Os fios que nos puxam...
Há
dias em que tudo parece querer nos segurar. A velha caneca de café, o casaco
preferido gasto nos cotovelos, o lugar certo à mesa do almoço. E há dias em que
tudo irrita: o barulho da rua, o aviso do celular, a mesma pergunta repetida no
trabalho. Apego e aversão são como dois fios invisíveis que nos puxam, sem que
percebamos, para cá e para lá — como marionetes gentis da nossa própria mente.
No
mercado, a senhora que resmunga porque mudaram de lugar o pacote de arroz
talvez nem saiba, mas ali está o apego disfarçado de costume. No ônibus, o
rapaz que enfia fones de ouvido para fugir da conversa do lado pratica uma
pequena aversão, querendo sumir do mundo em miniatura. Apego e aversão são
esses gestos miúdos, diários, quase sem peso — e que, somados, fazem a alma
perder leveza.
No
amor,
por exemplo, o apego se disfarça de zelo. É o ciúme que não deixa o outro
respirar, a expectativa de que o parceiro complete nossos vazios. Queremos
segurar o amor, garantir que não acabe, como quem segura água nas mãos. E
quando o outro se afasta um pouco — um olhar distraído, uma resposta seca —
surge a aversão: raiva disfarçada de mágoa, desejo de punição. Para Simone
Weil, esse é o momento em que deveríamos aceitar o vazio — não exigir do
outro a felicidade que só a graça pode dar.
Na
amizade, o apego é querer que o amigo continue sempre o
mesmo, preserve as mesmas opiniões, os mesmos gostos. E a aversão surge quando
ele muda: novas ideias, novos interesses — como se fosse uma traição. Mas a
verdadeira amizade, como lembrava N. Sri Ram, reconhece o movimento da
vida e permite que o outro cresça, mesmo que vá para longe de nós.
No
trabalho, o apego aparece como medo de perder o cargo, a
rotina, o status. Tornamo-nos escravos do desempenho — cada e-mail respondido,
cada tarefa cumprida para manter o lugar conquistado. E nasce a aversão a tudo
que ameaça esse equilíbrio: mudanças, novos chefes, jovens colegas criativos.
Para Byung-Chul Han, essa lógica de produtividade incessante nos esgota
porque não há espaço para a pausa, para o não-fazer — nos tornamos máquinas de
nós mesmos, com aversão ao simples descanso.
N.
Sri Ram, no livro O Interesse Humano e outros discursos e
ensaios curtos, me lembra que esse apego à forma — seja do amor, da amizade
ou do trabalho — impede a verdadeira abertura ao real. Queremos que as coisas
fiquem como estão porque tememos o desconhecido. Mas a vida não para: nem o
parceiro amoroso, nem o amigo de infância, nem o emprego perfeito. Tudo flui. E
a alma livre é a que aprende a acompanhar esse movimento sem agarrar nem
repelir.
No
fundo, como diz a sabedoria zen, apego e aversão são dois nomes para o mesmo
medo: o de perder o controle. E o controle é sempre uma ilusão.
Talvez
o segredo esteja mesmo em tocar o mundo com mãos abertas — sem fechar o punho
sobre o que se ama, sem empurrar com raiva o que desagrada. Ver, sentir, deixar
passar. Como quem atravessa um campo e deixa a relva voltar ao lugar.