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sábado, 14 de junho de 2025

Arbitrário e Conjectural

O que é arbitrário, o que é conjetural: entre o acaso e a hipótese

Um café, uma dúvida

Imagine que estamos tomando um café em uma tarde qualquer, e você me pergunta: “Por que a bandeira do Japão tem um círculo vermelho no meio?” Poderíamos procurar a resposta no Google. Mas antes disso, eu poderia te dizer: “Talvez seja arbitrário.” Ou então: “Talvez seja conjetural.” E, de repente, nos damos conta de que essas duas palavrinhas — arbitrário e conjetural — aparecem por toda parte: na arte, na ciência, na política, na vida cotidiana. E o que elas realmente querem dizer? Mais ainda: o que dizem sobre nós?

O arbitrário: quando a razão se cala e o costume reina

O arbitrário nasce onde a necessidade não reina. Quando algo poderia ser diferente sem afetar nada de essencial, estamos no território do arbitrário. A cor do semáforo que significa "pare" poderia ser azul, não vermelha. O lado da rua onde dirigimos poderia ser o oposto. O gênero gramatical de "mesa" poderia ser masculino, e nada no universo ruiria.

O linguista Ferdinand de Saussure foi quem chamou a atenção para isso no campo da linguagem: a relação entre o significante e o significado é arbitrária. A palavra "árvore" não tem nada de essencialmente arbóreo. Essa arbitrariedade é estruturante: sustenta sistemas inteiros que funcionam apesar de não terem uma justificação racional intrínseca.

Mas há um paradoxo aqui: o arbitrário, quando repetido, torna-se tradição — e a tradição, por vezes, se mascara de necessidade. O que começa como escolha gratuita pode se tornar norma sagrada. Assim, o arbitrário se disfarça de destino.

O conjetural: quando o saber se aventura

Já o conjetural é filho da incerteza e da curiosidade. Nasce quando não sabemos, mas suspeitamos. Quando não vemos o todo, mas tentamos espiar pelas frestas. A conjetura é o tipo de saber que se alimenta da dúvida, mas não paralisa diante dela.

O historiador Carlo Ginzburg cunhou a expressão "paradigma indiciário" para descrever uma forma conjetural de conhecimento. Ele se refere à maneira como caçadores, médicos e detetives constroem hipóteses a partir de sinais, traços, pistas — aquilo que não fala diretamente, mas insinua. No conjetural, o raciocínio é uma arte de costurar o ausente com o presente.

Na ciência, hipóteses são conjeturas sistematizadas. No cotidiano, usamos o conjetural para prever reações alheias, interpretar sonhos, ou tentar entender o que o silêncio de alguém está dizendo. A conjetura é a ponte entre o vazio do não-saber e a ousadia de tentar.

Entre os dois: liberdade e responsabilidade

Arbitrário e conjetural se tocam, mas não se confundem. Ambos operam fora da certeza: o primeiro, por desprezo à razão; o segundo, por falta de dados. Um ignora as razões; o outro a busca. Um é decisão sem critério; o outro é tentativa de critério sem certeza.

No campo da ética, por exemplo, a distinção entre os dois pode ser crucial. Uma norma pode ser arbitrária — imposta pelo poder sem justificativa — ou conjetural — proposta como uma melhor hipótese diante da complexidade do real. A diferença entre uma lei injusta e uma lei provisória está nesse hiato.

Aqui, o pensamento crítico precisa ser vigilante: questionar o que parece necessário (mas é só arbitrário) e aceitar a provisoriedade do que parece verdadeiro (mas é só conjetural). Entre os dois extremos, habitamos o terreno da liberdade responsável.

Viver é arbitrar e conjeturar

No fim, a vida talvez seja isso: uma dança entre o arbitrário e o conjetural. Escolhas que poderiam ser outras, e hipóteses que talvez estejam erradas. Vivemos entre símbolos criados sem razão e verdades buscadas sem garantia. E, nesse jogo, o que importa não é fugir da incerteza, mas aprender a habitá-la com elegância — talvez com um bom café na mão.

segunda-feira, 12 de maio de 2025

Suposições

As trincas por onde a luz entra...

Outro dia, numa conversa entre amigos, alguém disse: “Isso é só uma suposição tua.” E aquilo ficou ressoando na minha cabeça. Suposição... essa palavra meio desvalorizada, tratada como inimiga da certeza. Mas e se as suposições fossem justamente o oposto do que pensamos? E se elas fossem não falhas, mas fendas? Não erros, mas aberturas? Comecei a olhar para elas como quem examina as rachaduras de uma parede antiga — não para consertá-las, mas para ver que talvez seja por ali que a luz entra.

No fundo, toda pergunta começa com uma suposição. Antes de saber algo, é preciso supor que algo possa ser sabido. E mais: supor que vale a pena saber. Toda busca, toda dúvida, todo caminho novo que nos tira do automático parte de uma pequena centelha supositiva — uma faísca que diz: “E se...?”

Nietzsche dizia que “não há fatos, apenas interpretações”. E o que é uma interpretação, senão uma suposição cultivada com método, emoção ou intuição? O problema não é supor. O problema é parar de supor. Quando paramos de fazer suposições, entramos naquilo que alguns chamam de “convicção”, mas que, muitas vezes, é só um jeito mais elegante de chamar a rigidez.

A criança supõe o tempo todo. Ela acha que o armário pode ter um mundo escondido dentro. Supõe que o gato da vizinha é mágico. Supõe que o amanhã vai ser diferente. Isso não é ingenuidade — é imaginação operando em alta voltagem. O adulto, ao contrário, aprende a esmagar as suposições com a pá do “bom senso”. Mas veja que curioso: é quando o adulto volta a supor, como o artista, o filósofo ou o cientista, que ele volta a fazer descobertas.

Supor é uma forma de humildade ativa. É reconhecer que não sabemos, mas suspeitamos. E é nessa suspeita que o pensamento se move. A suposição não é um erro: é o risco do pensamento em movimento. Quem só aceita o que está provado já ficou para trás — porque a verdade, como a luz, muitas vezes chega pelas trincas, não pela porta da frente.

Em tempos de certezas gritadas, supor é quase um ato subversivo. Enquanto tudo ao redor exige opinião formada, discurso pronto, convicção blindada, o supositório filosófico (não confundir com o remédio!) é um antídoto contra a arrogância do saber. É ele que permite a pergunta que ainda não sabemos fazer. É ele que nos abre para o outro, para o novo, para o inesperado.

Suposições são rachaduras existenciais por onde o inusitado pode escapar do escuro. São pequenas frestas que mantêm a mente arejada e o espírito curioso. Não se trata de crer em qualquer coisa, mas de manter o espaço interno em que algo ainda possa ser crido. Como disse Leonard Cohen, “é pela rachadura que a luz entra”. E, talvez, seja pela suposição que o real se reinventa.

Aqui vai um comentário de Merleau-Ponty, filósofo francês da fenomenologia. Ele escreveu:

"A verdade não habita no homem interior, nem está só fora dele; ela nasce entre os homens, como um esforço para comunicar-se."

Ao pensarmos nisso, percebemos que a suposição é justamente esse “entre”. Não é o saber que está consolidado dentro de nós, nem a evidência concreta do mundo lá fora — é o movimento que nasce entre, no espaço ambíguo da possibilidade. Supor é já se dirigir ao outro, ao mundo, a si mesmo transformado, em um gesto de escuta. A suposição, nesse sentido, é menos um erro do que uma abertura para a experiência.

Merleau-Ponty diria que a suposição carrega em si um corpo — porque ela se dá no mundo vivido, na carne da experiência. E talvez por isso, supor não é apenas pensar: é viver com a disposição de quem sabe que a verdade não é um ponto fixo, mas um campo em construção. Um campo em que cada suposição pode se tornar ponte, e não obstáculo.

Você já teve uma ideia atravessada no peito: tudo o que penso saber começou como suposição.

Não como certeza, não como dado técnico, nem como fórmula química. Mas como aquele pensamento bobo que aparece no banho: e se o que disseram não for bem assim? E se não for isso, e se for outra coisa, e se eu estiver vendo tudo torto — ou certo demais?

Tem dia que a realidade parece dura como concreto. Mas aí vem uma suposição e faz um trinco. Um fiapinho de dúvida, de delírio, de desejo. Pronto: já não estamos mais no mesmo lugar. Uma suposição é como virar o rosto só um centímetro e enxergar um canto de mundo que antes estava escondido.

Não, a suposição não é uma fraqueza. É um poder secreto. Um gesto de desconfiança do óbvio. Ela é o que resta da infância em nós: a coragem de achar que o impossível pode estar só dormindo.

Tem quem viva com cimento no pensamento. Tudo sólido, tudo pronto, tudo guardado em pastas. Mas aí chega a suposição, esse sopro que bagunça as gavetas, essa corrente de ar que entra por debaixo da porta e pergunta: tem certeza?

A suposição é uma visita. Ela não pede licença, mas também não invade. Fica ali no canto da sala mental, olhando tudo com uma sobrancelha arqueada. Às vezes vai embora, às vezes fica. Às vezes vira ideia. Outras vezes vira caminho.

Talvez por isso, Platão desconfiava da imaginação. E Merleau-Ponty — como já te contei — abraçava a ambiguidade. Ele entendia que a verdade não tem endereço fixo. Ela dança. E só quem supõe aprende os passos.

“O mundo não é o que eu penso, mas o que eu vivo.” — disse ele.

Então, viver é supor. Supor que vale a pena. Supor que vai dar certo. Supor que o outro sente como eu. Supor que amanhã a gente acorda um pouco menos endurecido. Supor que há beleza onde ninguém mais procura. Supor que esse texto faça sentido pra alguém, mesmo que não pra todos.

Porque no fim, a suposição é só isso: um clarão num corredor escuro. Nem luz inteira, nem breu completo. Só o suficiente pra dar o próximo passo. 

quinta-feira, 30 de maio de 2024

Mundo das Possibilidades

Imaginação, sonho e possibilidades, três palavrinhas magicas. Você já parou para pensar no poder da imaginação e dos sonhos em nossas vidas? São como asas invisíveis que nos impulsionam para além das fronteiras do possível, nos levando a explorar territórios inexplorados e a criar realidades que antes só existiam no reino da fantasia. No entanto, muitas vezes, subestimamos o valor desses elementos em nosso cotidiano, relegando-os a meros devaneios sem importância. Mas, e se eu te disser que eles são a força motriz por trás de grandes conquistas e inovações?

Vamos começar pensando no nosso dia-a-dia. Quantas vezes você se pega sonhando acordado, imaginando cenários diferentes para sua vida, ou até mesmo criando histórias mirabolantes durante uma viagem de ônibus? Isso é a manifestação da nossa capacidade criativa, uma habilidade inata que muitas vezes é negligenciada em favor da lógica e da razão. No entanto, é essa capacidade que nos permite enxergar além do óbvio, desafiando o status quo e buscando novas soluções para os problemas que enfrentamos.

Um exemplo interessante é o caso de Elon Musk, o visionário empreendedor por trás de empresas como SpaceX e Tesla. Musk é conhecido por sua capacidade de pensar além do convencional, imaginando um futuro onde a humanidade coloniza Marte e utiliza veículos elétricos como principal meio de transporte. Essas ideias podem parecer absurdas à primeira vista, mas é justamente essa audácia de sonhar grande que o tornou um dos mais bem-sucedidos empresários da atualidade.

E não são apenas os grandes visionários que se beneficiam da imaginação e dos sonhos. No nosso cotidiano, podemos encontrar inúmeras situações em que essas habilidades se manifestam de forma surpreendente. Por exemplo, pense em alguém que sonha em aprender a tocar um instrumento musical. No início, pode parecer uma meta distante e inalcançável, mas é através da imaginação que essa pessoa começa a visualizar-se tocando as notas e sentindo a música fluir através de seus dedos. É esse sonho que a motiva a praticar diariamente, superando os desafios e eventualmente se tornando um músico habilidoso.

Mas como podemos cultivar e alimentar nossa imaginação e nossos sonhos? O filósofo e escritor Alan Watts oferece uma perspectiva interessante sobre essa questão. Para Watts, a chave está em aprender a viver no momento presente, liberando-nos das amarras do passado e das preocupações com o futuro. Ao fazer isso, somos capazes de abrir espaço para a imaginação florescer, permitindo que nossos sonhos mais profundos venham à tona.

Além disso, Watts enfatiza a importância de abraçar a incerteza e a ambiguidade da vida. Muitas vezes, ficamos tão presos à busca por respostas definitivas que deixamos de explorar as infinitas possibilidades que o universo tem a oferecer. Ao invés disso, ele sugere que aprendamos a dançar com a incerteza, abraçando-a como parte integrante da jornada humana.

A imaginação e os sonhos são ferramentas poderosas que todos nós possuímos, esperando serem exploradas e aproveitadas. Então, da próxima vez que se pegar viajando em pensamentos ou sonhando acordado, lembre-se de que está apenas arranhando a superfície de um vasto oceano de possibilidades. Permita-se mergulhar mais fundo, explorando os recantos mais distantes de sua mente criativa. Quem sabe quais tesouros você pode encontrar lá? 

domingo, 4 de fevereiro de 2024

Condição de Possibilidade

 

Na correria do dia a dia, raramente paramos para contemplar as condições que tornam possíveis as experiências que vivenciamos. É como se estivéssemos imersos em um vasto oceano de eventos, sem perceber as correntes invisíveis que nos movem. No entanto, ao adentrarmos nas profundezas da filosofia, descobrimos que há uma abordagem fascinante para entender essas condições: a teoria da "condição de possibilidade", como proposta por Immanuel Kant.

Kant, o mestre dos raciocínios profundos e das ideias revolucionárias, postulou que nossa mente não é uma tábula rasa, mas sim dotada de estruturas preexistentes que moldam nossa percepção do mundo. Essas estruturas são as condições de possibilidade do conhecimento humano, os óculos através dos quais vemos e interpretamos a realidade.

Immanuel Kant, o filósofo bigodudo que adorava uns raciocínios meio loucos, achava que nossa cabeça vem com uns esquemas de fábrica que moldam como a gente entende o mundo. Tipo, ele dizia que a gente já nasce com o espaço e o tempo na cabeça, e isso meio que organiza tudo que a gente vê e sente, tipo os lugares e a sequência das coisas. E ele também falava de umas ideias básicas que a gente usa para entender as coisas, tipo, a gente automaticamente pensa em causa e efeito ou em coisas que são grandes ou pequenas, tipo umas regras da mente. E o Kant também falava dessas ideias morais que a gente meio que já tem dentro da gente, que nos fazem querer ser legais mesmo quando ninguém está olhando, como um guia moral embutido. Enfim, o Kant era tipo o tiozão da filosofia, que tentava explicar como é que a nossa cabeça funciona sem precisar de manual de instruções.

Parece complexo demais? Vou simplificar. Imagine-se em uma sala escura, diante de uma pintura. Sem luz, você não pode ver a obra de arte, assim como sem as condições de possibilidade, não poderíamos compreender o mundo ao nosso redor. É como se a luz da razão iluminasse o quadro, revelando sua beleza e complexidade.

Vamos trazer isso para o cotidiano. Pense em algo tão simples quanto uma conversa. Sem as condições de possibilidade da linguagem – aquelas estruturas gramaticais e semânticas que compartilhamos – a comunicação seria caótica. Imagina tentar transmitir ideias sem palavras, apenas gestos aleatórios! Outro exemplo são as nossas experiências estéticas. Ao contemplarmos uma paisagem natural, somos tocados por sua beleza e grandiosidade. No entanto, sem as condições de possibilidade da sensibilidade – o tempo e o espaço que percebemos – a própria experiência estética seria impossível.

Mas o que tudo isso significa para nós, seres humanos comuns, imersos na rotina do dia a dia? Significa que, ao entendermos as condições de possibilidade que permeiam nossas experiências, podemos apreciar mais profundamente a beleza do mundo que nos cerca. Podemos compreender que nossas percepções são moldadas por estruturas invisíveis, e que somos, de certa forma, arquitetos de nossa própria realidade.

Portanto, da próxima vez que nos encontrarmos imersos em um momento de contemplação, ou até mesmo em uma conversa casual, lembremo-nos das palavras sábias de Kant e reconheçamos as condições de possibilidade que tornam esses momentos possíveis. Assim, poderemos apreciar mais plenamente a beleza e a complexidade do mundo ao nosso redor.