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quarta-feira, 11 de junho de 2025

Apego e Aversão

 

Os fios que nos puxam...

Há dias em que tudo parece querer nos segurar. A velha caneca de café, o casaco preferido gasto nos cotovelos, o lugar certo à mesa do almoço. E há dias em que tudo irrita: o barulho da rua, o aviso do celular, a mesma pergunta repetida no trabalho. Apego e aversão são como dois fios invisíveis que nos puxam, sem que percebamos, para cá e para lá — como marionetes gentis da nossa própria mente.

No mercado, a senhora que resmunga porque mudaram de lugar o pacote de arroz talvez nem saiba, mas ali está o apego disfarçado de costume. No ônibus, o rapaz que enfia fones de ouvido para fugir da conversa do lado pratica uma pequena aversão, querendo sumir do mundo em miniatura. Apego e aversão são esses gestos miúdos, diários, quase sem peso — e que, somados, fazem a alma perder leveza.

No amor, por exemplo, o apego se disfarça de zelo. É o ciúme que não deixa o outro respirar, a expectativa de que o parceiro complete nossos vazios. Queremos segurar o amor, garantir que não acabe, como quem segura água nas mãos. E quando o outro se afasta um pouco — um olhar distraído, uma resposta seca — surge a aversão: raiva disfarçada de mágoa, desejo de punição. Para Simone Weil, esse é o momento em que deveríamos aceitar o vazio — não exigir do outro a felicidade que só a graça pode dar.

Na amizade, o apego é querer que o amigo continue sempre o mesmo, preserve as mesmas opiniões, os mesmos gostos. E a aversão surge quando ele muda: novas ideias, novos interesses — como se fosse uma traição. Mas a verdadeira amizade, como lembrava N. Sri Ram, reconhece o movimento da vida e permite que o outro cresça, mesmo que vá para longe de nós.

No trabalho, o apego aparece como medo de perder o cargo, a rotina, o status. Tornamo-nos escravos do desempenho — cada e-mail respondido, cada tarefa cumprida para manter o lugar conquistado. E nasce a aversão a tudo que ameaça esse equilíbrio: mudanças, novos chefes, jovens colegas criativos. Para Byung-Chul Han, essa lógica de produtividade incessante nos esgota porque não há espaço para a pausa, para o não-fazer — nos tornamos máquinas de nós mesmos, com aversão ao simples descanso.

N. Sri Ram, no livro O Interesse Humano e outros discursos e ensaios curtos, me lembra que esse apego à forma — seja do amor, da amizade ou do trabalho — impede a verdadeira abertura ao real. Queremos que as coisas fiquem como estão porque tememos o desconhecido. Mas a vida não para: nem o parceiro amoroso, nem o amigo de infância, nem o emprego perfeito. Tudo flui. E a alma livre é a que aprende a acompanhar esse movimento sem agarrar nem repelir.

No fundo, como diz a sabedoria zen, apego e aversão são dois nomes para o mesmo medo: o de perder o controle. E o controle é sempre uma ilusão.

Talvez o segredo esteja mesmo em tocar o mundo com mãos abertas — sem fechar o punho sobre o que se ama, sem empurrar com raiva o que desagrada. Ver, sentir, deixar passar. Como quem atravessa um campo e deixa a relva voltar ao lugar.