Você
está esperando o ônibus, celular na mão, olhos cansados. De repente, recebe uma
mensagem da sua irmã dizendo que o avô caiu e foi levado ao hospital. Enquanto
tenta processar isso, alguém atrás de você grita no telefone: “Ela me traiu,
cara!”. À sua frente, um casal se abraça como se fosse a última vez. E ali está
você, tentando ir ao trabalho. Num ponto de ônibus comum, o mundo inteiro virou
palco de um amálgama de dramas.
Essa
cena cotidiana revela uma verdade profunda: a vida humana é feita de
sobreposições emocionais. Não vivemos histórias separadas em gavetas
organizadas. Vivemos tudo junto — e de preferência, ao mesmo tempo. Cada um
carrega seu próprio enredo, com personagens, pausas dramáticas, reviravoltas. E
tudo isso acontece ao nosso redor sem pedir licença, como se o mundo fosse um
palco girando sem direção única.
Imagine
agora uma mulher fazendo uma apresentação importante no trabalho. Ela ensaiou
por dias, está confiante, sorridente. Mas seu filho ficou doente de madrugada,
ela mal dormiu, e enquanto fala sobre resultados trimestrais, está com a mente
presa na febre do menino. No mesmo escritório, o colega ao lado acabou de saber
que vai ser pai, e está radiante — quase flutuando. E no outro canto, alguém
acabou de ser demitido. Nenhuma dessas histórias se anula. Todas coexistem, se
atravessam. E ninguém tem como sair ileso desse entrelaçamento de mundos
emocionais.
No
supermercado, uma senhora chora discretamente no corredor dos enlatados. Perdeu
o marido recentemente e ainda não aprendeu a fazer compras para uma só pessoa.
Enquanto isso, um adolescente reclama alto do preço do energético, e uma mãe
tenta entreter o filho que berra porque quer um pacote de salgadinhos. Todos
ali parecem travar uma batalha invisível, mas real. E todos estão, de alguma
forma, em cena — mesmo que ninguém aplauda.
Nas
redes sociais, o drama ganha uma nova camada: a da performance. Alguém posta
uma taça de vinho com a legenda “recomeço”, mas está tentando sobreviver a um
fim traumático. Outro exibe a chegada à academia com emojis de fogo, tentando
esconder a dor do diagnóstico de depressão. Há quem poste paisagens serenas
tentando convencer o mundo (e a si mesmo) de que está em paz. A amálgama
continua existindo — só que editada. Com filtro.
O
filósofo francês Edgar Morin, ao pensar a complexidade, dizia que não se
pode isolar uma parte da vida e achar que isso explica o todo. A realidade é
feita de redes, de entrelaçamentos. O drama de um indivíduo nunca é apenas
dele. Ele respinga, reverbera, se mistura ao dos outros. Walter Benjamin
também observava que a experiência moderna é fragmentária — vivemos em pedaços,
justapostos, sobrepostos. Somos, todos nós, camadas de histórias em conflito.
A
vida, assim, não é um roteiro limpo. É uma tapeçaria com fios soltos, bordados
interrompidos, linhas que mudam de cor no meio do ponto. Tentar dar coesão
total ao próprio enredo é ignorar que, muitas vezes, o drama do outro é o que
altera o rumo da nossa história. E isso não é fraqueza — é condição humana.
Cada
pessoa se torna, assim, um ponto de convergência de múltiplas histórias. O
drama pessoal já é por si só uma construção simbólica: o que chamamos de
“drama” geralmente é um acontecimento que rompe com o ritmo esperado, que exige
reposicionamento. Mas quando isso se mistura com o sofrimento dos outros,
cria-se uma atmosfera emocional espessa. A amálgama surge aí: no entrelaçamento
de experiências que não respeitam hierarquias de importância. A morte de um
gato pode conviver no mesmo espaço mental que uma crise existencial sobre o
sentido da carreira.
A
amálgama de dramas pode parecer um fardo. Mas talvez seja ela o que nos mantém
humanos. Viver no meio do excesso emocional dos outros, sentir o peso e a
vibração de histórias que não são nossas, nos ensina a ter cuidado, a
reconhecer o outro para além da superfície. O drama, no fim, é uma forma de
conexão. É quando o sofrimento de um desconhecido nos toca que percebemos:
estamos todos entrelaçados.
No
café da manhã de um casal em crise, no olhar distante de um motorista de
aplicativo, na ansiedade disfarçada de uma piada no elevador — ali está a
amálgama. E cabe a nós aceitar que viver bem talvez seja menos sobre controlar
a narrativa e mais sobre aprender a conviver com os roteiros que atravessam o
nosso.
Porque
se cada um carrega dentro de si um romance inacabado, então o mundo é uma
biblioteca viva de histórias cruzadas. E a amálgama de dramas é o que torna
tudo isso — confuso, intenso, absurdo — profundamente real.