A Condenação de Estarmos Conectados
Outro
dia, estava rolando infinitamente o feed de uma rede social quando me peguei
encarando uma tela vazia. Nada ali parecia real, mas tudo exigia minha atenção.
Como um Sísifo digital, eu deslizava o dedo, subia e descia, em busca de algo
que nunca se concretizava. Foi quando me ocorreu: será que estamos existindo de
forma autêntica no espaço digital, ou apenas simulando presença?
O
existencialismo clássico, de Sartre e Heidegger, nos coloca diante da liberdade
radical e do peso da existência. "Estamos condenados a ser livres",
dizia Sartre, pois não há essência antes da existência. Mas e quando essa
existência se dá no meio digital, onde o ser parece fragmentado em múltiplas
personas, postagens e narrativas? A liberdade virtual é autêntica ou apenas
mais um labirinto sem saída?
Na
era digital, a identidade é fluida e altamente performática. Criamos perfis,
moldamos imagens, escolhemos quais aspectos de nós mesmos exibir e quais
ocultar. Isso ecoa a ideia sartreana de "má-fé", quando nos enganamos
sobre quem somos para evitar o peso da liberdade. Na internet, a má-fé se torna
um algoritmo: curamos nossa própria existência para o olhar dos outros, ao
ponto de não sabermos mais onde termina a performance e começa o ser.
Heidegger
nos alertava sobre o perigo do "se" impessoal, essa força invisível
que nos faz agir conforme "o que se faz". No mundo digital, esse
"se" se manifesta na necessidade de engajamento: postamos não porque
queremos, mas porque é o que se espera; reagimos para manter a relevância;
participamos do fluxo incessante de informações para não sermos esquecidos.
Assim, a angústia existencial ganha um novo formato: não apenas tememos a
morte, mas também o esquecimento algorítmico.
O
existencialismo digital também nos leva a questionar o sentido do real. Se
"a existência precede a essência", mas nosso ser está diluído em
redes que operam por padrões, preferências e manipulação de dados, quem
realmente somos? E mais: a liberdade que Sartre tanto defendeu ainda existe
quando nossas escolhas são moldadas por sugestões personalizadas e bolhas de
informação?
A
solução não é rejeitar a existência digital, mas assumir conscientemente seu
peso. Se estamos condenados a ser digitais, que ao menos possamos ser
autênticos nisso. Que escolhamos nosso ser para além das métricas e do desejo
de validação. Talvez a saída esteja em um paradoxo: usar a conexão para nos
desconectar do "se", para reencontrar a angústia produtiva de existir
de verdade.
Enquanto
isso, sigo rolando o feed, mas com outra consciência. O abismo do digital me
encara, e eu encaro de volta.