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domingo, 6 de abril de 2025

Falsos Problemas

Quando a Pergunta Já É a Armadilha

Outro dia, parado no sinal vermelho e com a cabeça meio solta dos compromissos, me peguei tentando resolver um dilema existencial: será que as formigas têm consciência do trabalho em equipe ou só fazem porque fazem? Aí me caiu uma ficha meio amarga: talvez eu estivesse gastando energia com um falso problema. E não estou falando de bobagens do cotidiano, tipo "qual a melhor posição pra dormir", mas daqueles dilemas que, por mais sofisticados que pareçam, nascem de premissas viciadas. Falsos problemas são isso: perguntas bem articuladas com raízes podres.

No fundo, todo falso problema é uma má pergunta disfarçada de grande questão. Ele se sustenta num jogo de linguagem ou numa ilusão de perspectiva. Gastamos séculos debatendo "qual é o lugar da alma no corpo", por exemplo, sem antes perguntar se essa tal “alma” é mesmo algo que ocupa um lugar. Como disse Wittgenstein, muitos problemas filosóficos são como moscas presas numa garrafa: a saída está ali, mas a estrutura da garrafa (ou da linguagem) impede que a gente veja. O problema não é insolúvel — ele é mal colocado.

Imagine um médico tentando curar um paciente que só acha que está doente. O paciente sente os sintomas porque está convencido de que eles existem. Nesse cenário, a doença é um falso problema, mas o sofrimento é real. O mesmo acontece com muitas de nossas crises modernas: passamos noites sem dormir querendo saber se estamos vivendo “a vida certa”, se fizemos “as escolhas certas”, sem perceber que estamos baseando essas perguntas num modelo de vida que nem escolhemos.

O filósofo brasileiro Vilém Flusser dizia que, quando uma questão é mal formulada, qualquer resposta será igualmente mal formulada. Segundo ele, a verdadeira filosofia começa quando reformulamos os problemas, quando deixamos de responder perguntas e passamos a investigar de onde elas vêm. Ou seja, quando desconfiamos da pergunta antes de sair correndo atrás da resposta.

No dia a dia, os falsos problemas são sorrateiros. "Será que eu devia ser mais como fulano?" "Será que estou atrasado na vida?" "E se eu tivesse seguido outro caminho?" — perguntas que parecem profundas, mas muitas vezes estão embutidas em métricas que não são nossas. Seguimos perseguindo padrões de sucesso que ninguém teve coragem de questionar. Como correr em círculos dentro de uma gaiola mental.

Um caminho filosófico possível seria fazer como Sócrates, aquele incômodo grego que não respondia nada, mas fazia os outros perceberem que não sabiam o que estavam perguntando. Ele não resolvia problemas, ele desmontava as perguntas. E talvez esse seja o maior gesto de liberdade: perceber que, muitas vezes, não precisamos de respostas — precisamos de silêncio diante do barulho das perguntas mal feitas.

Voltando às formigas: talvez a questão nunca tenha sido se elas têm consciência, mas por que eu achei relevante pensar nisso enquanto esperava o sinal abrir. E isso, por si só, já aponta para o verdadeiro problema.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Roda da Fortuna

Outro dia, conversando com um amigo sobre como a vida parece brincar com a gente, ele disse: "Acho que a minha Roda da Fortuna emperrou." Rimos, mas no fundo, a metáfora era certeira. Tem fases em que tudo conspira a favor e momentos em que o destino parece rir na nossa cara. A Roda da Fortuna, um dos símbolos mais antigos da imprevisibilidade da vida, nos lembra que ninguém está permanentemente no topo — nem sempre no fundo.

A ideia da Roda da Fortuna tem raízes na Antiguidade. Os romanos viam Fortuna, a deusa do destino, como uma força cega que gira a roda ao acaso, elevando e derrubando pessoas sem aviso prévio. Na Idade Média, o conceito se tornou um lembrete moral: reis e mendigos eram igualmente sujeitos à instabilidade da existência. O pensador Boécio, em A Consolação da Filosofia, escreveu sobre como a verdadeira sabedoria está em não se apegar demais à boa sorte nem se desesperar diante da má sorte. Afinal, a roda gira.

No cotidiano, sentimos isso na pele. Um dia, um colega de trabalho recebe uma promoção inesperada, enquanto outro, tão competente quanto, é demitido sem explicação. A bolsa de valores sobe vertiginosamente e, no dia seguinte, despenca. Pessoas entram e saem da nossa vida sem que possamos prever. O que nos resta, então?

A resposta filosófica pode variar. Os estoicos sugeririam a apatheia, um estado de serenidade diante das mudanças. Nietzsche, por outro lado, falaria do amor fati — amar o destino, abraçar os altos e baixos como partes inseparáveis da existência. No Brasil, Clóvis de Barros Filho nos lembra que a felicidade não é um estado permanente, mas momentos fugazes que precisamos aproveitar sem ilusões de eternidade.

Talvez, no fim das contas, o segredo seja aprender a dançar conforme a música. Nem sempre temos controle sobre os giros da roda, mas podemos escolher como reagir a eles. E, quem sabe, entender que a beleza da vida está justamente nessa imprevisibilidade — porque se a roda parasse, perderíamos o encanto de esperar pelo próximo movimento.


sábado, 9 de novembro de 2024

Inticando o Destino

Se “inticar o destino” é, de certo modo, “cutucar” o destino, a imagem muda. Em vez de uma busca silenciosa e introspectiva, estamos lidando com um gesto ativo, provocador – quase uma tentativa de desafiar o destino, de instigá-lo para que se revele. Inticar o destino significa, então, tirar a vida de seu curso seguro, empurrá-la para zonas desconhecidas, com a esperança de que alguma verdade maior ou caminho inesperado se desdobre a partir daí.

Esse impulso é próprio da natureza humana. Queremos respostas e, muitas vezes, não conseguimos esperar pacientemente que a vida nos revele seu sentido. Assim, experimentamos, testamos possibilidades, tomamos decisões que podem parecer impulsivas ou arriscadas. É como se, em vez de apenas escutar o que a vida nos oferece, quiséssemos ver até onde ela aguenta nossas perguntas e nossas provocações.

Nietzsche, o filósofo alemão, talvez fosse o maior “cutucador de destinos” da filosofia. Ele nos convida a romper com as verdades prontas e com os destinos impostos, a questionar incessantemente quem somos e para onde vamos, até o ponto em que a própria vida se reinventa. Para ele, o destino não é uma estrada pré-determinada, mas algo que se molda em nossa interação com o mundo, nas escolhas que fazemos e nos riscos que decidimos correr. Cutucar o destino, nesse sentido, seria o mesmo que abraçar a aventura de uma vida com coragem e intensidade.

Por outro lado, ao inticar o destino, também corremos o risco de despertar aquilo que preferíamos manter adormecido. Existe uma sabedoria antiga que nos adverte a ser cautelosos com o que pedimos – ou, neste caso, com o que provocamos. Quando instigamos o destino, estamos abrindo portas, nem sempre sabendo o que há do outro lado. Existe uma beleza nisso, mas também uma incerteza. Ao cutucar o destino, ele pode responder de formas inesperadas, colocando-nos em situações que talvez jamais tivéssemos antecipado.

E, no fim, inticar o destino talvez seja um convite a viver uma vida plena e não se deixar levar pela inércia. Ao cutucar, provocamos a nós mesmos a sair do conforto, a testar a firmeza dos nossos desejos e a descobrir quem realmente somos. O destino não responde a quem apenas espera; ele responde, sobretudo, a quem se atreve a desafiá-lo.


quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Matar o Tempo

Sabe aquele momento em que você está à toa, sem nada urgente para fazer, e acaba se perdendo em distrações? Pois é, outro dia me peguei fazendo isso, rolando sem rumo pelas redes sociais, e de repente me veio um estalo: quanto tempo eu já perdi assim, matando o tempo? E aí me bateu uma reflexão mais profunda – a vida é tão curta, e aqui estou eu, desperdiçando minutos preciosos com coisas que não vão me acrescentar nada. Foi esse insight que me fez pensar: por que a gente se permite isso? Afinal, o tempo que gastamos à toa é tempo de vida que não volta. Isso me inspirou a escrever sobre como a dispersão, essa mania de se ocupar com qualquer coisa, pode ser um verdadeiro desperdício daquilo que temos de mais valioso.

"Matando o tempo" é uma expressão que usamos quase sem pensar. Aquele momento em que estamos sem nada para fazer e, ao invés de focarmos em algo produtivo, nos jogamos em qualquer distração disponível. Pegamos o celular, navegamos pelas redes sociais, trocamos mensagens vazias, e, antes que percebamos, horas se foram. A dispersão é o grande vilão aqui: fazer muita coisa, mas nada que realmente importa.

Imagine um dia típico. Você acorda, toma um café rápido e sai para o trabalho. No transporte, ao invés de ler aquele livro que está na prateleira há meses, você decide rolar o feed do Instagram. Chegando ao trabalho, entre uma tarefa e outra, você se pega checando as notícias, respondendo mensagens ou simplesmente olhando para o nada. No final do dia, você se sente exausto, mas ao mesmo tempo com a sensação de que não fez nada de significativo. O tempo passou, mas o que você conquistou?

O filósofo francês Henri Bergson, conhecido por suas reflexões sobre o tempo, falava sobre a importância da "duração" – uma qualidade do tempo que não pode ser medida em minutos ou horas, mas sim pela intensidade das experiências que vivemos. Segundo ele, o tempo vivido, aquele preenchido com sentido e propósito, é o que realmente importa. Quando nos dispersamos, perdemos essa "duração", substituindo-a por um tempo vazio, mecânico.

Voltando ao cotidiano, pense naquelas vezes em que você se sentou para estudar ou trabalhar em algo importante, mas acabou se distraindo com mensagens ou vídeos aleatórios. A sensação de estar ocupado sem realmente estar progredindo é frustrante. Estamos fazendo muitas coisas, mas poucas delas são realmente significativas.

A vida é curta, e cada momento que temos é precioso. Matar o tempo, na verdade, é desperdiçar o pouco tempo de vida que nos foi dado. Cada minuto que passa é uma oportunidade perdida de fazer algo significativo, de criar memórias, de aprender, de crescer. Quando nos permitimos cair na dispersão, deixamos de viver plenamente, trocando momentos que poderiam ser valiosos por atividades vazias e sem propósito. No fim, matar o tempo é, na verdade, matar um pouco da própria vida.

Mas e se, ao invés de simplesmente matar o tempo, começássemos a usá-lo com intenção? Ao invés de gastar horas em redes sociais, poderíamos investir esse tempo em atividades que realmente nos trazem algo de volta – aprender uma nova habilidade, praticar um hobby, ou simplesmente ter uma conversa profunda com alguém querido. Essas são as "coisas certas" que Bergson provavelmente diria que preenchem nosso tempo com verdadeira "duração."

Assim, quando se pegar matando o tempo, pare e reflita: será que isso está realmente adicionando algo à minha vida? Porque, no fim das contas, não é sobre fazer muito, mas sim sobre fazer o que realmente importa. 

segunda-feira, 2 de setembro de 2024

Largando as Amarras



Ei, você aí, preso no labirinto das lembranças! Sim, você que está carregando o peso do passado como se fosse uma mochila cheia de pedras. Está na hora de soltar esse fardo e embarcar na emocionante jornada da libertação do passado. Vamos falar sério, carregar mágoas, arrependimentos e ressentimentos não leva a lugar nenhum, exceto para uma montanha-russa emocional sem fim. Mas não se preocupe, estou aqui para te guiar nessa viagem de autodescoberta e crescimento pessoal.

Imagine isso: você está dirigindo pela estrada da vida, mas o retrovisor está sempre focado no passado. Você não consegue seguir em frente porque está ocupado olhando para trás. É como tentar correr uma maratona com uma âncora amarrada aos tornozelos. Parece exaustivo, não é? Então, por que não soltar essa âncora de uma vez por todas?

Vou te dar uma dica: comece pequeno. Assim como uma limpeza de primavera, liberte-se das pequenas bagagens que acumulou ao longo dos anos. Lembre-se daquela briga boba com um amigo? Deixe isso para trás. Aquele erro colossal que você cometeu no trabalho? Aprenda com ele e siga em frente. Não estou dizendo para esquecer completamente o passado, afinal, nossas experiências moldam quem somos. Mas há uma diferença entre aprender com o passado e ficar preso nele como um disco riscado.

Agora, vamos dar uma olhada em algumas situações do cotidiano onde a libertação do passado pode fazer toda a diferença:

Relacionamentos: Quantas vezes você se encontrou revivendo uma discussão do passado enquanto tentava aproveitar um momento feliz com seu parceiro? Deixe as antigas mágoas irem embora e concentre-se no presente. Afinal, é difícil abraçar o amor quando você está ocupado segurando rancor.

Carreira: Aquela promoção que você não conseguiu ou o projeto que não deu certo podem assombrá-lo se você permitir. Mas e se você usar essas experiências como trampolins para o sucesso futuro? Aprenda com os fracassos, mas não deixe que eles definam sua jornada profissional.

Autopercepção: Quem você era no passado não é necessariamente quem você é agora. As pessoas crescem, evoluem e mudam. Então, pare de se punir por decisões que tomou há anos. Seja gentil consigo mesmo e permita-se crescer.

Grudar no Passado vs. Viver o Presente: Você já reparou como ficamos tão presos em momentos passados que perdemos as maravilhas que estão acontecendo ao nosso redor agora? Seja consciente do momento presente. Apreciar as pequenas coisas da vida pode ser a chave para a felicidade.

Então, meus amigos, está na hora de soltarem as amarras do passado e abraçar o presente com os braços abertos. Afinal, o futuro é muito mais brilhante quando não estamos olhando para trás o tempo todo. Então, respiremos fundo, soltemos o passado e preparemo-nos para uma jornada incrível rumo à liberdade emocional.

sexta-feira, 9 de agosto de 2024

Proporção e Moderação

Acordei com uma sensação de urgência, como se o dia fosse um balde transbordando de compromissos. A primeira coisa que fiz foi checar meus e-mails enquanto tomava um gole de café, já morno. Entre reuniões, prazos e mensagens, a palavra "equilíbrio" parecia um luxo distante. E foi justamente essa ausência de equilíbrio que me fez pensar na importância da proporção e moderação no nosso dia a dia.

A Comida no Prato

Quem nunca passou por isso? Olhos maiores que a barriga. No buffet a quilo, aquela tentação de colocar um pouco de tudo no prato, misturando sabores e texturas que acabam competindo entre si. Em vez de uma refeição prazerosa, temos uma bagunça no prato e, frequentemente, uma sensação de peso e arrependimento depois. Aristóteles, o filósofo grego, já falava sobre a “justa medida” ou “mesótes”, defendendo que a virtude está no meio-termo entre dois extremos. No caso do nosso prato de comida, moderação é a chave para apreciar verdadeiramente os sabores e sair satisfeito.

O Tempo Dedicado ao Trabalho

Vivemos numa sociedade que muitas vezes glorifica o excesso de trabalho. As longas horas no escritório são vistas como um sinal de dedicação, mas frequentemente levam ao esgotamento. Eu, por exemplo, passei várias noites tentando terminar um projeto, apenas para descobrir que meu desempenho caía drasticamente conforme a noite avançava. Bertrand Russell, filósofo britânico, dizia que “o trabalho é apenas uma parte da vida e não o seu propósito final”. Moderação no trabalho significa também reservar tempo para lazer, descanso e outras atividades que nos trazem alegria e completude.

Redes Sociais

Quantas vezes pegamos o celular “só para dar uma olhadinha” e, quando percebemos, já passaram horas rolando o feed? A sensação de estar conectado a tudo e todos pode ser viciante, mas também nos rouba momentos preciosos do mundo real. Sêneca, o estoico, alertava sobre o uso sensato do tempo, afirmando que muitas vezes gastamos nosso tempo de forma irresponsável. Moderar o uso das redes sociais nos permite viver mais plenamente o presente, sem a constante distração do virtual.

Comentário de um Filósofo Budista

Para complementar essas ideias, podemos recorrer aos ensinamentos do Budismo, onde a prática da moderação é fundamental. Thich Nhat Hanh, monge zen-budista vietnamita, ensina a importância da plena consciência e do equilíbrio em todas as ações. Ele afirma: “A paz está presente aqui e agora, em nós mesmos e em tudo o que fazemos e vemos. A questão é se estamos ou não em contato com ela.” Para Thich Nhat Hanh, a prática da moderação é um caminho para estar em contato com essa paz interior, evitando os extremos que nos afastam de nós mesmos.

Encontrando o Equilíbrio

Proporção e moderação não são sobre renunciar às coisas que gostamos, mas sim sobre encontrar um equilíbrio que nos permita apreciá-las sem excessos. Seja no prato de comida, nas horas de trabalho ou no uso das redes sociais, a chave está em reconhecer nossos limites e agir com consciência. Afinal, como disse Aristóteles, "a virtude está no meio-termo". E talvez seja nesse meio-termo que encontraremos a verdadeira satisfação e harmonia em nossas vidas.

Assim, da próxima vez que me deparar com um buffet a quilo ou uma longa lista de e-mails, vou tentar lembrar das palavras dos filósofos e buscar a justa medida. Quem sabe assim, entre um café morno e outro, eu encontre o equilíbrio que tanto procuro.

Incorporando os ensinamentos de Thich Nhat Hanh e outros pensadores, podemos perceber que a moderação não é uma limitação, mas uma forma de viver plenamente. A arte de encontrar o equilíbrio no cotidiano é um exercício contínuo, mas que traz recompensas duradouras. Seja na alimentação, no trabalho ou nas redes sociais, a moderação nos permite aproveitar o melhor de cada momento, sem cair nos excessos que nos desvirtuam da verdadeira paz e felicidade.

sexta-feira, 26 de julho de 2024

Ridicularidade Estética

Às vezes, nos pegamos parados em frente ao espelho, questionando se aquela roupa nos cai bem. Ficamos imaginando se o corte do tecido, a cor ou o estilo vão atrair olhares críticos ou, pior ainda, comentários alheios. A verdade é que muitos de nós já deixamos de usar algo que gostamos ou de fazer algo que nos trazia prazer simplesmente porque nos preocupamos demais com o que os outros poderiam pensar. Essa preocupação excessiva com a opinião alheia pode se transformar em um fardo que impede nossa liberdade de expressão e felicidade.

Imagine uma manhã comum, você acorda se sentindo animado para usar aquela camisa amarela vibrante que comprou recentemente. No entanto, logo vem a dúvida: "E se acharem exagerada demais?" A preocupação com os olhares críticos faz com que a camisa volte para o fundo do armário, substituída por algo mais discreto. Mas, será que esse receio realmente vale a pena?

Viver bem com nós mesmos é uma arte que muitos ainda estão aprendendo. Isso significa aceitar nossas escolhas, gostos e peculiaridades, independentemente do que os outros possam pensar. Afinal, como diria o filósofo Friedrich Nietzsche, “Torna-te quem tu és.” Ou seja, devemos abraçar nossa individualidade e viver de acordo com nossos próprios valores e desejos, sem nos submeter aos julgamentos externos.

Ridículo não é quem escolhe usar uma roupa diferente ou adotar um estilo de vida peculiar. Ridículo é aquele que se acha no direito de criticar e tentar moldar a vida dos outros conforme suas próprias percepções limitadas. Julgar os outros é uma maneira pobre de se afirmar, pois demonstra uma falta de compreensão e respeito pela diversidade humana.

No final das contas, a vida é curta demais para ser vivida na sombra das opiniões alheias. Cada momento que passamos nos preocupando com o que os outros vão pensar é um momento que deixamos de aproveitar plenamente. Então, que tal resgatar aquela camisa amarela do fundo do armário e usá-la com orgulho? Que tal fazer aquela dança esquisita que você adora, mesmo que alguém possa achar estranho?

O segredo para uma vida mais feliz e autêntica é simples: viva para você. Faça escolhas que te façam sorrir, que te tragam paz e que reflitam quem você realmente é. E da próxima vez que alguém quiser dar uma opinião não solicitada sobre suas escolhas, lembre-se de que a verdadeira ridicularidade está em quem tenta impor suas próprias inseguranças sobre os outros. Seja você mesmo, sempre.

quarta-feira, 24 de julho de 2024

Morte Inconsciente

Já pensou em como seria a morte inconsciente? Talvez nunca tenhamos pensado muito sobre isso, afinal, a morte é um assunto que, por si só, já nos deixa desconfortáveis. Mas e se, ao invés de ser um evento consciente e doloroso, fosse algo que ocorre sem que percebêssemos, como adormecer sem sonhos e nunca mais acordar?

Imagine um dia comum: você está sentado em um café, tomando um expresso e folheando as páginas do jornal. A vida segue seu curso normal, cheia de compromissos, responsabilidades e pequenos prazeres. De repente, sem aviso, você simplesmente não acorda mais. A transição entre a vida e a morte é tão suave que nem se dá conta do que aconteceu. Uma morte inconsciente.

Essa ideia, de certa forma, traz um certo alívio. Não haveria dor, medo ou sofrimento. Seria como fechar os olhos e não mais abrir, sem a consciência do fim. Para muitos, essa perspectiva pode ser mais reconfortante do que encarar a morte como um evento doloroso e temido.

Reflexão Filosófica

Para aprofundar essa discussão, vamos trazer um pouco de filosofia à mesa. O filósofo romeno Emil Cioran, conhecido por suas reflexões sobre a existência e o absurdo da vida, oferece uma visão interessante sobre a morte. Cioran, em sua obra "Breviário de Decomposição", fala sobre a morte como uma libertação do fardo da existência. Ele argumenta que a morte, especialmente uma morte inconsciente, poderia ser vista como um alívio da consciência, uma forma de escapar do tormento constante de ser.

Cioran diz: "O sono é a única categoria estética em que a vida e a morte se reconciliam." Nesse sentido, a morte inconsciente seria uma extensão eterna do sono, um estado em que deixamos de lado todas as angústias e tormentos que a vida nos impõe. Para Cioran, a ausência de consciência na morte poderia ser a forma mais pura de paz.

Situações Cotidianas

Vamos imaginar algumas situações do dia a dia onde essa ideia de morte inconsciente poderia ser explorada:

Trânsito Caótico: Você está preso no trânsito, estressado e preocupado com a demora para chegar ao trabalho. No entanto, a ideia de que a morte pode vir de forma inconsciente faz com que esses pequenos estresses pareçam triviais. Afinal, a qualquer momento, sem aviso, tudo pode terminar de maneira tranquila e sem dor.

Exames Médicos: Enfrentar exames médicos muitas vezes nos deixa ansiosos, com medo de receber más notícias. Mas a possibilidade de uma morte inconsciente coloca tudo em perspectiva. Talvez não devêssemos temer tanto esses momentos, pois a própria consciência do medo poderia ser algo do qual seríamos poupados.

Despedidas e Encontros: A morte inconsciente nos faz pensar nas despedidas que nunca acontecem. Imagine partir sem dizer adeus, simplesmente não acordar mais. Isso torna cada encontro e cada momento com as pessoas que amamos ainda mais valiosos, pois nunca sabemos quando será a última vez.

A ideia de morte inconsciente pode parecer assustadora à primeira vista, mas também carrega uma certa serenidade. É um lembrete de que a vida é frágil e que talvez o maior presente seja viver plenamente, aproveitando cada momento como se fosse o último. E se, como Emil Cioran sugere, a morte é um sono eterno, então que nossos dias acordados sejam cheios de vida, risos e amor.

Em última análise, a morte inconsciente nos desafia a repensar nosso medo do fim e a valorizar ainda mais os momentos que temos. É uma reflexão sobre a importância de viver sem arrependimentos, aproveitando cada segundo, pois a transição final pode ser tão simples quanto fechar os olhos e não mais abrir. 

sábado, 29 de junho de 2024

Questionar Suposições

Você já teve aquela conversa onde tudo parecia um jogo de telefone sem fio? Onde o que você disse não foi exatamente o que a outra pessoa entendeu? Essas pequenas confusões do dia a dia me fizeram pensar: como a filosofia poderia nos ajudar a navegar melhor nessas situações? Foi aí que me lembrei de Ludwig Wittgenstein, o cara que não só pensava profundamente sobre palavras e significados, mas também sobre como isso afeta nossas interações diárias. Então, pegue uma xícara de café (ou chá, se preferir) e vamos pensar em como os insights desse filósofo podem iluminar nosso cotidiano e talvez até nos ajudar a evitar algumas dessas confusões linguísticas.

E mais, você já parou para pensar como a filosofia pode ser útil no nosso cotidiano agitado? Ludwig Wittgenstein, um dos grandes pensadores do século XX, oferece não apenas teorias complexas sobre linguagem e mente, mas como disse, também oferece insights valiosos que podem iluminar nossas experiências diárias. Vamos lá.

Clareza na Comunicação: Mais do que Palavras

Quantas vezes nos vemos em situações onde uma simples falta de clareza na comunicação pode causar grandes mal-entendidos? Wittgenstein nos lembra da importância de ser preciso e direto ao nos expressarmos. Imagine uma conversa sobre planos para o fim de semana: se não formos claros sobre horários e atividades, podemos acabar frustrados ou decepcionados com o resultado. Ser preciso não é apenas uma questão de evitar conflitos, mas também de garantir que nossas ideias sejam entendidas da maneira que pretendemos.

Questionando as Suposições: O Poder do Pensamento Crítico

Wittgenstein era mestre em questionar as suposições que fazemos sobre o mundo e sobre nós mesmos. No entanto, no dia a dia, muitas vezes aceitamos as coisas como são sem questionar. Por exemplo, quantas vezes seguimos certas rotinas simplesmente porque sempre fizemos assim, sem pensar se ainda são eficazes ou significativas para nós? Questionar nossas próprias suposições pode abrir caminho para novas perspectivas e melhores decisões. Vamos rever nossos apegos...

Contexto e Significado: Além das Palavras

Você já se viu em uma situação onde alguém entendeu completamente errado o que você disse? Wittgenstein nos ensina que o significado das palavras é profundamente influenciado pelo contexto em que são usadas. Isso pode ser especialmente relevante em situações como debates acalorados nas redes sociais ou até mesmo em conversas pessoais. Considere como uma simples mudança de contexto pode transformar completamente o significado de uma mensagem.

Simplicidade e Autenticidade: O Caminho para uma Vida Melhor

Wittgenstein valorizava a simplicidade e a autenticidade tanto na vida intelectual quanto na prática. No mundo moderno, onde somos constantemente bombardeados com informações e distrações, buscar simplicidade pode ser um ato revolucionário. Pode ser tão simples quanto desacelerar e apreciar um momento tranquilo ou tão profundo quanto refletir sobre nossos valores e como vivemos de acordo com eles.

Viver Melhor com Filosofia

Ao final do dia, as ideias de Wittgenstein não são apenas teorias abstratas, mas sim ferramentas poderosas que podemos usar para melhorar nossas vidas. Seja buscando mais clareza na comunicação, questionando nossas suposições, considerando o contexto em que vivemos ou simplesmente buscando mais simplicidade e autenticidade, suas ideias podem nos guiar para uma vida mais consciente e satisfatória. Então, da próxima vez que se encontrar em uma situação desafiadora, talvez seja hora de se perguntar: o que Wittgenstein faria?

Como vimos este artigo informal não só explora como a filosofia pode ser relevante no cotidiano, mas também como as ideias de Wittgenstein podem oferecer um novo olhar sobre nossas experiências diárias. Que tal aplicar um pouco de filosofia prática na sua vida hoje mesmo? E ainda querem tirar a filosofia da classe escolar... 

sábado, 8 de junho de 2024

Burlar a Velhice

Parece que todos nós, em algum momento, olhamos no espelho e nos perguntamos: "Como posso burlar o envelhecimento?" Não é segredo que a passagem do tempo deixa suas marcas, mas a boa notícia é que hoje temos uma série de armas à disposição para desafiar a velhice. Desde medicamentos e terapias até procedimentos estéticos como botox e silicones, e claro, a boa e velha rotina de exercícios físicos. Mas será que estamos realmente enganando o tempo ou apenas brincando com ele?

O Lado Bom:

Um dos benefícios mais óbvios de todos esses tratamentos é que nos sentimos e, muitas vezes, parecemos mais jovens. Quem não gosta de receber um elogio dizendo que "não aparenta a idade que tem"? Além disso, esses cuidados podem trazer melhorias na saúde física e mental. Os exercícios, por exemplo, não só ajudam a manter a forma física, mas também são ótimos para a saúde do coração e para combater o estresse.

Agora um aparte, e neste ponto a coisa fica muito séria, praticar exercícios físicos regularmente é uma maneira incrível de ajudar os idosos a manterem sua autonomia por mais tempo. Quando pensamos na rotina de um idoso que gosta de caminhar todas as manhãs, por exemplo, vemos muito mais do que um simples hábito saudável. Essa caminhada diária fortalece os músculos, melhora a circulação e até ajuda na prevenção de quedas, que são comuns nessa fase da vida. Sem contar que, ao sair de casa, o idoso interage com outras pessoas, o que também contribui para sua saúde mental e emocional. Assim, ao se manter ativo, ele consegue realizar tarefas diárias como ir ao mercado, cuidar do jardim ou brincar com os netos, sem depender tanto de ajuda. Portanto, exercícios físicos são uma ferramenta poderosa para garantir que nossos idosos vivam de forma mais independente e com maior qualidade de vida.

Nem sempre nós, idosos, temos condições de pagar por uma casa geriátrica para nos acolher, então é essencial praticarmos exercícios físicos regularmente. Sem essa prática, a falta de autonomia pode acabar exigindo dos nossos parentes uma dedicação extraordinária, que muitas vezes eles não conseguem oferecer devido às suas próprias rotinas e responsabilidades. Manter o corpo em movimento, seja com caminhadas diárias, alongamentos ou atividades como yoga e pilates, ajuda a fortalecer os músculos, melhorar a flexibilidade e prevenir problemas de saúde que podem nos deixar dependentes. Dessa forma, conseguimos realizar nossas tarefas diárias com mais facilidade e independência, evitando sobrecarregar nossos familiares e vivendo com mais qualidade e dignidade.

Os procedimentos estéticos também podem aumentar a autoestima e a confiança. Quando nos olhamos no espelho e vemos uma versão mais rejuvenescida de nós mesmos, é difícil não sorrir. E vamos encarar, é bom se sentir bem consigo mesmo.

O Lado Ruim:

No entanto, nem tudo são flores nesse jardim da juventude eterna. Primeiro, há o aspecto financeiro. Muitos desses tratamentos e procedimentos não são baratos e podem acabar pesando no bolso. E mesmo os que são acessíveis financeiramente, como os exercícios físicos, muitas vezes exigem tempo e energia que nem todos têm.

Além disso, há sempre o risco de efeitos colaterais e complicações. Os medicamentos podem causar reações adversas, os procedimentos estéticos podem resultar em resultados indesejados, e a obsessão pela juventude eterna pode levar a problemas psicológicos sérios, como a dismorfia corporal.

Situações do Cotidiano:

Quem nunca se pegou examinando cada ruga no espelho, desejando que elas desaparecessem magicamente? Ou talvez tenha considerado seriamente fazer um procedimento estético depois de ver aquela celebridade aparentemente imune ao envelhecimento? No dia a dia, somos constantemente bombardeados com mensagens sobre a importância da juventude e da beleza, o que pode nos fazer recorrer a esses tratamentos como uma solução rápida.

Por outro lado, também vemos exemplos inspiradores de pessoas que abraçam o envelhecimento com graça e dignidade. Elas aceitam as rugas como marcas de uma vida bem vivida, e entendem que a verdadeira beleza vem de dentro.

Então, o que devemos fazer? É claro que não há uma resposta única para todos. Cada pessoa deve decidir o que é melhor para si mesma, levando em consideração sua saúde, seus valores e suas circunstâncias. Não há nada de errado em querer parecer e se sentir mais jovem, desde que isso não se torne uma obsessão ou prejudique nossa saúde física e mental.

No final das contas, o segredo para envelhecer bem pode não estar nos tratamentos e terapias, mas sim na forma como encaramos o processo de envelhecimento. Se pudermos abraçar cada ruga e cada cabelo grisalho como parte de quem somos, então talvez possamos descobrir que a verdadeira juventude está na nossa atitude em relação à vida, não no número de velas no bolo de aniversário. 

domingo, 7 de abril de 2024

Déjá vu e formas


Você já teve a sensação de estar preso em um loop temporal, como se já tivesse vivido exatamente aquela cena antes? Bem-vindo ao clube do déjà vu! É uma daquelas experiências estranhas que todos nós enfrentamos em algum momento de nossas vidas. Mas, e se eu te dissesse que o velho Platão tinha algumas ideias intrigantes sobre esses momentos de déjà vu e como eles se relacionam com algo que ele chamou de "formas"?

Vamos começar do começo. Platão, o cara grego com barba e túnica, tinha uma visão bastante única do mundo. Ele acreditava que além do mundo físico que vemos ao nosso redor, existe um mundo de formas perfeitas e eternas. Imagine isso como o reino das ideias, onde tudo é perfeito e imutável. Por exemplo, imagine um círculo perfeito. Nenhum círculo na Terra pode ser perfeitamente redondo, mas todos eles são uma mera sombra, uma imitação, da forma perfeita de círculo que existe no mundo das ideias de Platão.

Agora, aqui vem a parte interessante. Platão argumentava que nossas almas existiam nesse mundo das formas antes de nascermos e que elas possuíam todo o conhecimento dessas formas. Porém, quando nascemos, esquecemos tudo isso. O que o déjà vu tem a ver com isso? Bem, alguns sugerem que quando experimentamos o déjà vu, estamos brevemente lembrando de algo que já sabíamos no mundo das formas, algo que nossa alma já tinha conhecimento antes de nascermos.

Agora, eu sei o que você está pensando. Isso tudo soa meio maluco, certo? E é exatamente isso que torna a filosofia de Platão tão fascinante. É como um quebra-cabeça que desafia a lógica, mas nos faz pensar sobre o mundo de maneiras totalmente novas.

Então, quando você se encontrar preso em um momento de déjà vu, pense nisso como um lembrete momentâneo de um conhecimento que sua alma já possuía há muito tempo atrás, antes de você ter nascido neste mundo confuso e caótico. E quem sabe, talvez a próxima vez que você olhar para um círculo, você verá além da sua forma física e captará um vislumbre da forma perfeita que Platão tanto discutiu.

quinta-feira, 7 de maio de 2020

Filosofia Cínica


A mensagem começa pela pergunta:

De onde vem a necessidade de vencer?

A resposta virá após esta breve história.

Aconteceu:

Alexandre, o Grande, estava indo para a Índia – para vencer, claro -, porque se você não precisa vencer, não vai a lugar nenhum. Por que se preocupar? Atenas era tão bonita, não havia necessidade de fazer uma viagem tão longa. 

No caminho, ele ouviu que um místico, Diógenes, morava na beira de um rio. Ele tinha ouvido muitas histórias sobre esse místico. Naqueles dias, particularmente em Atenas, apenas dois homens eram mencionados – um era Alexandre, o outro era o de Diógenes. Eles eram dois opostos, duas polaridades. Alexandre era imperador, e estava tentando criar um reino que se estendia de uma extremidade a outra da Terra: “O mundo inteiro precisa estar nas minhas mãos.”  Ele era um conquistador, um homem em busca da vitória.


E ali estava Diógenes, o exato oposto. Ele vivia nu e não possuía absolutamente nada. No início tinha uma tigela para beber agua ou as vezes pedir comida. Então um dia ele viu um cão bebendo agua do rio e imediatamente jogou fora a sua tigela. Ele disse: “Se os cães podem viver sem isso, por que não eu? Se os cães são tão inteligentes que podem viver sem uma tigela, devo ser um idiota por levar esta tigela comigo; é um fardo!”

Ele considerou o cachorro seu mestre, e convidou-o para ficar com ele, porque o animal era muito inteligente. Ele não tinha se dado conta de que levar a tigela era um fardo desnecessário. Então, o cão permaneceu com ele. Eles se acostumaram a dormir juntos, a comer juntos. O cão era sua companhia.

Alguém perguntou a Diógenes: “Por que você continua vivendo na companhia de um cão?”

Ele disse: “Ele é mais inteligente do que os chamados seres humanos. Eu não era tão inteligente antes. Olhando para ele, observando-o, fiquei mais alerta. Ele vive no aqui e agora, não se preocupa com nada, não possui nada. E ele está feliz! Sem ter nada, ele tem tudo. Eu ainda não vivo com tamanho contentamento, algum mal-estar permanece interiormente, dentro de mim. Quando eu me tornar como ele, então vou ter alcançado o objetivo.”

Alexandre tinha ouvido falar de Diógenes, de sua felicidade extasiante, do seu silencio, dos seus olhos como de um espelho, assim como um céu azul sem nuvens. E esse homem vivia nu, nem mesmo roupas eram necessárias. Alguém disse: “Ele mora à beira do rio, e estamos passando, não fica muito longe.” Alexandre queria vê-lo, então ele foi.


Era de manhã, uma manhã de inverno, e Diógenes estava tomando seu banho de sol, deitado na areia, nu, desfrutando da manhã, o sol se derramando sobre ele, tudo tão bonito, silencioso, o rio fluindo...

Alexandre pensou: “O que devo dizer? Um homem como Alexandre não podia pensar em outra coisa, a não ser coisas e bens. Então ele olhou para Diógenes, e disse: Eu sou Alexandre, o Grande. Se precisar de algo, me diga. Eu posso ser de muita ajuda e gostaria de ajuda-lo.”

Diógenes riu, e disse: “Eu não preciso de nada. Basta ficar um pouco mais para lá, porque você está bloqueando o sol. Isso é tudo o que você pode fazer por mim. E lembre-se, não bloqueie o sol de ninguém, isso é tudo o que alguém pode fazer. Não fique no meu caminho e nada mais é necessário.”

Alexandre olhou para aquele homem. Ele deve ter se sentido como um mendigo diante dele: “Ele não precisa de nada, e eu preciso do mundo todo, e mesmo assim eu não vou ficar satisfeito, nem mesmo este mundo é suficiente.” 

Alexandre disse: “Estou feliz em vê-lo, nunca vi um homem tão contente.”

Diógenes disse: “Não há problema! Se você quer ser tão contente quanto eu, venha e se deite ao meu lado, tome um banho de sol. Esqueça o futuro e largue o passado. Ninguém está impedindo você.”

Alexandre riu, um riso superficial, é claro, e disse: “Você está certo – mas ainda não é hora. Um dia eu também vou gostar de relaxar como você.”

Diógenes disse: “Esse dia nunca chegara. O que você precisa para relaxar? Se eu, um mendigo, posso relaxar, o que mais é necessário? Por que essa luta, esse esforço, essas guerras, essas conquistas, por que essa necessidade de vencer?”

Alexandre disse: “Quando eu for vitorioso, quando tiver conquistado o mundo inteiro, gostaria de vir e aprender com você e me sentar ao seu lado e me deitar aqui neste banco de areia.”

Diógenes disse: “Mas se eu posso me deitar sobre este banco e relaxar agora, por que esperar o futuro? E por que viajar o mundo inteiro criando sofrimento para si e para os outros – só para vir até mim ao final e relaxar aqui? Eu já estou relaxando.”

      Afinal, qual é a necessidade de vencer? Foi esta a pergunta que iniciamos esta conversa.

A resposta você provavelmente saberá responder, talvez você tenha de provar a si mesmo. Você se sente tão inferior por dentro, você se sem te tão ocioso e vazio. Neste suposto vazio, saiba que você possui um potencial imenso, você não está, de forma alguma, consciente de que já é vitorioso, que a vida já aconteceu a você. Você já é um vencedor e nada mais é possível, tudo de mais importante já aconteceu com você, porem você não reconhece a dadiva da vida, não reconhece a beleza da vida que já lhe aconteceu. Você não conhece o silêncio, a paz, a felicidade, que já estão presentes.

Porque você não está ciente desse reino interior, você sempre sente que algo é necessário, alguma vitória, para provar que você não é um mendigo!

 História:

Para quem não sabe Diógenes de Sinope, em particular, foi referido como o cão, ao ter afirmado que "os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los.”

O cinismo foi uma corrente filosófica fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates e como tal praticada pelos cínicos. Para os cínicos, o propósito da vida era viver na virtude, de acordo com a natureza.

O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império Romano no século I quase se tornando um movimento de massa, e assim, os cínicos eram encontrados pedindo e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo primitivo adotou muitas de suas ideias ascéticas e retóricas.

Por volta do século XIX, a ênfase sobre os aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo a significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das motivações e ações humanas e como caraterização de pessoas que desprezam as convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados pela civilização e convenções, os cínicos empreenderam uma cruzada de escárnio anti-social e assim mostrar as frivolidades da vida social

O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de toda a filosofia helenística. O cinismo oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial, os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:
  1. O objetivo da vida é a eudaimonia (felicidade)e clareza ou lucidez (ἁτυφια) - libertação da τύφος (nebulosidade) que significava ignorância, inconsciência, insensatez e presunção.
  2. A eudaimonia é alcançada ao se viver de acordo com a Physis (a natureza) como entendida pelo Logos do ser humano.
  3. τύφος (a arrogância) é causada por falsos julgamentos de valor, que causam emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
  4. A eudaimonia ou o desenvolvimento humano, dependem de auto-suficiência (αὐτάρκεια), apatheia, arete, filantropia, paresia e indiferença para com as vicissitudes da vida (ἁδιαφορία).
  5. Evolui-se através de práticas ascéticas (ἄσκησις) que ajudam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como riqueza, fama ou poder - que não têm valor na natureza. Exemplos incluem Diógenes de Sínope que vivia em um barril e andava descalço no inverno.
  6. Um cínico pratica o descaramento ou a desfaçatez (Αναιδεια) e desfigura o nomos da sociedade; as leis, os costumes e convenções sociais que as pessoas aceitam como o correto.
  7. A sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a natureza requer apenas as necessidades básicas para a existência e qualquer um pode tornar-se livre ao libertar-se de todas as necessidades resultadas da convenção.

O modo de vida cínico exigia formação contínua, não apenas no exercício de julgamentos e das impressões mentais, mas também treinamento físico.

Ele costumava afirmar que o treinamento era de dois tipos, mental e corporal: o último dizendo que com o exercício constante, as percepções são formadas, tal como assegura a liberdade para as ações virtuosas; e metade deste treinamento é incompleto sem o outro, boa saúde e força estão entre as coisas essenciais, seja para o corpo ou para a alma. E ele apresentava provas irrefutáveis ​​para mostrar facilmente que com a prática de ginástica chega-se até a virtude. Nos trabalhos manuais e outras artes se pode ver que os artesãos desenvolvem habilidade manual extraordinária através da prática. Mais uma vez, o caso dos tocadores de flauta e dos atletas: que habilidade eles adquirem por sua própria labuta incessante; e, se eles tivessem transferido seus esforços para o treinamento da mente, como em seus trabalhos não teriam sido em vão ou ineficaz.

Nada disso significava que o cínico se afastava da sociedade. Os cínicos viviam sob o olhar público e eram completamente indiferentes em face de qualquer insulto que possam resultar de seu comportamento pouco convencional. Os cínicos dizem ter inventado a ideia do cosmopolita: quando lhe foi perguntado de onde veio, Diógenes respondeu que era "um cidadão do mundo", (kosmopolitês).

O ideal cínico era evangelizar; como o cão de guarda da humanidade, era seu trabalho perseguir as pessoas sobre o erro de suas maneiras. O exemplo de vida do cínico (e o uso da sátira mordaz cínica) expunha as pretensões que se colocam na raiz das convenções cotidianas.

Embora o cinismo concentrou-se exclusivamente em ética, a filosofia cínica, teve um grande impacto no mundo helenístico. Em última análise, tornou-se uma importante influência para o estoicismo. O estoico Apolodoro de Selêucia escrevendo no século II a.C., afirmou que o cinismo é o caminho curto para a virtude.

As frases de Diógenes, o cínico, falam sobre um dos filósofos mais honestos de todos os tempos. Isto é, alguém com uma verdadeira vontade de entender a realidade e chegar à verdade, sem qualquer interesse adicional além do amor pela verdade.

Algumas frases de Diógenes:

“A sabedoria serve como um freio à juventude, de conforto aos idosos, de riqueza aos pobres e de adorno aos ricos”.

O insulto desonra quem o infere, não aquele que o recebe.

É preferível a companhia dos corvos à dos aduladores, pois aqueles devoram os mortos, e estes, os vivos“.

É calando que se aprende a ouvir, escutando que se aprende a falar; então, falando se aprende a calar.

“Entre os animais ferozes, o de mais perigosa mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador”.

“Os piores escravos são aqueles que estão servindo constantemente as suas paixões”.

A história conta que um dos cidadãos atenienses, impressionado com o grau de pobreza em que Diógenes vivia, aproximou-se dele e perguntou-lhe: Por que as pessoas dão dinheiro aos mendigos e não aos filósofos?
Diógenes pensou por um momento e então respondeu: “Porque eles pensam que, algum dia, podem se tornar inválidos ou cegos, mas filósofos, nunca”. Uma maneira engenhosa de dizer que a caridade é inspirada por uma espécie de egoísmo, que alimenta, sobretudo, a ajuda inspirada pelo egoísmo. Nessa equação não entram as virtudes, mas as deficiências; não entra a empatia, mas o medo.
Nos tempos de Diógenes, os filósofos eram muito apreciados. Ele poderia ter vivido como um protegido dos nobres, em meio a luxos e privilégios. No entanto, optou por se desapegar de tudo para alcançar o mais alto grau de autenticidade. Por essa razão, é lembrado milhares de anos depois.

Fontes:
Osho, 1931-1990. O barco vazio: reflexões sobre as histórias de Chuang Tzu/- São Paulo: Cultrix. 2012

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