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sexta-feira, 1 de agosto de 2025

Amálgama de Dramas

Você está esperando o ônibus, celular na mão, olhos cansados. De repente, recebe uma mensagem da sua irmã dizendo que o avô caiu e foi levado ao hospital. Enquanto tenta processar isso, alguém atrás de você grita no telefone: “Ela me traiu, cara!”. À sua frente, um casal se abraça como se fosse a última vez. E ali está você, tentando ir ao trabalho. Num ponto de ônibus comum, o mundo inteiro virou palco de um amálgama de dramas.

Essa cena cotidiana revela uma verdade profunda: a vida humana é feita de sobreposições emocionais. Não vivemos histórias separadas em gavetas organizadas. Vivemos tudo junto — e de preferência, ao mesmo tempo. Cada um carrega seu próprio enredo, com personagens, pausas dramáticas, reviravoltas. E tudo isso acontece ao nosso redor sem pedir licença, como se o mundo fosse um palco girando sem direção única.

Imagine agora uma mulher fazendo uma apresentação importante no trabalho. Ela ensaiou por dias, está confiante, sorridente. Mas seu filho ficou doente de madrugada, ela mal dormiu, e enquanto fala sobre resultados trimestrais, está com a mente presa na febre do menino. No mesmo escritório, o colega ao lado acabou de saber que vai ser pai, e está radiante — quase flutuando. E no outro canto, alguém acabou de ser demitido. Nenhuma dessas histórias se anula. Todas coexistem, se atravessam. E ninguém tem como sair ileso desse entrelaçamento de mundos emocionais.

No supermercado, uma senhora chora discretamente no corredor dos enlatados. Perdeu o marido recentemente e ainda não aprendeu a fazer compras para uma só pessoa. Enquanto isso, um adolescente reclama alto do preço do energético, e uma mãe tenta entreter o filho que berra porque quer um pacote de salgadinhos. Todos ali parecem travar uma batalha invisível, mas real. E todos estão, de alguma forma, em cena — mesmo que ninguém aplauda.

Nas redes sociais, o drama ganha uma nova camada: a da performance. Alguém posta uma taça de vinho com a legenda “recomeço”, mas está tentando sobreviver a um fim traumático. Outro exibe a chegada à academia com emojis de fogo, tentando esconder a dor do diagnóstico de depressão. Há quem poste paisagens serenas tentando convencer o mundo (e a si mesmo) de que está em paz. A amálgama continua existindo — só que editada. Com filtro.

O filósofo francês Edgar Morin, ao pensar a complexidade, dizia que não se pode isolar uma parte da vida e achar que isso explica o todo. A realidade é feita de redes, de entrelaçamentos. O drama de um indivíduo nunca é apenas dele. Ele respinga, reverbera, se mistura ao dos outros. Walter Benjamin também observava que a experiência moderna é fragmentária — vivemos em pedaços, justapostos, sobrepostos. Somos, todos nós, camadas de histórias em conflito.

A vida, assim, não é um roteiro limpo. É uma tapeçaria com fios soltos, bordados interrompidos, linhas que mudam de cor no meio do ponto. Tentar dar coesão total ao próprio enredo é ignorar que, muitas vezes, o drama do outro é o que altera o rumo da nossa história. E isso não é fraqueza — é condição humana.

Cada pessoa se torna, assim, um ponto de convergência de múltiplas histórias. O drama pessoal já é por si só uma construção simbólica: o que chamamos de “drama” geralmente é um acontecimento que rompe com o ritmo esperado, que exige reposicionamento. Mas quando isso se mistura com o sofrimento dos outros, cria-se uma atmosfera emocional espessa. A amálgama surge aí: no entrelaçamento de experiências que não respeitam hierarquias de importância. A morte de um gato pode conviver no mesmo espaço mental que uma crise existencial sobre o sentido da carreira.

A amálgama de dramas pode parecer um fardo. Mas talvez seja ela o que nos mantém humanos. Viver no meio do excesso emocional dos outros, sentir o peso e a vibração de histórias que não são nossas, nos ensina a ter cuidado, a reconhecer o outro para além da superfície. O drama, no fim, é uma forma de conexão. É quando o sofrimento de um desconhecido nos toca que percebemos: estamos todos entrelaçados.

No café da manhã de um casal em crise, no olhar distante de um motorista de aplicativo, na ansiedade disfarçada de uma piada no elevador — ali está a amálgama. E cabe a nós aceitar que viver bem talvez seja menos sobre controlar a narrativa e mais sobre aprender a conviver com os roteiros que atravessam o nosso.

Porque se cada um carrega dentro de si um romance inacabado, então o mundo é uma biblioteca viva de histórias cruzadas. E a amálgama de dramas é o que torna tudo isso — confuso, intenso, absurdo — profundamente real.

terça-feira, 15 de julho de 2025

Aporias do Real

Do habitus ao imaginário, trânsitos simbólicos na vida cotidiana

Dizem que a realidade está aí, basta abrir os olhos. Mas o que acontece quando cada um vê uma coisa diferente com os mesmos olhos abertos? Uma conversa no ônibus, um post no Instagram, um gesto atravessado numa reunião de trabalho — todos esses episódios revelam que a realidade, tal como a experimentamos, está longe de ser uma rocha sólida. Parece mais uma superfície maleável, moldada por nossos hábitos, desejos e imagens mentais. Há algo que escapa. Algo que chamamos de “real”, mas que insiste em se esconder atrás de representações. Talvez estejamos todos tentando tocar o mundo com luvas simbólicas — e, mesmo assim, juramos que sentimos sua textura.

Este ensaio percorre uma trilha sinuosa entre sociologia e filosofia: da noção de habitus, formulada por Pierre Bourdieu, à lógica do imaginário como estruturante das experiências cotidianas. No meio do caminho, tropeçamos nas aporias do real — contradições, desvios e vazios que desafiam qualquer pretensão de fixar o mundo em significados unívocos. Proponho aqui um olhar inovador sobre os trânsitos simbólicos que constituem a vida cotidiana, suas ambiguidades e potências criativas.

 

Habitus: o corpo socializado

O habitus é a herança invisível que carregamos no corpo. Trata-se de um conjunto de disposições adquiridas, de esquemas de percepção e ação que estruturam nosso modo de estar no mundo sem que pensemos nele. Bourdieu o define como uma “estrutura estruturante estruturada” — fórmula que, embora intrincada, dá conta do paradoxo de que somos ao mesmo tempo produto e produtores da realidade social.

Nossos gostos, posturas e modos de falar não são apenas individuais, mas refletem o lugar que ocupamos nas hierarquias sociais. Um morador da periferia e um frequentador da ópera não percebem o mundo da mesma maneira — não apenas porque veem coisas diferentes, mas porque aprendem a ver diferentemente. A realidade, então, se apresenta conforme os óculos que o habitus nos dá. Mas será que esses óculos são suficientes para enxergar o mundo?

 

Imaginário: o real como tecido de imagens

Ao lado do habitus, o imaginário aparece como outra dimensão essencial da experiência do real. Gilbert Durand, Edgar Morin e Cornelius Castoriadis são pensadores que situam o imaginário não como ilusão, mas como uma instância organizadora da vida social. Imaginamos antes mesmo de racionalizar. Vemos o mundo atravessado por símbolos, mitos e arquétipos — sejam eles religiosos, midiáticos ou afetivos.

No mundo contemporâneo, onde a comunicação é instantânea e as imagens circulam com voracidade, o real se torna cada vez mais saturado de representações. A selfie, o meme, o story, o avatar: todos esses dispositivos não apenas representam o sujeito, mas constituem o modo como ele se vê e deseja ser visto. O real se desfaz em camadas imagéticas, e o que chamávamos de realidade objetiva torna-se, no fundo, uma arena de disputas simbólicas.

 

Aporias do real: entre o vivido e o representado

Aqui surgem as aporias: impasses entre o que se vive e o que se mostra, entre o que se sente e o que se pode dizer. Na vida cotidiana, há um vaivém constante entre o gesto espontâneo e a cena encenada. O sujeito contemporâneo se move entre diversos papéis: pai, profissional, cidadão, amante, usuário de redes sociais. Em cada espaço, opera um trânsito simbólico que exige novas máscaras, novas linguagens, novos códigos.

Mas o problema emerge quando as fronteiras se esgarçam: quando o imaginário se sobrepõe ao vivido, ou quando o habitus torna-se prisão. Há quem se perca em performances; há quem se sinta irreal em sua própria pele. As aporias do real residem justamente nesses momentos de desencontro — quando o simbólico não dá conta do vivido, e quando o vivido se torna irrepresentável.

 

Trânsitos simbólicos: reinvenções do cotidiano

Apesar dos impasses, é nesse trânsito que mora a potência criativa da vida social. Cada desvio, cada tropeço no automatismo do habitus, abre espaço para a reinvenção. O cotidiano é fértil em pequenas rupturas simbólicas: uma gíria nova que subverte o código, um gesto de afeto onde só se esperava formalidade, um corpo que resiste a normatividades.

Esses momentos de dissonância nos lembram que o real não é dado, mas constantemente produzido — e que podemos, sim, reconfigurá-lo. O filósofo francês Michel de Certeau falava do “uso tático” do cotidiano, como forma de resistência e criação. Assim, viver passa a ser mais do que reproduzir o mundo: é interferir nele, ainda que simbolicamente, a cada passo.

 

O real como dobra

O real, então, não é uma linha reta, mas uma dobra — uma dobra entre o habitus que nos molda, o imaginário que nos inspira e os símbolos que manipulamos no jogo social. Viver é transitar por essas dobras, ora confiando nas estruturas, ora desmontando-as. O desafio contemporâneo é perceber que a realidade não é só aquilo que nos cerca, mas também aquilo que somos capazes de imaginar — e simbolizar.

Na próxima conversa de ônibus ou no trem, talvez você repare não apenas no que está sendo dito, mas no modo como o real está sendo construído ali, naquele instante. E talvez descubra que a verdade do mundo não está naquilo que vemos, mas na maneira como conseguimos dizer o que, no fundo, ninguém viu ainda.


domingo, 9 de março de 2025

Perigo das Polarizações

Outro dia, enquanto esperava o elevador, ouvi uma conversa acalorada entre dois homens no corredor. Um defendia com unhas e dentes um ponto de vista, o outro, o oposto. Não era um debate, era um duelo. O elevador chegou, mas ninguém entrou. As palavras pesavam mais do que o movimento. E pensei: até que ponto a polarização está nos tornando reféns de nós mesmos?

A polarização não é apenas um fenômeno político ou social, mas um estado psicológico. Ela nos convida a escolher um lado e, ao fazê-lo, nos obriga a rejeitar o outro. Trata-se de um processo de identidade tanto quanto de opinião: ao nos alinharmos com um grupo, reforçamos a sensação de pertencimento e segurança. Mas, como bem alertou o filósofo francês Jacques Rancière, a política não deve ser reduzida a uma guerra de identidades onde o diálogo se torna impossível.

O problema maior da polarização é que ela nos aprisiona em certezas inquestionáveis. Perdemos a capacidade de ouvir, de reconsiderar, de duvidar. Passamos a ver o mundo em dualidades simplistas: certo ou errado, nós ou eles. Essa lógica binária ignora a complexidade da vida e empobrece nossa visão de mundo. Afinal, como nos lembra Edgar Morin, o pensamento complexo é aquele que abraça as contradições e as incertezas, e não as exclui.

Outro efeito colateral da polarização é a criação de realidades paralelas. Com a internet e as redes sociais, cada bolha ideológica constrói sua própria versão dos fatos, filtrando informações que reforçam suas crenças e rejeitando qualquer dado que as desafie. O resultado é um ambiente no qual o outro não é apenas diferente, mas inimigo. Hannah Arendt alertava que uma sociedade que perde a capacidade de compartilhar uma realidade comum está fadada ao autoritarismo e à desintegração do debate público.

Mas há um caminho para escapar dessa armadilha? Talvez a resposta esteja em algo que parece simples, mas se tornou cada vez mais raro: a disposição para o diálogo genuíno. Um diálogo que não busca converter, mas compreender. Que não se baseia em vencer um argumento, mas em expandir horizontes. Como propunha Paulo Freire, a verdadeira comunicação só acontece quando há abertura para o outro, para sua história, para sua visão de mundo.

A polarização, quando extrema, nos torna rígidos, inflexíveis e cegos para as nuances da realidade. O antídoto talvez seja reaprender a ouvir, exercitar a dúvida e abraçar a complexidade do mundo sem medo. No fim das contas, a vida não cabe em um elevador, nem em um debate binário. Ela exige movimento, trocas, e acima de tudo, a coragem de sair da própria bolha.


quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Fascínio das Contradições

Acreditar em coisas contraditórias não é um erro de lógica, mas uma característica humana profundamente enraizada. Vivemos em mundos complexos onde ideias incompatíveis podem coexistir, não como falhas, mas como expressões de nossa própria dualidade. Pense na política e na psicanálise. Uma promete soluções concretas para a sociedade; a outra, introspecção e confronto com nossos próprios abismos. Como podemos abraçar ambas sem nos perdermos em um paradoxo?

Política: A Razão da Ação

Na política, buscamos clareza e decisão. Queremos líderes que apontem caminhos, valores que organizem a sociedade e respostas para dilemas coletivos. A política é, essencialmente, pública e externa. Ela exige posições: esquerda ou direita, progresso ou tradição. O político eficaz precisa parecer resoluto, mesmo diante de incertezas. É por isso que acreditamos em discursos firmes, mesmo quando sabemos, em um canto silencioso da mente, que a realidade é bem mais caótica do que qualquer ideologia pode captar.

Psicanálise: A Razão do Desejo

Por outro lado, a psicanálise nos diz algo que parece oposto. Não somos racionais, mas governados por forças inconscientes, desejos reprimidos e contradições internas. Freud sugeriu que nossos comportamentos mais banais podem ser guiados por fantasias ocultas ou traumas mal resolvidos. Enquanto a política tenta nos ordenar, a psicanálise nos desconstrói. Aceitar a psicanálise é aceitar que a unidade da razão é ilusória, que somos um mosaico de impulsos conflitantes.

Quando o Político Encontra o Psicanalítico

Imagine uma pessoa que acredita na transparência absoluta como um valor político, mas que, em análise, descobre que se protege com máscaras. Ou um ativista que luta por mudanças sociais radicais, mas percebe, ao explorar o próprio inconsciente, que suas ações são impulsionadas por uma necessidade de aprovação paterna. Nesse cruzamento, a contradição deixa de ser apenas um problema; torna-se uma lente para entender o ser humano em sua totalidade.

Isso não significa que devemos escolher entre a política e a psicanálise. Pelo contrário, aceitar ambas é um exercício de convivência com a ambiguidade. Podemos exigir ética e pragmatismo na política, mas sem esquecer que nossas motivações mais íntimas raramente se alinham de forma impecável. Talvez, como Freud escreveu, “somos feitos de desejos insatisfeitos” – e não há nada mais político do que isso.

O Que Fazer com as Contradições?

Convivemos com contradições porque elas são inevitáveis, mas isso não significa que devemos ignorá-las. Podemos explorá-las, aceitá-las e, às vezes, até celebrá-las. Quando uma contradição surge, não é um sinal de fraqueza, mas de que estamos enfrentando algo maior do que nós mesmos. Como o filósofo francês Edgar Morin sugeriu, a complexidade do mundo não pode ser reduzida a um pensamento linear. O que nos resta é abraçar o "pensamento complexo" – aquele que acolhe o paradoxo como parte da vida.

O Humano, Este Contraditório

Acreditar em coisas contraditórias pode parecer desconfortável, mas é profundamente humano. A política e a psicanálise, apesar de suas diferenças, compartilham um objetivo comum: tornar a experiência humana mais compreensível, seja pelo coletivo ou pelo íntimo. No final, talvez não sejamos feitos para resolver todas as contradições. Afinal, como Heráclito já nos lembrou, é na tensão dos opostos que o universo encontra sua harmonia.

Por que, então, esperar algo diferente de nós mesmos? 

segunda-feira, 19 de agosto de 2024

Efeito Borboleta

O efeito borboleta é uma ideia fascinante que se originou na teoria do caos. Imagine uma borboleta batendo suas asas em um canto do mundo e, como resultado, provocando uma tempestade do outro lado do planeta. Isso não significa que o simples bater de asas cause diretamente a tempestade, mas ilustra como pequenas ações podem desencadear uma série de eventos que resultam em consequências imprevisíveis e potencialmente enormes.

No cotidiano, o efeito borboleta pode ser visto nas pequenas decisões que tomamos, aquelas que parecem insignificantes no momento, mas que, em retrospectiva, acabam moldando o curso de nossas vidas. Um simples "sim" ou "não", uma escolha de carreira, uma mudança de cidade, até mesmo o encontro casual com alguém que mais tarde se tornará uma figura importante em nossa vida – todas essas coisas carregam consigo a possibilidade de desdobramentos imprevisíveis.

Lembro-me de uma situação em que, atrasado para o trabalho, decidi pegar um caminho alternativo. No meio desse caminho, encontrei um amigo que não via há anos. A conversa que tivemos reacendeu uma antiga paixão minha por fotografia, algo que eu havia abandonado por causa das pressões do dia a dia. Esse reencontro me inspirou a retomar a câmera, o que, eventualmente, levou a uma série de exposições fotográficas que acabaram mudando a minha carreira de forma inesperada.

Esse é o poder do efeito borboleta na vida real. Às vezes, as pequenas escolhas que fazemos, quase que por acaso, podem nos levar a resultados completamente inesperados. Essas conexões e consequências são invisíveis no momento, mas, como uma teia complexa, tudo está interligado.

O filósofo francês Edgar Morin, conhecido por seus estudos sobre a complexidade, nos lembra que o mundo não é uma simples linha reta de causa e efeito, mas um emaranhado de eventos, onde cada fio puxado pode desencadear uma série de mudanças. Ele nos convida a reconhecer e aceitar essa complexidade, entendendo que nossas vidas são constantemente moldadas por fatores que, muitas vezes, estão fora de nosso controle.

Então, ao viver o dia a dia, vale a pena lembrar que até mesmo as ações mais pequenas podem ter um impacto maior do que imaginamos. Isso nos dá um senso de humildade diante da vida, mas também uma maior responsabilidade nas escolhas que fazemos. Afinal, nunca sabemos quando uma pequena decisão nossa pode desencadear uma série de eventos que transformam tudo ao nosso redor.


sexta-feira, 13 de dezembro de 2019

Sete Saberes


RESENHA do TEXTO “OS SETE SABERES NECESSÁRIOS À EDUCAÇÃO DO FUTURO” DE EDGAR MORIN
 

A presente resenha foi por mim elaborada e apresentada para atender tarefa solicitada pela professora Camila Dalcin junto a disciplina de A transversalidade dos temas filosóficos na Educação Básica I (Modulo 5) relativo ao curso de Pos Graduação em Filosofia na UFPEL - Universidade Federal de Pelotas.


            Propõe-se apresentar, neste trabalho resenha crítica do texto escrito por Edgar Morin, intitulado: “Os sete saberes necessários à educação do futuro”. Inicialmente cabe breve apresentação de Morin. Edgar Morin é um sociólogo e filósofo francês, pesquisador emérito do CNRS (Centre National de la Recherche Scientifique). Formou-se em Direito, História e Geografia, realizou estudos em Filosofia, Sociologia, Epistemologia e Educação. Autor de mais de trinta livros, entre eles o tema da presente resenha.
O livro intitulado Os Sete Saberes necessários à Educação do Futuro foi o resultado de uma solicitação da UNESCO, em 1999, a Edgar Morin com o propósito de que ele aprofundasse a visão transdisciplinar da educação, que expusesse suas ideias sobre a educação do amanhã.  Com esse fim, o autor após profunda reflexão expõe os seus sete saberes imprescindíveis a uma educação integral e de qualidade como desejava a UNESCO.
Partindo da ideia de que a educação do futuro deve se aproximar mais das questões humanas, englobando cada vez mais aspectos do quotidiano e tomando o ser humano como referencial para o ensino, Morin nos apresenta caminhos que se abrem a todos os que pensam e fazem educação, e que estão preocupados com o futuro das crianças e adolescentes.
No texto, Morin lista sete aspectos que denomina de “saberes” para a educação. Tais aspectos ou saberes são ideias que proporcionariam uma priorização na humanização da educação e tirariam os atuais processos educativos do estado de inércia, fazendo com que esses evoluíssem de forma compassada com as atuais e novas realidades sociais a nós apresentadas.

Os “sete saberes” descritos por Morin são os seguintes:

O primeiro saber: “As cegueiras do conhecimento” – O erro e a ilusão, convida o educando e educador a compreender a essência e a origem dos processos de conhecimento. Inicialmente Morin trabalha a ideia de erro, a ideia de que todo conhecimento comporta o risco do erro e também da ilusão, porque a ciência sempre buscou afastar o erro de sua concepção, sendo assim tudo aquilo que era considerado como erro deveria ser retirado da criação do conhecimento. Conforme Morin, "O dever principal da educação é preparar cada um para enfrentar os não saberes com lucidez", ou seja, a necessidade de integrar os erros nas concepções para que o conhecimento possa avançar.
O outro fator abordado neste saber seria a ilusão, ou como somos iludidos sobre o mundo e sobre nossa realidade, que o acaba sendo permeado por nossas percepções, acaba traduzindo o conhecimento de acordo como nós entendemos. Ao buscar e considerar os erros e as ilusões deste conhecimento constantes nas concepções, conseguiríamos compreender e avançar para um conhecimento verdadeiro;
Conforme Morin, “A educação do futuro deve enfrentar o problema de dupla face do erro e da ilusão. O maior erro seria subestimar o problema do erro: a maior ilusão seria subestimar o problema da ilusão”;

O segundo saber: “Os princípios do conhecimento pertinente” focam na necessidade de inserir os conhecimentos assimilados em questões dos micros e macro-ambientes, estabelecendo as mútuas relações entre as partes, buscando trabalhar a ideia de conhecimento pertinente, o qual entre em contraposição com a ideia que para aprendemos temos que fragmentar, ou seja quando mais nos fragmentamos as disciplinas mais o conhecimento consegue avançar, ou seja, Morin defende a ideia que não é preciso acabar com a ideia da disciplina, mas rearticular a ideia de disciplina em outros contextos. A ideia central deste saber remonta a necessidade de que o todo é mais que a soma das partes temos que "pensar as relações entre o todo e as partes", onde a educação do futuro busca estimular a inteligência geral e o conhecimento do todo, portanto o conhecimento pertinente é uma ideia contra a fragmentação e o isolamento disciplinar.

O terceiro saber: “Ensinar a condição humana” tem a ideia de retornar à educação ao seu principal foco que é o ser humano, fazendo com que as diversas disciplinas convirjam nesse único objetivo. É necessário aprender que o ser humano possui multidimensionalidades, além de seres culturais que somos, também somos naturais, psíquicos, físicos, míticos e imaginários, toda esta unidade complexa é desintegrada na educação por meio de disciplinas, tornando-se difícil aprender o que realmente significa ser humano. Para situar o ser humano no universo é preciso então, conhecê-lo com e em sua complexidade, se quisermos avançar para um ensino que não seja “apenas fragmentado e não conectado”.

O quarto saber: “Ensinar a identidade terrena” é preciso determinar a necessidade da promoção do estudo da história da humanidade, identificando seus principais aspectos “evolutivos” e a “identidade planetária” constituída a partir de então, bem como os problemas em comum de todas as nações originários destes aspectos, tal como a ideia da sustentabilidade, precisamos ver que nosso pequeno planeta precisa ser sustentado, afinal a Terra é a nossa pátria e daqui não temos para onde sair. As próximas gerações dependerão de nossas atitudes, a educação deve abraçar o conceito de sustentabilidade de maneira que entendam a ideia desta condição ser primordial para sobrevivência de todo ser vivo na Terra.

O quinto saber: “Enfrentar as incertezas” tem o intuito de advertir que os empregos da ciência nos processos educativos apenas nos fizeram entrar em contato com certezas geradas por ela, mas ignoraram as várias incertezas que também foram descobertas nesses mesmos casos, culminou por excluir a possibilidade de um preparo para o enfrentamento de imprevistos. É cabível o ensinamento do princípio da incerteza no qual o conhecimento cientifico nunca é o produtor absoluto de certezas, ao contrário, tudo aquilo que foi criado pelo homem foi a partir da ideia de incerteza. A incerteza pode comandar o avanço preparando educador e educando para enfrentar as situações imprevistas.

O sexto saber: “Ensinar a compreensão” recomenda e propõe a compreensão mútua entre os seres humanos, afim de gerar bases mais seguras de educação para a paz, promovendo, para isso, reformas das mentalidades. A reforma das mentalidades é no sentido de que a compreensão deva ser o meio e o fim da comunicação humana, e a comunicação voltada para compreensão, num ciclo onde as disciplinas que brigam entre si, departamentos que não se entendem com os outros, áreas de conhecimento que não se falam com outras, finalmente consigam se comunicar, portanto a comunicação humana é imprescindível e entenda não apenas o micro, mas entenda o macro ambientes de educação. É preciso entender e trabalhar a nova mentalidade de que é necessário introduzir o ensino da compreensão nas unidades de ensino em qualquer nível que elas exerçam, inclusive e principalmente a ideia da compreensão pode e de ser estendido ao nosso planeta que precisa de mais compreensão, onde infelizmente o que prejudica o avanço é a atual incompreensão politicas, ideológicas e econômicas.

E finalmente, o sétimo saber: “A ética do gênero humano” tem a intenção de conduzir a educação através do caminho da “antropoética”, que é a ética do gênero humano (ética pode ser resumida em: não desejar para os outros, aquilo que não desejo para mim, ideia presente no imperativo categórico kantiano), sendo ensinada e reintroduzida nas escolas, fazendo com que a ética seja formada nas mentes, não através e apenas de lições de moral, mas com base na pedra fundamental instalada na consciência de que o ser humano é indivíduo (micro) e, ao mesmo tempo, parte da sociedade e a espécie (macro). A religação do indivíduo, sociedade e espécie, dependem da construção de uma antropoética.

Morin apresentou suas ideias como inspirações que motivariam o educador a repensar seu posicionamento na docência, com sua relação com os outros discentes, frente a grade curricular, na relação da disciplina em si e na sua relação com o processo avaliativo, no entanto Morin não resolveu o problema do “como” aplicar os sete saberes na esperada reforma da educação, na qual ainda se está a discutir e tentando decidir junto as instituições de ensino soluções para o problema. Em princípio estamos cientes que os sete saberes poderão contribuir para união das disciplinas fragmentadas, o que foi proposto por Morin seria uma redefinição dos currículos que integram os saberes e assim propiciem a formação e as ações de um novo educador, inclusive estimulando o diálogo entre “diferentes”, reconhecendo que poderá haver relações de tensão entre os opostos (singular e universal, local e global, sujeito e objeto).
Entretanto, vejo a implementação de tais saberes com dúvida e relativa descrença, pois isto deveria promover uma verdadeira mudança na consciência e comportamento social das pessoas e não apenas dos processos educativos, o que sabemos seja difícil, pois vivemos numa sociedade individualista, consumista e pouco solidária, onde valores éticos estão como que amortecidos.
A sociedade tem se importado mais com os casos de corrupção do que com a educação (veja-se que STF trabalha quase todo o tempo para discutir casos de corrupção, onde as decisões do STF são vistas com profundo ceticismo), os noticiários do mundo relatam fatos da falta de ética, falta de compreensão, dificuldades de comunicação. Nas escolas encontramos o desmantelamento do ensino com baixos índices de aprendizagem, currículo confuso, desestímulo dos docentes em prosseguir na carreira de docentes, a quebra da autoridade da escola e consequentemente dos docentes que seria o mínimo necessário para contribuir numa melhor educação, isto tudo está afetando os processos educativos que ora estão bastante aquém da contemplação dessas necessidades.
Entendo que a difusão dos “sete saberes” de Morin deve tornar-se um referencial para cada educador em suas ações, que a sociedade (macro) ampare e assimile urgentemente a proposta de Morin, e que por atitudes possam chegar no educando (micro). Estamos cientes que será desencadeado um processo lento de mudança de mentalidade, até que esses “saberes” realmente exerçam alguma influência na forma de educar e, consequentemente, nas bases da sociedade nacional e mundial.

Bibliografia:
Morin, Edgar, 1921- Os sete saberes necessários à educação do futuro / Edgar Morin ; tradução de
Catarina Eleonora F. da Silva e Jeanne Sawaya ; revisão técnica de Edgard de Assis Carvalho. – 2. ed. – São Paulo : Cortez ; Brasília, DF : UNESCO, 2000.