Outro dia, no meio de uma conversa aleatória com um amigo que acredita que "tudo tem explicação", me peguei pensando: e quando não tem? E quando a coisa escapa tanto da linguagem, da lógica e até da intuição, que tudo o que nos resta é um silêncio constrangido ou um balbucio filosófico meio envergonhado? A gente vive cercado de certezas práticas, manuais de instrução e tutoriais para tudo. Mas o que fazemos com aquilo que não se pode dizer? Com aquilo que está além da física, da lógica e da experiência direta? Eis aí o terreno escorregadio da metafísica — essa arte (ou obsessão) de tentar expressar o indizível.
A
ânsia de nomear o que escapa
Desde
os pré-socráticos, passamos tentando capturar o ser com palavras, como se o ser
fosse um animal exótico que bastasse descrever para compreender. Parmênides nos
dizia que o ser é e o não-ser não é. Simples assim — e ao mesmo tempo,
brutalmente enigmático. Mas com o passar dos séculos, a metafísica se tornou um
tipo de cartografia do invisível: queríamos desenhar mapas de territórios que
nem sequer temos certeza se existem.
A
questão é que a metafísica opera numa espécie de contrabando do pensamento: ela
tenta contrabandear conceitos que ultrapassam qualquer experiência possível.
Fala-se do "absoluto", do "uno", do
"transcendente", como se fossem objetos que pudéssemos virar nas
mãos. Mas não podemos. Wittgenstein nos alertou no Tractatus: “Sobre aquilo de
que não se pode falar, deve-se calar.” O problema é que não conseguimos calar.
Queremos desesperadamente dizer.
A
linguagem e seus limites
A
linguagem é feita para o mundo das cadeiras, dos copos, dos encontros às seis e
das dores de cabeça. Ela serve para o cotidiano, para a descrição do que se vê,
se toca, se mede. Mas quando tentamos usá-la para falar de
"ser-em-si", "causa primeira" ou "nada absoluto",
ela começa a ranger, a falhar, a tropeçar nas próprias pernas. É como tentar
desenhar um cheiro.
Aqui
entra o jogo perigoso da metafísica: ela transforma a impotência da linguagem
em discurso autoritário. Ao nomear o inominável, cria sistemas, doutrinas,
dogmas. Mas o que ela faz, no fundo, é construir castelos no ar — belos,
complexos, sofisticados — mas ainda assim suspensos no vazio.
A
ilusão útil (e talvez necessária)
Dizer
que a metafísica é ilusória não é dizer que ela é inútil. Como dizia Kant, ela
é uma necessidade da razão, mesmo que sem objeto. Ou seja, estamos programados
para ultrapassar os limites da experiência. Há em nós uma sede de totalidade,
um desejo de saber se há algo antes, depois, por trás, dentro de tudo. Esse
desejo não morre mesmo quando nos dizem que não há como satisfazê-lo.
E
talvez seja esse o valor mais profundo da metafísica: não como ciência do ser,
mas como arte do abismo. Ela nos ensina que há perguntas que não têm resposta,
apenas reverberações. Que há experiências que só se vivem, mas nunca se
explicam. Que há um "algo mais" que, ainda que nunca possamos
compreender, nos move — como uma música que nunca ouvimos inteira, mas da qual
não conseguimos esquecer a melodia.
Um
filósofo e o silêncio
O
pensador brasileiro Vicente Ferreira da Silva escreveu que "toda
metafísica verdadeira começa pelo assombro e termina no silêncio". É isso.
Não se trata de negar a metafísica, mas de compreender que sua tarefa não é
dizer o que é o ser, mas nos colocar diante dele, em estado de escuta, de
humildade, de espanto. Não é à toa que os místicos — aqueles que chegaram mais
perto do indizível — terminam calando. Ou rindo. Ou chorando.
Concluindo
(ou o começo do silêncio)
Talvez
o mais inovador a dizer sobre a metafísica seja exatamente isto: que ela
fracassa, mas que seu fracasso é revelador. Que ela é impossível, mas
necessária. Que ela é ilusória, mas inevitável. E que, no fundo, o maior ato
filosófico pode ser admitir que há coisas que só se compreendem quando se
desiste de explicá-las. A metafísica, nesse sentido, não é uma resposta, mas um
gesto. Um gesto de apontar — com palavras trêmulas — na direção do indizível.
E
talvez, só talvez, isso já seja o suficiente.