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terça-feira, 1 de abril de 2025

Reconhecer Sem Conhecer

 

Eu já vi esse rosto antes. Talvez numa reunião, no ônibus, ou passando apressado na rua. Reconheço a expressão, a forma de andar, o tom de voz. Mas se me pedirem para dizer algo sobre essa pessoa além do superficial, sou obrigado a admitir: não conheço.

Essa situação, tão comum e aparentemente trivial, esconde um paradoxo profundo da existência humana. Como é possível reconhecer alguém sem conhecê-lo? Será que a familiaridade visual, a intuição sobre um comportamento ou até uma sensação inexplicável de déjà vu são suficientes para criar uma relação de conhecimento?

A distinção entre reconhecimento e conhecimento é mais do que um detalhe semântico; ela toca em algo essencial sobre como construímos nossas interações e nossa percepção do mundo. O reconhecimento é imediato, automático, fruto de padrões que nosso cérebro armazena e utiliza para navegar na realidade. O conhecimento, por outro lado, exige tempo, troca, experiência compartilhada.

O filósofo alemão Martin Heidegger, ao falar sobre o conceito de "ser-no-mundo", sugere que estamos constantemente em uma relação de familiaridade com nosso entorno, mesmo sem compreendê-lo plenamente. Ele distingue entre "conhecimento superficial", que é utilitário e baseado na repetição, e o "conhecimento autêntico", que envolve um mergulho mais profundo no ser do outro. Ou seja, reconhecer alguém pode ser apenas um reflexo de nossa passagem pelo mundo, enquanto conhecer exige um envolvimento existencial.

Na sociedade contemporânea, a lógica do reconhecimento sem conhecimento se intensifica. Seguimos pessoas em redes sociais, lemos fragmentos de suas vidas, temos uma falsa sensação de proximidade. Quantas vezes vemos alguém na internet e sentimos que sabemos muito sobre essa pessoa, mas, na verdade, só conhecemos recortes cuidadosamente editados? O reconhecimento, aqui, se torna uma ilusão de conhecimento.

A experiência cotidiana reforça essa dicotomia. Pensemos no ambiente de trabalho: colegas que vemos diariamente, cujas vozes e hábitos são familiares, mas com quem nunca trocamos mais do que um "bom dia" protocolar. Na vizinhança, encontramos rostos que se repetem no elevador, mas que continuam sendo completos estranhos. Até mesmo em círculos sociais, há aqueles que fazem parte de nossa rotina, mas cujo mundo interno nos permanece inacessível.

O poeta brasileiro Carlos Drummond de Andrade expressa essa angústia no poema "Mãos Dadas": "Estou preso à vida e olho meus companheiros. Estão taciturnos, mas nutrem grandes esperanças. Entre eles, considero a enorme realidade. O presente é tão grande, não nos afastemos." Essa sensação de proximidade distante, de rostos reconhecíveis mas não conhecidos, pode ser encarada como um chamado à autenticidade nas relações.

Para romper esse ciclo de reconhecimento sem conhecimento, é necessário um esforço ativo de aproximação. Conhecer exige escuta, curiosidade, disposição para o encontro. Talvez a chave esteja em uma prática cada vez mais rara: o diálogo genuíno. O simples ato de perguntar algo além do esperado, de se interessar pela história do outro, pode transformar um rosto conhecido em uma presença significativa.

No final, a questão não é apenas sobre os outros, mas sobre nós mesmos. Somos reconhecidos por muitos, mas quantos realmente nos conhecem? A profundidade das conexões humanas não depende apenas da frequência com que cruzamos o caminho de alguém, mas do quanto nos permitimos revelar e compreender. Se reconhecer é uma sombra do conhecimento, talvez seja hora de iluminar essa sombra com a luz da verdadeira interação.

sábado, 22 de março de 2025

Identidade e Alteridade

Outro dia, sentado num café, observei uma cena curiosa. Dois amigos discutiam sobre um filme: um via nele uma obra-prima, o outro, um desastre. Nenhum dos dois era capaz de aceitar completamente o ponto de vista do outro. Fiquei pensando em como nossa identidade se constrói não apenas pelo que afirmamos ser, mas também pelo que negamos. Esse embate entre identidade e diferença é uma tensão fundamental da existência humana e um dos pilares da filosofia de Hegel.

Hegel compreende a identidade não como algo fixo, mas como um processo. Em sua "Ciência da Lógica", ele nos mostra que a identidade pura, isolada de tudo, se torna vazia. Para que algo seja idêntico a si mesmo, ele precisa passar pelo confronto com o outro. Ou seja, identidade só existe na relação com a diferença. Esse movimento é dialético: a identidade se constitui ao se diferenciar e integrar essa diferença.

A alteridade, nesse jogo, tem um papel crucial. O outro não é apenas um espelho onde nos enxergamos, mas também um desafio, um obstáculo que nos obriga a nos transformar. Em "Fenomenologia do Espírito", Hegel descreve esse processo no famoso exemplo da dialética do senhor e do escravo. O reconhecimento do outro é uma batalha, um embate de consciências que lutam pelo direito de serem vistas. Identidade, portanto, não é um dado, mas algo que se conquista através do reconhecimento.

No cotidiano, vivemos esse movimento o tempo todo. Ao entrar em um novo grupo, nos perguntamos: quem sou eu aqui? Como sou visto? A resposta nunca é unívoca, pois somos sempre atravessados pelo olhar do outro. Hegel nos ensina que a identidade é fluida porque depende desse reconhecimento recíproco. Por isso, quanto mais nos fechamos em uma ideia fixa de nós mesmos, mais nos afastamos do próprio processo que nos define.

A grande lição hegeliana é que identidade e diferença não são opostas, mas parte de um mesmo movimento. O eu só é eu porque há o outro. A tensão entre identidade, diferença e alteridade é, no fim das contas, o que impulsiona a história e o desenvolvimento do espírito humano. Então, da próxima vez que discordar de um amigo sobre um filme, talvez seja bom lembrar: a diferença não nega a identidade, ela a faz existir.


domingo, 5 de janeiro de 2025

Canalhas por Necessidade

Em algum momento da vida, você já cruzou com alguém que justificou suas atitudes reprováveis como resultado das circunstâncias? “Eu precisava fazer isso para sobreviver.” Talvez seja o colega que passou por cima de todos no trabalho para garantir uma promoção, ou aquele amigo que vendeu um segredo por conveniência. Não estamos falando do canalha que age por prazer na maldade, mas daquele que se sente compelido pelas exigências da vida. Esse é o “canalha por necessidade”.

A ideia de ser canalha por necessidade desafia a ética de forma fascinante. Afinal, quando o “necessário” se torna uma justificativa moral? Sartre, em O Existencialismo é um Humanismo, nos lembra que “o homem está condenado a ser livre”. Em outras palavras, mesmo nas circunstâncias mais adversas, somos agentes de nossas escolhas. Para Sartre, usar a necessidade como desculpa é tentar escapar da responsabilidade de existir.

Mas e se olharmos pela lente de Hannah Arendt? Em sua análise sobre o mal banal, ela descreve como as pessoas comuns podem cometer atrocidades apenas por se submeterem à “necessidade” do sistema. Arendt, contudo, alerta que essa normalização da canalhice cotidiana é o que perpetua a destruição de laços humanos fundamentais.

O Cotidiano e a Necessidade

Voltemos aos exemplos diários. Pense no funcionário que aceita manipular dados para manter o emprego. Ele pode até se convencer de que está fazendo isso para sustentar a família. Contudo, ao agir assim, ele reforça uma cultura de desonestidade que prejudica todos. Então, é realmente a necessidade que justifica, ou a falta de coragem para buscar alternativas?

Ou considere um estudante que cola na prova porque não teve tempo de estudar. A pressão é enorme: notas altas são necessárias para o futuro. Mas será que a “necessidade” não esconde a incapacidade de enfrentar as consequências do fracasso?

Um Comentário de Paulo Freire

Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia, fala da importância de uma ética do respeito pelo outro. Ele argumenta que a liberdade sem responsabilidade é vazia. No contexto do canalha por necessidade, Freire talvez perguntasse: “Que tipo de liberdade é essa que sobrevive à custa do próximo?” Para ele, a verdadeira liberdade surge na solidariedade, não na justificação do egoísmo.

O Canalha e a Superação

Embora seja fácil julgar, é preciso lembrar que todos somos passíveis de nos tornarmos canalhas por necessidade. A fome, o medo e a exclusão podem levar qualquer um a escolhas moralmente duvidosas. O desafio ético está em resistir. Gandhi dizia que “há suficiente no mundo para as necessidades de todos, mas não para a ganância de todos”. Assim, talvez a resposta esteja em distinguir o que é realmente necessário do que é conveniente.

Ser canalha por necessidade é um dilema humano e filosófico. Cabe a cada um de nós decidir se a necessidade é desculpa suficiente para comprometer a própria humanidade. Afinal, o que resta de nós quando justificamos o injustificável?


quarta-feira, 1 de janeiro de 2025

Cisne de Avon

William Shakespeare, o "Cisne de Avon", transcende sua identidade como poeta e dramaturgo para se tornar um prisma pelo qual examinamos a alma humana. Ele não é apenas um autor; é um filósofo da vida disfarçado de contador de histórias. A metáfora do cisne, símbolo de beleza e serenidade, contrasta ironicamente com os temas profundos e muitas vezes sombrios que atravessam suas obras, nos convidando a mergulhar em questões filosóficas essenciais: o ser, o tempo, o destino e a moralidade.

A Dualidade do Cisne e da Obra

O cisne é tradicionalmente associado à graça, mas também carrega conotações de silêncio e mistério, como na lenda de que ele canta apenas antes da morte. Shakespeare reflete essa dualidade em sua obra: sua poesia é sublime e harmoniosa, mas é na tragédia que ele encontra sua mais alta expressão. "Hamlet", por exemplo, explora a tensão entre ação e inação, mostrando que o "cisne" não é apenas um símbolo de beleza, mas de introspecção e tormento interno.

Na filosofia, essa dualidade ressoa com as ideias de Søren Kierkegaard sobre a existência. Kierkegaard argumenta que o homem vive entre os estágios estético, ético e religioso, muitas vezes em conflito. Shakespeare, como o cisne, oferece um espelho onde essas camadas se sobrepõem. Hamlet, ao hesitar diante de sua vingança, representa a luta existencial de um homem dividido entre o dever moral e a contemplação filosófica.

Shakespeare e a Tragicidade da Vida

Shakespeare é um mestre em capturar a fragilidade e a efemeridade da condição humana. Em "Macbeth", ele questiona a natureza do destino, do poder e da ambição: "A vida é apenas uma sombra ambulante, um pobre ator que se pavoneia e se agita por uma hora no palco e depois não é mais ouvido". Aqui, encontramos ecos da visão de Martin Heidegger, para quem o ser humano é um "ser-para-a-morte". A metáfora do cisne cantando antes de morrer encapsula essa ideia: a consciência da finitude dá profundidade à experiência humana.

Ao mesmo tempo, Shakespeare não é um niilista. Ele reconhece o absurdo da existência, mas, como Albert Camus sugere em "O Mito de Sísifo", parece encorajar-nos a abraçá-lo. Em peças como "A Tempestade", ele propõe uma visão mais conciliadora, em que a aceitação da transitoriedade da vida pode levar à paz: "Somos feitos da matéria de que são feitos os sonhos, e nossa breve vida é cercada por um sono".

O Cisne e a Moralidade

Outra dimensão filosófica das obras de Shakespeare é sua abordagem da moralidade. Diferentemente de pensadores como Platão, que buscavam absolutos, Shakespeare é um explorador da ambiguidade. Em "Otelo", a linha entre o bem e o mal é borrada por Iago, um vilão cuja complexidade moral desafia nossa necessidade de categorias fixas. Essa fluidez ética reflete o pensamento de Friedrich Nietzsche, que via na moralidade tradicional uma construção humana, muitas vezes arbitrária e contraditória.

Shakespeare, no entanto, não oferece respostas fáceis. Ele nos convida a sermos cúmplices em seu questionamento. Assim como o cisne desliza pela água sem revelar o esforço de suas patas abaixo da superfície, suas histórias nos levam a refletir sobre a tensão entre o que aparece e o que realmente é.

O Legado Filosófico do Cisne de Avon

Se o cisne é o emblema da elegância, Shakespeare é o arquétipo do pensamento humano em movimento. Suas obras continuam a dialogar com as questões centrais da filosofia: o que é a verdade? Qual é o sentido da vida? Como devemos viver? Sua grandeza está em sua recusa em fechar essas questões, preferindo deixar-nos com o eco de suas palavras, como um canto de cisne interminável.

Talvez o maior ensinamento de Shakespeare seja este: viver é um ato de interpretação constante. Assim como o cisne desliza silenciosamente pela superfície da água, nossas vidas contêm profundidades invisíveis que só emergem quando enfrentamos nossas tragédias e nossas alegrias. Shakespeare, o Cisne de Avon, nos guia por essas águas, não com respostas, mas com perguntas que ecoam através dos tempos.

Shakespeare não é apenas o poeta do palco; é o filósofo do coração humano. Ao trazer à tona as contradições, angústias e belezas de existir, ele nos convida a sermos cisnes em nosso próprio rio de vida — a navegar com graça, a cantar com intensidade, e a desaparecer, enfim, deixando um rastro de mistério e significado.


quinta-feira, 12 de dezembro de 2024

Altruísmo Egoísta

À primeira vista, altruísmo e egoísmo parecem antônimos perfeitos. O altruísmo é aquele ato virtuoso de colocar o bem-estar do outro acima do próprio; o egoísmo, por outro lado, é a busca desenfreada pelo benefício pessoal. Contudo, será que os atos altruístas não escondem, em seu âmago, um desejo egoísta de realização, conforto ou reconhecimento? Este ensaio pretende explorar essa provocação, envolvendo situações cotidianas e reflexões filosóficas.

O gesto altruísta e suas intenções ocultas

Imagine uma situação simples: você vê alguém deixando cair um pacote pesado no meio da rua e se apressa para ajudar. Aparentemente, você age por puro altruísmo. No entanto, após o ato, surge um sentimento de satisfação consigo mesmo. Algo dentro de você sussurra: "Fiz a coisa certa." Esse calor interno, muitas vezes descrito como um "bem-estar moral", pode ser interpretado como um retorno egoísta pelo gesto altruísta.

Schopenhauer, em sua obra "O Mundo como Vontade e Representação", argumenta que a compaixão é a base do altruísmo genuíno, pois nos permite sentir o sofrimento do outro como se fosse nosso. Mas até isso pode ser lido como egoísta: buscamos aliviar o sofrimento alheio porque ele também nos incomoda. Não suportamos a visão da dor do outro e, ajudando, acalmamos a nós mesmos.

A economia do altruísmo

Nosso dia a dia está repleto de trocas implícitas. No trabalho, oferecemos ajuda esperando retribuição futura. Em relações sociais, gestos altruístas muitas vezes garantem inclusão, respeito e até prestígio. Alguém que doa grandes somas de dinheiro para uma instituição de caridade pode estar, conscientemente ou não, buscando reconhecimento público ou alívio de uma culpa pessoal.

O filósofo francês Marcel Mauss, em "Ensaio sobre a Dádiva", destaca que toda doação carrega um contrato implícito. Quando damos algo, mesmo que simbólico, criamos uma dívida social no outro. Assim, o altruísmo raramente é gratuito; ele exige reciprocidade, ainda que oculta.

Altruísmo como autoengano

Nietzsche, conhecido por sua crítica mordaz aos valores humanos, rejeitaria a ideia de um altruísmo desinteressado. Para ele, os valores morais que exaltam o altruísmo são invenções de uma sociedade que teme a força do egoísmo. Em "Genealogia da Moral", ele sugere que a compaixão é uma fraqueza disfarçada de virtude, uma maneira de o indivíduo buscar validação enquanto oculta seus desejos egoístas.

Em atos de grande sacrifício, como uma mãe renunciando aos seus desejos para criar os filhos, poderíamos argumentar que a motivação principal é o amor. Mas será que não há também uma necessidade de perpetuar sua própria identidade nos filhos? Um desejo de se sentir importante e indispensável?

Existe altruísmo puro?

Talvez o altruísmo puro seja uma utopia. Nossa própria biologia parece conspirar contra ele. A teoria da seleção de parentesco, de William Hamilton, sugere que tendemos a ajudar aqueles que compartilham nossos genes, perpetuando nossa própria herança genética. Já Richard Dawkins, em "O Gene Egoísta", propõe que mesmo atos altruístas em comunidades maiores podem ser estratégias de sobrevivência coletiva que, em última análise, beneficiam o indivíduo.

Isso significa que estamos presos a uma lógica egoísta, mesmo em nossos gestos mais generosos? Não necessariamente. Apesar de nossas motivações egoístas, o altruísmo ainda é uma força transformadora que cria laços e promove o bem-estar coletivo.

Um paradoxo que nos define

A verdade pode estar no meio do caminho: o altruísmo é egoísta, mas isso não o torna menos valioso. Talvez o mais importante seja o resultado, e não as intenções. Se ajudar o próximo traz um benefício, tanto para quem ajuda quanto para quem é ajudado, por que questionar sua pureza?

O filósofo brasileiro Rubem Alves oferece uma reflexão que ressoa aqui: “A verdadeira generosidade não é doar o que nos sobra, mas aquilo que nos custa.” Nesse sentido, o altruísmo, mesmo impregnado de egoísmo, exige esforço e nos conecta a algo maior do que nós mesmos.

O altruísmo é egoísta, mas talvez seja exatamente isso que o torna tão humano. Somos criaturas paradoxais, constantemente equilibrando nossos desejos e nossas responsabilidades. Se o egoísmo nos move, o altruísmo nos lapida. E, no final, talvez o objetivo não seja ser completamente desinteressado, mas encontrar harmonia entre os dois lados dessa moeda existencial. Afinal, na busca pelo outro, encontramos a nós mesmos.


sexta-feira, 22 de novembro de 2024

Bacantes de Eurípides

As Bacantes de Eurípides não são apenas uma tragédia; são um enigma. No centro da peça está Dionísio, o deus da fertilidade, do êxtase e da loucura, um personagem que encapsula tensões entre ordem e caos, razão e instinto, humano e divino. Eurípides, com sua genialidade trágica, nos coloca diante de um conflito essencialmente filosófico: como equilibrar os aspectos apolíneos e dionisíacos da existência?

O Conflito entre Razão e Êxtase

A tragédia apresenta Penteu, rei de Tebas, como defensor da ordem e da racionalidade. Ele representa a mente estruturada, o controle rígido sobre os impulsos e a recusa em aceitar o irracional. Dionísio, por outro lado, encarna o desejo humano pelo êxtase, pela transcendência das fronteiras impostas pela razão. Para Friedrich Nietzsche, em O Nascimento da Tragédia, essas duas forças – apolínea e dionisíaca – não são opostas, mas complementares. O apolíneo organiza a vida, mas o dionisíaco a revitaliza, permitindo ao ser humano enfrentar o abismo de sua existência mortal.

Penteu, ao rejeitar Dionísio, não rejeita apenas um deus, mas uma dimensão essencial de si mesmo. Sua recusa em participar dos rituais dionisíacos é uma recusa em aceitar a vulnerabilidade e o desejo que tornam a vida humana instintiva e imprevisível. Sua punição, brutal e inevitável, não é apenas divina, mas trágica: ao tentar subjugar Dionísio, ele destrói a si mesmo.

O Ritual e o Selvagem

As bacantes, mulheres que seguem Dionísio em êxtase selvagem, abandonam as convenções da sociedade. Elas vivem na floresta, em comunhão com a natureza, dissolvendo as fronteiras entre o humano e o animal. Esse abandono às forças primitivas pode ser visto como um retorno ao que o filósofo francês Georges Bataille chamava de "a experiência do sagrado": um estado de ruptura com o cotidiano, onde o indivíduo ultrapassa os limites da razão e toca algo mais profundo.

No entanto, essa entrega ao sagrado também tem um custo. O comportamento das bacantes, inicialmente libertador, torna-se destrutivo. Quando Agave, mãe de Penteu, mata seu próprio filho em transe, Eurípides parece sugerir que a perda total do controle não é menos perigosa que sua imposição. O humano, ao flertar com o divino, arrisca ser destruído por ele.

A Tragédia do Humano

A peça também pode ser lida como uma meditação sobre o que significa ser humano. Para o filósofo espanhol Miguel de Unamuno, em O Sentimento Trágico da Vida, o ser humano está condenado a viver entre contradições: entre a fome de imortalidade e a certeza de sua finitude, entre o desejo de controle e a realidade da imprevisibilidade. Em Bacantes, Eurípides expõe essa tensão de forma crua. Dionísio, ao punir Penteu, não resolve o conflito; apenas reafirma sua inevitabilidade.

Talvez Eurípides esteja nos dizendo que a vida humana é feita de tentativas de equilíbrio – sempre falhas, mas inevitáveis. Não podemos rejeitar Dionísio sem perder nossa vitalidade, mas também não podemos abraçá-lo sem nos colocar em risco. A tragédia reside justamente na impossibilidade de resolver essa tensão de forma definitiva.

A Filosofia e o Dionisíaco Hoje

Como ler as Bacantes em tempos modernos? Vivemos em um mundo que valoriza o apolíneo – a lógica, a produtividade, o controle. Mas o dionisíaco persiste, ainda que reprimido: nos festivais, nos excessos, nas artes, nas crises pessoais. O psicanalista Carl Jung falava sobre a sombra como aquilo que rejeitamos em nós mesmos, mas que sempre retorna. Dionísio, talvez, seja a sombra coletiva de nossa civilização. Ignorá-lo é perigoso; acolhê-lo, um desafio.

Eurípides, ao final, não oferece respostas. Sua tragédia é um lembrete de que o humano está sempre à beira do abismo, tentando dançar entre o caos e a ordem. Dionísio não é apenas um deus; ele é um reflexo de nós mesmos – de nossa necessidade de perder o controle para, paradoxalmente, nos encontrar.


segunda-feira, 18 de novembro de 2024

Arte de "Ser"

Sabe quando você passa por algo no dia a dia que te faz parar e refletir? Tipo aquele momento em que você ajuda alguém sem pensar duas vezes, ou quando enfrenta uma dificuldade e percebe o quanto somos todos humanos no fim das contas? Pois é, foi exatamente uma dessas situações que me inspirou a escrever sobre a capacidade de "ser" humano. A vida está cheia desses pequenos eventos que nos mostram o que realmente importa e como podemos fazer a diferença, mesmo nas coisas mais simples. Então, pega um café, relaxa e vamos refletir sobre a arte de ser humano no meio de tudo isso que chamamos de cotidiano.

A capacidade de "ser" humano é uma arte que se revela em pequenos gestos e situações do nosso cotidiano. Não se trata apenas de estar vivo, mas de viver com empatia, compaixão, e uma boa dose de imperfeição.

Acordando com o Pé Direito (ou Esquerdo)

Todo mundo tem aqueles dias em que o despertador toca e a vontade de ficar na cama é quase irresistível. Mas ser humano é levantar mesmo assim, com um sorriso torto no rosto e a promessa de café quente na cozinha. A luta contra a preguiça matinal é uma vitória silenciosa, um pequeno triunfo que marca o início de mais um dia cheio de oportunidades e desafios.

O Trânsito e a Paciência

Ah, o trânsito! Esse teste diário de paciência que todos enfrentamos. Ser humano é manter a calma quando o carro à sua frente decide que sinalizar é opcional. É dar passagem para aquele pedestre apressado, mesmo quando você está atrasado. No trânsito, exercitamos a empatia, entendendo que cada carro ao redor tem uma história e um destino.

O Trabalho em Equipe

No ambiente de trabalho, ser humano é mais do que apenas cumprir tarefas. É ajudar um colega com dificuldades, é compartilhar um elogio sincero, e reconhecer que todos estamos aprendendo. É também ter a humildade de admitir erros e a coragem de propor soluções. Ser humano no trabalho é lembrar que, por trás de cada função, há uma pessoa com sonhos, medos e aspirações.

Pequenos Gestos de Gentileza

Gestos simples podem transformar o dia de alguém. Segurar a porta para alguém que vem atrás, ceder o lugar no ônibus para alguém mesmo que não seja um idoso, ou até mesmo um sorriso para um estranho na rua. Esses momentos, embora pequenos, têm um impacto enorme. Eles reforçam a nossa conexão com o mundo ao nosso redor e nos lembram da nossa própria humanidade.

Lidando com Frustrações

Ser humano é lidar com frustrações. É receber uma crítica e tentar vê-la como uma oportunidade de crescimento, mesmo que o orgulho dê um pulo. É enfrentar uma decepção e encontrar forças para seguir em frente. Cada contratempo é uma chance de aprender e evoluir.

Celebrando as Pequenas Vitórias

No final do dia, ser humano é reconhecer e celebrar as pequenas vitórias. Seja um projeto concluído no trabalho, um jantar delicioso que você preparou, ou simplesmente o fato de ter conseguido chegar ao fim do dia. Essas pequenas alegrias são a essência da nossa existência.

A capacidade de "ser" humano é um exercício diário de empatia, resiliência e amor. Ela se manifesta nos pequenos detalhes do cotidiano, nas escolhas que fazemos, e na maneira como tratamos os outros. É essa capacidade que nos conecta, nos desafia e nos torna verdadeiramente humanos. Cada dia é uma nova oportunidade de praticar essa arte e fazer do mundo um lugar um pouco melhor, um gesto de cada vez.


terça-feira, 10 de setembro de 2024

Personificação do Medo

 

Sabe aquela sensação que surge do nada, um aperto no peito, como se algo invisível estivesse te observando de perto? Não precisa ser algo grandioso, como o medo de altura ou de aranhas. Pode ser algo mais sutil, quase íntimo: o receio de tomar uma decisão, de enfrentar uma conversa difícil ou até de simplesmente ser quem você realmente é em um grupo de pessoas. Esses pequenos medos diários parecem inofensivos, mas, se pararmos para pensar, são eles que, de maneira silenciosa, moldam boa parte das nossas escolhas.

Foi numa dessas reflexões, ao me pegar adiando uma tarefa importante por pura insegurança, que me veio a ideia: e se o medo tivesse um rosto? Como ele agiria no nosso cotidiano? Essa personificação do medo é algo que vivenciamos constantemente, ainda que sem perceber. Ele assume diferentes formas e se infiltra em nossas rotinas, sutil ou escancarado, influenciando quem somos e quem deixamos de ser. Foi a partir dessa inquietação que nasceu o impulso de escrever sobre o medo como personagem em nossas vidas.

O medo, quando personificado, ganha forma. Ele é aquele personagem invisível que todos nós, em algum momento, encontramos. Está lá na escuridão de um quarto, na incerteza de uma decisão difícil ou no palpitar do coração antes de uma apresentação. Imagine-o como um velho amigo insistente, sempre presente nas horas em que a coragem vacila.

No cotidiano, o medo se manifesta em coisas simples e corriqueiras. Um exemplo claro é aquele atraso em enviar uma mensagem importante. Quantas vezes hesitamos, olhando a tela do celular, pensando: “E se a pessoa interpretar mal?” ou “E se eu me arrepender?”. Esse tipo de medo não é aquele de fugir do perigo físico, mas sim de nos expor, de sermos mal compreendidos. Há também o medo de fracassar, tão comum na vida profissional. A sensação de que tudo pode dar errado faz com que fiquemos paralisados, adiando projetos, evitando responsabilidades.

No trânsito, por exemplo, o medo é quase tangível. Quem nunca sentiu o frio na barriga ao atravessar uma rua movimentada ou ao conduzir em uma estrada desconhecida? Nesse momento, a voz do medo sussurra: “E se algo acontecer?”. O que fazemos? Redobramos a atenção, desaceleramos, seguimos com mais cautela. Medo e prudência, por vezes, caminham de mãos dadas.

O filósofo Jean-Paul Sartre, ao discutir o medo, aponta que ele não é simplesmente uma reação a uma ameaça externa, mas algo mais profundo. Para ele, o medo está ligado à nossa liberdade. Quando percebemos que somos livres para escolher, também percebemos que somos responsáveis pelas consequências dessas escolhas. O medo de escolher errado, de abrir mão de algo ou de perder uma oportunidade é o que frequentemente nos paralisa. Para Sartre, a angústia — muitas vezes confundida com medo — é o reconhecimento dessa liberdade esmagadora.

Mas como lidar com essa personificação do medo no dia a dia? Talvez o segredo não esteja em eliminar o medo, mas em compreender seu papel. Assim como a sombra só existe porque há luz, o medo só se manifesta porque, em algum nível, há algo importante em jogo. Se não fosse relevante, não haveria medo. O truque é não deixá-lo ditar nossas ações. O medo pode sussurrar, mas quem decide somos nós.

No final, o medo nos mostra o que valorizamos. Se temos medo de perder algo, é porque aquilo tem significado. Então, talvez, o desafio seja transformar o medo em uma ferramenta de reflexão, em vez de vê-lo como um inimigo. Como Sartre sugere, ao aceitar nossa liberdade, reconhecemos que o medo é apenas uma parte natural do processo de sermos humanos e livres.

segunda-feira, 29 de maio de 2023

O Gato Filósofo

 


Vivemos diariamente envolvidos com coisas que nem sempre são de profundas questões, nosso cotidiano pode ser leve e com banalidades muito saudáveis, afinal somos seres humanos.
 
Nossa convivência seja entre humanos e não humanos é cheia de momentos de inspiração basta estarmos atentos para enxergar e veremos possibilidades de diálogos impressionantes, observar nossos animais é um ponto interessante para reflexão, por isto resolvi refletir um pouco a respeito de nossas convivências com nossos amigos peludos e pensar a respeito das mudanças nestas convivências que a vida nos proporciona, inicialmente penso que sejam oportunidades de estabelecermos novas relações de amizade.

Fui criado gostando de cachorros, até poucos anos atrás só tinha afeição aos cães e pouca simpatia com os gatos, no entanto, há uns três anos atrás fui cativado por um jovem amigo peludo que estava a observar a mim e a minha mulher que trabalhávamos no jardim, ele muito à vontade estava parado sobre o muro parecia uma esfinge, assim ficou o tempo todo sem se intimidar com nossa presença, talvez porque ele já nos conhecesse e já vinha nos observando de longe, acredito que nos tenha analisado bastante e concluídas suas observações meditativas gatunas tenha resolvido se aproximar e jogar seu charme.

A princípio não emitiu nenhum miado, houve apenas o contato visual, aproximamo-nos dele e ele sem receio algum permitiu que o acarinhasse, minha mulher já tinha muita experiência com os bichanos foi a que se afeiçoou mais rapidamente e correu para dar a ração do cachorro o que ele aceitou de imediato, ela que é gateira de longa data já passou a descrever que os gatos são animais sedutores e possuem características de personalidade admiráveis e místicas.

 

Com o passar do tempo o bichano foi se aquerenciando e seduzindo a todos nós, meu filho mais novo sugeriu o nome do gato de Remo e assim é chamado até hoje, foi inspirado pela estória de Remo um dos gêmeos alimentado por uma loba, neste caso nós seres humanos alimentando o bichano que reina até hoje em nossa casa.

 

Nestes anos aprendemos a conviver com o bichano, ele nos entende e nós o entendemos até onde consegui o entender em sua língua, ele mia em sons distintos para cada uma de nossas falas, perguntas e manifestações diante de suas traquinagens, em geral ele parece ser mais maduro que a idade que aparenta, mais ou menos como nos referimos aos humanos que parecem ser mais velhos por suas atitudes maduras

 

Não precisamos dizer que ele é curioso e aventureiro, sua presença nos trouxe momentos de descontração e alegria, as vezes nos traz presentes indesejáveis como pássaros e outros animais todos sem vida, sabe se lá onde os caça, sua jornada diária sobre os telhados demonstra sua independência e liberdade de ir e vir quando quiser.

 

A impressão que temos é que ele consegue ler pensamentos, parece ter um talento especial, com muita personalidade ele decide a quem quer se aproximar, não adianta chamar ele vai se quiser, primeiro observa para depois reagir, associamos suas atitudes a sua intuição podendo sentir as energias sutis de cada um.

 

Pesquisamos e encontramos informações que estão associadas aos bichanos e a partir daí passamos a melhor observar nosso amigo.

 

Os gatos são frequentemente associados a habilidades espirituais e têm sido considerados animais especiais em muitas culturas ao longo da história. Aqui estão algumas das habilidades espirituais que são atribuídas aos gatos:

 

Intuição: Os gatos são conhecidos por sua forte intuição. Diz-se que eles podem sentir energias sutis e ler o ambiente ao seu redor. Muitas vezes, os gatos são considerados guardiões espirituais, capazes de detectar mudanças nas energias e alertar seus donos.

 

Sensibilidade ao sobrenatural: Acredita-se que os gatos possam ver e sentir coisas além do alcance dos humanos. Diz-se que eles são capazes de perceber a presença de espíritos, fantasmas ou entidades espirituais. Muitas vezes, os gatos são considerados companheiros espirituais e protetores em diferentes tradições espirituais.

 

Cura emocional: Os gatos têm uma energia calmante e reconfortante. Eles podem oferecer conforto emocional e ajudar a aliviar o estresse e a ansiedade. Acredita-se que acariciar um gato tenha efeitos terapêuticos e possa ajudar a equilibrar as energias internas.

 

Sabedoria e mistério: Os gatos são frequentemente associados à sabedoria e ao mistério. Eles são considerados animais misteriosos que podem conectar os reinos espirituais e ter acesso a conhecimentos profundos. Na mitologia e nas histórias folclóricas, os gatos são retratados como guardiões de segredos e símbolos de sabedoria ancestral.

 

Proteção espiritual: Os gatos também são vistos como protetores espirituais. Acredita-se que eles possam afastar energias negativas e proteger seus donos de influências indesejadas. Muitas vezes, eles são considerados guardiões espirituais, capazes de criar uma barreira de proteção ao seu redor.

Os gatos estavam presentes na mitologia e religião dos egípcios, expressa principalmente pela imagem da deusa Bastet, com cabeça de gato. Representando a fertilidade, a divindade protegia as mulheres grávidas, já que as gatas protegiam seus filhotes com carinho e atenção. Nos templos dedicados a Bastet, havia sempre uma criação de gatos, que eram alimentados e cuidados. Porém, eram oferecidos para a deusa quando tinham cerca de 10 meses. A morte era ritualística, e os felinos eram embalsamados e mumificados simplesmente por terem sido queridos em vida.

 

É importante lembrar que essas habilidades espirituais atribuídas aos gatos são baseadas em crenças e tradições culturais. Cada pessoa pode ter sua própria interpretação e experiências individuais com os gatos, por isto passamos a observar melhor o bichano e tirar nossas próprias conclusões.

Freud disse certa vez que preferia a companhia dos animais à dos seres humanos, porque aqueles eram mais simples: “Não sofrem de uma personalidade dividida, da desintegração do ego, que resulta da tentativa do homem de se adaptar a padrões de civilização demasiado elevados para o seu mecanismo intelectual e psíquico”

Nossa imaginação é fértil e costumamos atribuir aos animais características humanas que os tornam místicos e mais do que a aparência deles nos sugere. 


Então nossa imaginação nos levou muito além que qualquer outro gato levaria. Imagine nosso gato um gato solitário, sentado em um canto tranquilo, observando o mundo ao seu redor. Esse gato tem uma aura de sabedoria e introspecção, pois ele é um gato filósofo. Ele reflete sobre a vida, o universo e tudo mais, explorando as profundezas da existência felina.

 

Esse gato filósofo busca compreender os mistérios da vida. Ele contempla os enigmas do tempo, da consciência e da natureza da realidade. Ele pondera sobre o significado da liberdade, do amor e da felicidade. O gato filósofo mergulha em reflexões profundas, buscando respostas para perguntas que muitas vezes são inacessíveis aos humanos.

 

Esse gato, com olhos brilhantes e expressão serena, vive uma vida contemplativa. Ele encontra inspiração nas pequenas coisas, nos raios de sol que aquecem seu pelo, na suavidade do vento que acaricia seu rosto e nas estrelas que brilham no céu noturno. Ele enxerga beleza e significado em tudo ao seu redor.

 

O gato filósofo valoriza a solitude e o silêncio, pois é nesses momentos que ele mergulha em seus pensamentos mais profundos. Ele não se preocupa com as trivialidades da vida cotidiana, mas busca transcender além do mundano. Ele encontra paz na simplicidade e na contemplação.

 

Esse gato filósofo não compartilha suas reflexões com palavras humanas, mas transmite sua sabedoria por meio de seu olhar penetrante e da serenidade que emana de sua presença. Ele nos lembra da importância de buscar o conhecimento, de questionar o mundo ao nosso redor e de apreciar os mistérios da existência.

Assim, o gato filósofo nos convida a refletir sobre nossa própria jornada, a explorar as questões mais profundas e a buscar uma compreensão mais profunda do mundo e de nós mesmos. Ele nos ensina a encontrar significado nas pequenas coisas e a buscar a sabedoria interior.

 

Isto tudo sem ter cursado filosofia e aprendido anos a fio as teorias humanas, sua pedagogia não possui a obsessão do homem pela felicidade e por um propósito como elemento que cria uma sociedade ansiosa, que projeta sua alegria no futuro e nunca no presente — temor que não tira o sono deste felino.

O Remo é dono de uma compreensão inata de como viver, ele não precisa da nossa filosofia — não sentiriam falta dela nem mesmo se fossem racionais, isso porque eles não lutam contra a própria natureza, a filosofia deles é a filosofia de sua própria natureza.

Gostar dos felinos é prazer e alegria de muita gente, inclusive filósofos e estadistas renomados, é longa a lista de ilustres pensadores que compartilham dessa paixão. O filósofo Michel de Montaigne (1533-1592), chamado de pai do humanismo — e gateiro de carteirinha —, foi quem proferiu a famosa frase que questiona a tal superioridade do homem: “Quando brinco com minha gata, como sei se não é ela que está brincando comigo, e não eu com ela?”. Winston Churchill (1874-1965) também se derretia pelo animal: quando o ex-ministro inglês morreu, seu gato vira-lata de pelagem laranja Jock estava ao seu lado na cama.

 

Na literatura, os felinos reinam. O argentino Jorge Luis Borges (1899-1986) teve dezenas de gatos, mas um foi favorito: Beppo, que até ganhou um poema em sua homenagem — e um verso elaboradíssimo para definir um simples carinho: “O teu dorso condescende com a morosa carícia desta mão”. O Nobel de Literatura Ernest Hemingway (1899-1961) teve tantos gatos que, hoje, a casa onde viveu na Flórida é um museu em sua homenagem, mas também abrigo de 59 bichanos. Em Filosofia Felina, o pensador John Gray olha com particular curiosidade para a conexão de Patricia Highsmith (1921-1995) com os bichos. Reservada e obrigada a esconder sua homossexualidade, a autora de O Talentoso Ripley encontrou nos gatos a companhia ideal — e escreveu tramas sobre animais maltratados que se vingam dos humanos. O nome Ripley, dado a seu charmoso psicopata, aliás, era de um de seus gatos.

 

A psicopatia, porém, é um transtorno exclusivo das pessoas. Gray aproveita a deixa para refutar a má fama dos felinos, de dissimulados e cruéis, crenças espalhadas por religiões monoteístas em resposta aos pagãos que os adoravam. Numa piada com a autoajuda, o autor lista dez dicas dos gatos para os humanos. A brincadeira vai desde dormir pelo prazer de dormir (e não de descansar) até a difícil missão de encontrar prazer na vida frugal e cotidiana. Haja miados de sabedoria.

 

Temos muito a aprender com os animais, principalmente com o nosso gato filosofo, todos deveriam adotar um amigo peludo, irão se surpreender, quem sabe também terão a sorte de encontrar este ser de tamanha sabedoria.

 

Fontes:

https://veja.abril.com.br/cultura/por-que-os-gatos-sao-superiores-aos-humanos-segundo-um-eminente-filosofo