A mensagem começa pela
pergunta:
De onde vem a necessidade
de vencer?
A resposta virá após esta
breve história.
Aconteceu:
Alexandre, o Grande,
estava indo para a Índia – para vencer, claro -, porque se você não precisa
vencer, não vai a lugar nenhum. Por que se preocupar? Atenas era tão bonita,
não havia necessidade de fazer uma viagem tão longa.
No caminho, ele ouviu que
um místico, Diógenes, morava na beira de um rio. Ele tinha ouvido muitas
histórias sobre esse místico. Naqueles dias, particularmente em Atenas, apenas
dois homens eram mencionados – um era Alexandre, o outro era o de Diógenes.
Eles eram dois opostos, duas polaridades. Alexandre era imperador, e estava
tentando criar um reino que se estendia de uma extremidade a outra da Terra: “O
mundo inteiro precisa estar nas minhas mãos.” Ele era um conquistador, um homem em busca da
vitória.
E ali estava Diógenes, o
exato oposto. Ele vivia nu e não possuía absolutamente nada. No início tinha
uma tigela para beber agua ou as vezes pedir comida. Então um dia ele viu um
cão bebendo agua do rio e imediatamente jogou fora a sua tigela. Ele disse: “Se
os cães podem viver sem isso, por que não eu? Se os cães são tão inteligentes
que podem viver sem uma tigela, devo ser um idiota por levar esta tigela
comigo; é um fardo!”
Ele considerou o cachorro
seu mestre, e convidou-o para ficar com ele, porque o animal era muito
inteligente. Ele não tinha se dado conta de que levar a tigela era um fardo
desnecessário. Então, o cão permaneceu com ele. Eles se acostumaram a dormir
juntos, a comer juntos. O cão era sua companhia.
Alguém perguntou a
Diógenes: “Por que você continua vivendo na companhia de um cão?”
Ele disse: “Ele é mais
inteligente do que os chamados seres humanos. Eu não era tão inteligente antes.
Olhando para ele, observando-o, fiquei mais alerta. Ele vive no aqui e agora,
não se preocupa com nada, não possui nada. E ele está feliz! Sem ter nada, ele
tem tudo. Eu ainda não vivo com tamanho contentamento, algum mal-estar
permanece interiormente, dentro de mim. Quando eu me tornar como ele, então vou
ter alcançado o objetivo.”
Alexandre tinha ouvido
falar de Diógenes, de sua felicidade extasiante, do seu silencio, dos seus
olhos como de um espelho, assim como um céu azul sem nuvens. E esse homem vivia
nu, nem mesmo roupas eram necessárias. Alguém disse: “Ele mora à beira do rio,
e estamos passando, não fica muito longe.” Alexandre queria vê-lo, então ele
foi.
Era de manhã, uma manhã
de inverno, e Diógenes estava tomando seu banho de sol, deitado na areia, nu,
desfrutando da manhã, o sol se derramando sobre ele, tudo tão bonito,
silencioso, o rio fluindo...
Alexandre pensou: “O que
devo dizer? Um homem como Alexandre não podia pensar em outra coisa, a não ser
coisas e bens. Então ele olhou para Diógenes, e disse: Eu sou Alexandre, o
Grande. Se precisar de algo, me diga. Eu posso ser de muita ajuda e gostaria de
ajuda-lo.”
Diógenes riu, e disse: “Eu
não preciso de nada. Basta ficar um pouco mais para lá, porque você está
bloqueando o sol. Isso é tudo o que você pode fazer por mim. E lembre-se, não
bloqueie o sol de ninguém, isso é tudo o que alguém pode fazer. Não fique no
meu caminho e nada mais é necessário.”
Alexandre olhou para
aquele homem. Ele deve ter se sentido como um mendigo diante dele: “Ele não
precisa de nada, e eu preciso do mundo todo, e mesmo assim eu não vou ficar
satisfeito, nem mesmo este mundo é suficiente.”
Alexandre disse: “Estou feliz
em vê-lo, nunca vi um homem tão contente.”
Diógenes disse: “Não há
problema! Se você quer ser tão contente quanto eu, venha e se deite ao meu
lado, tome um banho de sol. Esqueça o futuro e largue o passado. Ninguém está
impedindo você.”
Alexandre riu, um riso
superficial, é claro, e disse: “Você está certo – mas ainda não é hora. Um dia
eu também vou gostar de relaxar como você.”
Diógenes disse: “Esse dia
nunca chegara. O que você precisa para relaxar? Se eu, um mendigo, posso
relaxar, o que mais é necessário? Por que essa luta, esse esforço, essas
guerras, essas conquistas, por que essa necessidade de vencer?”
Alexandre disse: “Quando
eu for vitorioso, quando tiver conquistado o mundo inteiro, gostaria de vir e
aprender com você e me sentar ao seu lado e me deitar aqui neste banco de
areia.”
Diógenes disse: “Mas se
eu posso me deitar sobre este banco e relaxar agora, por que esperar o futuro? E
por que viajar o mundo inteiro criando sofrimento para si e para os outros – só
para vir até mim ao final e relaxar aqui? Eu já estou relaxando.”
Afinal, qual é a necessidade de vencer? Foi
esta a pergunta que iniciamos esta conversa.
A resposta você provavelmente saberá
responder, talvez você tenha de provar a si mesmo. Você se sente tão inferior
por dentro, você se sem te tão ocioso e vazio. Neste suposto vazio, saiba que
você possui um potencial imenso, você não está, de forma alguma, consciente de
que já é vitorioso, que a vida já aconteceu a você. Você já é um vencedor e
nada mais é possível, tudo de mais importante já aconteceu com você, porem você
não reconhece a dadiva da vida, não reconhece a beleza da vida que já lhe
aconteceu. Você não conhece o silêncio, a paz, a felicidade, que já estão
presentes.
Porque você não está
ciente desse reino interior, você sempre sente que algo é necessário, alguma
vitória, para provar que você não é um mendigo!
História:
Para quem não sabe Diógenes
de Sinope, em particular, foi referido como o cão, ao ter afirmado que
"os outros cães mordem seus inimigos, eu mordo meus amigos para salvá-los.”
O cinismo foi uma corrente
filosófica fundada por Antístenes, discípulo de Sócrates e como tal praticada
pelos cínicos. Para os cínicos, o propósito da vida era viver na virtude, de
acordo com a natureza.
O cinismo se espalhou durante a ascensão do Império
Romano no século I quase se tornando um movimento de massa, e assim, os cínicos
eram encontrados pedindo e pregando ao longo das cidades do império. A doutrina
finalmente desapareceu no final do século V, embora alguns afirmem que o cristianismo
primitivo adotou muitas de suas ideias ascéticas e retóricas.
Por volta do século XIX, a ênfase sobre os
aspectos negativos da filosofia cínica levou ao entendimento moderno de cinismo
a significar uma disposição de descrença na sinceridade ou bondade das
motivações e ações humanas e como caraterização de pessoas que desprezam as
convenções sociais. Para encorajar as pessoas a renunciarem aos desejos criados
pela civilização e convenções, os cínicos empreenderam uma cruzada de escárnio
anti-social e assim mostrar as frivolidades da vida social
O cinismo é uma das filosofias mais marcantes de
toda a filosofia helenística. O cinismo
oferecia às pessoas a possibilidade de felicidade e liberdade do sofrimento em
uma época de incertezas. Embora nunca tenha havido uma doutrina cínica oficial,
os princípios fundamentais do cinismo podem ser resumidos da seguinte forma:
- O
objetivo da vida é a eudaimonia
(felicidade)e clareza ou lucidez (ἁτυφια) - libertação da τύφος
(nebulosidade) que significava ignorância, inconsciência, insensatez e
presunção.
- A eudaimonia
é alcançada ao se viver de acordo com a Physis
(a natureza) como entendida pelo Logos
do ser humano.
- τύφος
(a arrogância) é causada por falsos julgamentos de valor, que causam
emoções negativas, desejos não naturais e um caráter vicioso.
- A eudaimonia
ou o desenvolvimento humano, dependem de auto-suficiência (αὐτάρκεια), apatheia, arete,
filantropia, paresia e indiferença para com as
vicissitudes da vida (ἁδιαφορία).
- Evolui-se
através de práticas ascéticas (ἄσκησις)
que ajudam o indivíduo a tornar-se livre de influências - tais como
riqueza, fama ou poder - que não têm valor na natureza. Exemplos incluem Diógenes de Sínope que vivia em um barril e
andava descalço no inverno.
- Um
cínico pratica o descaramento ou a desfaçatez (Αναιδεια) e desfigura o nomos da sociedade; as leis, os costumes
e convenções sociais que as pessoas aceitam como o correto.
- A
sabedoria maior consistia na ação, não apenas no pensar.
Assim, um cínico não tinha bens e rejeitava todos
os valores convencionais de dinheiro, fama, poder ou reputação. Viver de acordo com a natureza requer
apenas as necessidades básicas para a existência e qualquer um pode tornar-se
livre ao libertar-se de todas as necessidades resultadas da convenção.
O modo de vida cínico exigia formação contínua, não
apenas no exercício de julgamentos e das impressões mentais, mas também
treinamento físico.
Ele costumava afirmar que o
treinamento era de dois tipos, mental e corporal: o último dizendo que com o
exercício constante, as percepções são formadas, tal como assegura a liberdade para
as ações virtuosas; e metade deste treinamento é incompleto sem o outro, boa
saúde e força estão entre as coisas essenciais, seja para o corpo ou para a
alma. E ele apresentava provas irrefutáveis para mostrar facilmente que com a
prática de ginástica chega-se até a virtude. Nos trabalhos manuais e outras
artes se pode ver que os artesãos desenvolvem habilidade manual extraordinária
através da prática. Mais uma vez, o caso dos tocadores de flauta e dos atletas:
que habilidade eles adquirem por sua própria labuta incessante; e, se eles
tivessem transferido seus esforços para o treinamento da mente, como em seus
trabalhos não teriam sido em vão ou ineficaz.
Nada disso significava que o cínico se afastava da
sociedade. Os cínicos viviam sob o olhar público e eram completamente
indiferentes em face de qualquer insulto que possam resultar de seu
comportamento pouco convencional. Os
cínicos dizem ter inventado a ideia do cosmopolita:
quando lhe foi perguntado de onde veio, Diógenes respondeu que era "um
cidadão do mundo", (kosmopolitês).
O ideal cínico era evangelizar; como o cão de
guarda da humanidade, era seu trabalho perseguir as pessoas sobre o erro de
suas maneiras. O exemplo de
vida do cínico (e o uso da sátira mordaz
cínica) expunha as pretensões que se colocam na raiz das convenções cotidianas.
Embora o cinismo concentrou-se exclusivamente em ética, a filosofia cínica, teve um grande impacto
no mundo helenístico. Em última análise, tornou-se uma importante influência
para o estoicismo. O estoico Apolodoro de Selêucia escrevendo no século II
a.C., afirmou que o cinismo é o caminho curto para a virtude.
As frases
de Diógenes, o cínico, falam sobre um dos filósofos mais honestos de todos os tempos. Isto
é, alguém com uma verdadeira vontade de entender a realidade e chegar à
verdade, sem qualquer interesse adicional além do amor pela verdade.
Algumas frases de Diógenes:
“A sabedoria serve como um freio à
juventude, de conforto aos idosos, de riqueza aos pobres e de adorno aos
ricos”.
“O insulto desonra quem o infere,
não aquele que o recebe“.
“É preferível a companhia dos corvos à dos aduladores, pois aqueles
devoram os mortos, e estes, os vivos“.
“É calando que se aprende a ouvir, escutando que se
aprende a falar; então, falando se aprende a calar“.
“Entre os animais ferozes, o de mais perigosa
mordedura é o delator; entre os animais domésticos, o adulador”.
“Os piores escravos são aqueles que estão servindo
constantemente as suas paixões”.
A
história conta que um dos cidadãos atenienses, impressionado com o grau de
pobreza em que Diógenes vivia, aproximou-se dele e perguntou-lhe: “Por
que as pessoas dão dinheiro aos mendigos e não aos filósofos?“
Diógenes pensou por um momento e então respondeu: “Porque
eles pensam que, algum dia, podem se tornar inválidos ou cegos, mas filósofos,
nunca”. Uma maneira engenhosa de dizer que a caridade é inspirada por
uma espécie de egoísmo, que
alimenta, sobretudo, a ajuda inspirada pelo egoísmo. Nessa equação não entram
as virtudes, mas as deficiências; não entra a empatia, mas o medo.
Nos tempos de Diógenes, os filósofos eram muito
apreciados. Ele poderia ter vivido como um protegido dos nobres, em meio a
luxos e privilégios. No entanto, optou por se desapegar de tudo para
alcançar o mais alto grau de autenticidade. Por essa razão, é lembrado
milhares de anos depois.
Fontes:
Osho, 1931-1990. O barco
vazio: reflexões sobre as histórias de Chuang Tzu/- São Paulo: Cultrix. 2012
Sites: