espécie de
mal-entendido. “Filosofia é uma luta contra o enfeitiçamento do nosso
entendimento pela linguagem”, ele diz.
Ou
seja, muitas vezes o que a gente chama de "problema metafísico" é só
uma palavra que escapou do seu uso comum e foi parar num lugar onde não deveria
estar.
A
beleza do que não se pode dizer
Mas
e se a gente aceitasse o convite do silêncio? Se, em vez de forçar a linguagem
a carregar o peso de tudo o que sentimos e intuímos, a gente simplesmente
respeitasse o que ela não consegue dizer? Não como fracasso, mas como poesia.
Como
quando olhamos pro mar e não dizemos nada. Como quando alguém morre e o
silêncio é mais respeitoso do que qualquer explicação. Como quando a gente ama
e não sabe dizer por quê — e ainda assim ama.
Considerações
finais de um cream cracker filosófico
A
metafísica, talvez, não seja um lugar onde se chega, mas um caminho cheio de
pegadas confusas. Wittgenstein nos lembra que esse caminho, muitas vezes, é
traçado por palavras que tropeçam nelas mesmas. E mesmo assim, continuamos a
andar. Porque há algo em nós que deseja mais do que pode ser dito.
Talvez
seja como ele mesmo escreve na última frase do Tractatus:
“Sobre
aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.”
Mas
que silêncio bonito, esse.
Silêncio
que não responde, mas faz companhia.