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segunda-feira, 23 de junho de 2025

Gradualidade do Conhecimento

No mundo real, nada chega de uma vez só. Nem o saber. Nem a confiança. Nem o entendimento. Quando tentamos aprender algo — seja a tocar violão, entender filosofia ou conviver com alguém — a experiência é sempre feita de camadas. Uma após a outra. Como quem sobe uma escada em que cada degrau parece invisível até pisarmos nele.

Veja o exemplo de uma criança aprendendo a ler. No começo, são só riscos e rabiscos sem sentido. Depois vêm as letras soltas. Mais adiante, sílabas. E então palavras. Um dia — e só depois de um tempo — surge o encantamento da frase inteira: "O sol nasceu." Para um adulto, isso parece óbvio. Para quem aprende, é uma revolução.

A gradualidade também aparece nas relações humanas. Quem nunca se precipitou num julgamento — achando entender alguém já na primeira impressão — e depois percebeu, aos poucos, que havia mais camadas, mais histórias, mais dores e alegrias escondidas? Conhecer uma pessoa também exige tempo, abertura, espera. É uma construção lenta, como a maturação de um vinho.

Na ciência, idem. A física quântica não brotou da cabeça de ninguém do nada. Veio depois de Newton, depois de Maxwell, depois de Einstein, depois de Bohr... cada um colocando uma peça no quebra-cabeça. O conhecimento se acumula como camadas geológicas, sedimentando-se aos poucos, com paciência.

O filósofo francês Gaston Bachelard escreveu que o conhecimento verdadeiro é sempre construído contra o conhecimento anterior. Ou seja: para saber algo novo, precisamos antes superar uma visão velha, acostumada, confortável. E isso dá trabalho. É um processo. Não acontece de uma hora para outra.

Talvez seja por isso que as pessoas mais sábias são também as mais humildes. Porque sabem o quanto custou cada grama de saber. Sabem que a pressa em "saber tudo logo" é ilusão. Quem sabe muito não se exibe; guarda silêncio respeitoso diante do imenso campo do que ainda não sabe.

No cotidiano, esse ritmo lento se revela quando tentamos aprender a cozinhar, a dirigir, a amar alguém direito. Tudo tem seu tempo. Não adianta plantar e exigir o fruto no dia seguinte.

Talvez o segredo do conhecimento esteja justamente aí: na aceitação de sua gradualidade. Como quem lê um livro página por página, sem querer espiar o final antes da hora.

Afinal, como disse o velho Heráclito:

"O tempo é o pai da verdade."

Sem tempo, não há verdade possível. Nem aprendizado. Nem sabedoria.


quarta-feira, 11 de junho de 2025

Apego e Aversão

 

Os fios que nos puxam...

Há dias em que tudo parece querer nos segurar. A velha caneca de café, o casaco preferido gasto nos cotovelos, o lugar certo à mesa do almoço. E há dias em que tudo irrita: o barulho da rua, o aviso do celular, a mesma pergunta repetida no trabalho. Apego e aversão são como dois fios invisíveis que nos puxam, sem que percebamos, para cá e para lá — como marionetes gentis da nossa própria mente.

No mercado, a senhora que resmunga porque mudaram de lugar o pacote de arroz talvez nem saiba, mas ali está o apego disfarçado de costume. No ônibus, o rapaz que enfia fones de ouvido para fugir da conversa do lado pratica uma pequena aversão, querendo sumir do mundo em miniatura. Apego e aversão são esses gestos miúdos, diários, quase sem peso — e que, somados, fazem a alma perder leveza.

No amor, por exemplo, o apego se disfarça de zelo. É o ciúme que não deixa o outro respirar, a expectativa de que o parceiro complete nossos vazios. Queremos segurar o amor, garantir que não acabe, como quem segura água nas mãos. E quando o outro se afasta um pouco — um olhar distraído, uma resposta seca — surge a aversão: raiva disfarçada de mágoa, desejo de punição. Para Simone Weil, esse é o momento em que deveríamos aceitar o vazio — não exigir do outro a felicidade que só a graça pode dar.

Na amizade, o apego é querer que o amigo continue sempre o mesmo, preserve as mesmas opiniões, os mesmos gostos. E a aversão surge quando ele muda: novas ideias, novos interesses — como se fosse uma traição. Mas a verdadeira amizade, como lembrava N. Sri Ram, reconhece o movimento da vida e permite que o outro cresça, mesmo que vá para longe de nós.

No trabalho, o apego aparece como medo de perder o cargo, a rotina, o status. Tornamo-nos escravos do desempenho — cada e-mail respondido, cada tarefa cumprida para manter o lugar conquistado. E nasce a aversão a tudo que ameaça esse equilíbrio: mudanças, novos chefes, jovens colegas criativos. Para Byung-Chul Han, essa lógica de produtividade incessante nos esgota porque não há espaço para a pausa, para o não-fazer — nos tornamos máquinas de nós mesmos, com aversão ao simples descanso.

N. Sri Ram, no livro O Interesse Humano e outros discursos e ensaios curtos, me lembra que esse apego à forma — seja do amor, da amizade ou do trabalho — impede a verdadeira abertura ao real. Queremos que as coisas fiquem como estão porque tememos o desconhecido. Mas a vida não para: nem o parceiro amoroso, nem o amigo de infância, nem o emprego perfeito. Tudo flui. E a alma livre é a que aprende a acompanhar esse movimento sem agarrar nem repelir.

No fundo, como diz a sabedoria zen, apego e aversão são dois nomes para o mesmo medo: o de perder o controle. E o controle é sempre uma ilusão.

Talvez o segredo esteja mesmo em tocar o mundo com mãos abertas — sem fechar o punho sobre o que se ama, sem empurrar com raiva o que desagrada. Ver, sentir, deixar passar. Como quem atravessa um campo e deixa a relva voltar ao lugar.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Circularidade sem Escapatória

O Labirinto da Repetição

A vida, às vezes, parece se dobrar sobre si mesma, como uma serpente que morde a própria cauda. Essa imagem antiga, a ouroboros, simboliza a ideia de circularidade: um ciclo incessante, que retorna ao ponto de partida. Mas o que significa estar preso nesse ciclo? Seria a circularidade uma condenação ou uma condição inevitável da existência?

A Repetição no Cotidiano

Observe o dia a dia. Acordar, trabalhar, comer, dormir. Depois, repetir. A rotina é, em essência, circular. Mesmo aqueles que buscam romper com ela frequentemente encontram novos ciclos, disfarçados de liberdade. Mudar de emprego pode parecer um ato de fuga, mas logo as tarefas se tornam familiares. Viajar pelo mundo, fugindo da monotonia, frequentemente se transforma em uma repetição de aeroportos, hotéis e itinerários.

Essa circularidade não é apenas prática, mas também mental. Nossas preocupações, angústias e sonhos muitas vezes seguem padrões repetitivos. Pensamos nas mesmas questões de formas ligeiramente diferentes, voltando sempre ao ponto de partida, como se estivéssemos presos a um disco riscado.

Circularidade na Filosofia

A ideia de circularidade é central em diversas tradições filosóficas. Friedrich Nietzsche, por exemplo, propôs o conceito de eterno retorno: e se tudo na vida, cada momento, cada decisão, tivesse que ser repetido infinitamente? Esse pensamento, segundo ele, não era uma condenação, mas um teste de aceitação da vida. Se pudermos abraçar a ideia de viver cada detalhe repetidamente, talvez estejamos prontos para viver plenamente.

Já na visão de Arthur Schopenhauer, a repetição é um fardo. Para ele, a vida é um ciclo interminável de desejo e frustração. Desejamos algo, alcançamos, mas logo nos sentimos insatisfeitos e começamos a desejar outra coisa. Esse padrão, segundo Schopenhauer, só poderia ser superado através da negação do desejo – uma espécie de escape pela renúncia.

No entanto, Martin Heidegger sugere que a repetição pode ser mais do que uma armadilha. Para ele, a repetição é uma oportunidade de reapropriação. Ao revisitar o passado de forma consciente, podemos dar novo sentido a ele, transformando a circularidade em uma espiral ascendente – um movimento que, embora volte ao mesmo lugar, o faz de maneira renovada.

A Circularidade no Mundo Moderno

Na era contemporânea, a circularidade assume formas mais sutis. A rotação frenética das redes sociais nos mantém presos em ciclos de atenção, como pequenos hamsters girando em suas rodas. Os algoritmos nos servem mais do mesmo, criando bolhas que reforçam nossas ideias e nos isolam de perspectivas diferentes.

Além disso, a busca incessante por produtividade e progresso muitas vezes nos faz sentir como se estivéssemos correndo em círculos. Avançamos, mas para onde? O progresso linear é uma ilusão em um mundo onde as crises ambientais, políticas e sociais frequentemente nos trazem de volta aos mesmos dilemas de sempre.

Existe Escapatória?

Se a circularidade é uma condição inevitável, como devemos lidar com ela? Talvez a resposta esteja não em escapar, mas em redefinir a perspectiva. Aceitar que a vida é cíclica não significa resignar-se à monotonia. Podemos encontrar significado nos pequenos retornos, nas nuances das repetições. Cada ciclo traz consigo a oportunidade de revisitar algo com olhos novos, de aprender algo que antes nos escapava.

Nesse sentido, podemos pensar na circularidade como uma dança. O movimento pode ser o mesmo, mas cada giro é diferente, dependendo de como nos posicionamos. Como sugeriu o filósofo brasileiro Vilém Flusser, “a repetição não é o mesmo, é o similar; cada repetição é um desdobramento.”

A circularidade sem escapatória pode parecer uma prisão, mas talvez seja, na verdade, uma condição de liberdade. Liberdade para reexaminar, reinterpretar e redescobrir o que já foi vivido. Como na imagem da ouroboros, a serpente que devora a si mesma também cria algo novo em cada ciclo. Não há escapatória, mas talvez não precisemos dela. Afinal, o segredo da vida não está em romper o círculo, mas em habitá-lo com sabedoria e leveza.

sábado, 1 de fevereiro de 2025

Roda da Fortuna

Outro dia, conversando com um amigo sobre como a vida parece brincar com a gente, ele disse: "Acho que a minha Roda da Fortuna emperrou." Rimos, mas no fundo, a metáfora era certeira. Tem fases em que tudo conspira a favor e momentos em que o destino parece rir na nossa cara. A Roda da Fortuna, um dos símbolos mais antigos da imprevisibilidade da vida, nos lembra que ninguém está permanentemente no topo — nem sempre no fundo.

A ideia da Roda da Fortuna tem raízes na Antiguidade. Os romanos viam Fortuna, a deusa do destino, como uma força cega que gira a roda ao acaso, elevando e derrubando pessoas sem aviso prévio. Na Idade Média, o conceito se tornou um lembrete moral: reis e mendigos eram igualmente sujeitos à instabilidade da existência. O pensador Boécio, em A Consolação da Filosofia, escreveu sobre como a verdadeira sabedoria está em não se apegar demais à boa sorte nem se desesperar diante da má sorte. Afinal, a roda gira.

No cotidiano, sentimos isso na pele. Um dia, um colega de trabalho recebe uma promoção inesperada, enquanto outro, tão competente quanto, é demitido sem explicação. A bolsa de valores sobe vertiginosamente e, no dia seguinte, despenca. Pessoas entram e saem da nossa vida sem que possamos prever. O que nos resta, então?

A resposta filosófica pode variar. Os estoicos sugeririam a apatheia, um estado de serenidade diante das mudanças. Nietzsche, por outro lado, falaria do amor fati — amar o destino, abraçar os altos e baixos como partes inseparáveis da existência. No Brasil, Clóvis de Barros Filho nos lembra que a felicidade não é um estado permanente, mas momentos fugazes que precisamos aproveitar sem ilusões de eternidade.

Talvez, no fim das contas, o segredo seja aprender a dançar conforme a música. Nem sempre temos controle sobre os giros da roda, mas podemos escolher como reagir a eles. E, quem sabe, entender que a beleza da vida está justamente nessa imprevisibilidade — porque se a roda parasse, perderíamos o encanto de esperar pelo próximo movimento.


quarta-feira, 28 de abril de 2021

Rosa de Hiroshima, uma metáfora, um simbolo do segredo!

 

 


 Como andam suas metáforas? Como você anda?

 

Quem usa metáfora? A maioria das pessoas usam metáforas várias vezes ao dia e é quase impossível nos comunicarmos sem elas!

 

Metáfora é a figura de linguagem que usamos e encontramos em toda parte, geralmente a utilizamos várias vezes ao dia, elas fazem parte de nosso cotidiano na escrita e na fala, é uma forma que o ser humano inventou para se comunicar com maior eloquência, tanto para aqueles que leem e nos ouvem, sua utilização é tão presente que é praticamente impossível de nos comunicarmos sem o uso delas.

 

Aprendemos no cotidiano a usar metáforas, elas carregam uma mensagem como símbolos pessoais, nos ajudam a ler e entender nossa própria simbologia. As nossas metáforas permitem que nos conheçamos e entendamos nossa vida de uma maneira diferente, principalmente quando usamos esta ou aquela metáfora mais constantemente, inclusive elas podem indicar o momento que se está vivendo.

 

Perceba a riqueza das palavras na seguinte declaração:

 

"A minha raiva é como dançar com um tigre. Eu posso enxergá-la toda agora, a sala, o lustre, ouvir a música, sentir meu coração batendo enquanto nós rodopiamos entre os outros casais no salão de baile... Eu estou no limiar entre a vida e a morte."

 

A metáfora é indispensável, ela consegue resumir muitos sentimentos e emoções em tempo real, num piscar de olhos é como uma fotografia. Não podemos nos comunicar sem metáfora, até nossos pensamentos são carregados com elas, elas são parte da evolução da consciência humana, estão presente praticamente em tudo, até mesmo nas imagens e na arte como representação abstrata do mundo visto com os “olhos do coração”.

 

A metáfora é tão fundamental para a nossa maneira de pensar e de falar que somente as mais óbvias é que são registradas pela nossa consciência:

 

Eu te vejo com os olhos do meu coração.

 

Eu estou sempre dando murro em ponta de faca.

 

Eu carrego o mundo nos meus ombros.

 

Eu vejo uma luz no fim do túnel.

 

Essas expressões são obviamente metafóricas, simbólicas e representacionais. Nós sabemos que na realidade o coração não tem olhos, não existe nenhuma faca, que o locutor não se transformou num Atlas, e que ele de fato não está num túnel. Pelo contrário. Nós temos um mecanismo inato que registra a natureza figurativa dessas expressões em nossa mente e as aceita simbolizando uma experiência mais do que a experiência em si, revelam por sua vez a forma com que vemos as situações e como expressamos nosso entendimento, sendo ela boa por sua capacidade de iluminar o emprego da linguagem, a claridade que reporta pode ser um fim em si mesmo.

Nós sabemos a priori e intuitivamente que no dia a dia, as coisas e os comportamentos (o coração, a faca, o murro, os ombros, o mundo, uma luz e o túnel) estão sendo usados para representar outras experiências: o carinho, a falta de progresso, a excessiva responsabilidade, e achar que ainda tem esperança.

 

As metáforas evocam abundantes imagens e a percepção do sentido do que está sendo descrito de forma pessoal ou coletiva. Elas podem expressar, com muita nitidez, uma única ideia ou uma experiência de vida. Apesar de que muitos linguistas costumam rejeitá-las como "meramente figurativas", neste caso embora entendamos suas particularidades, elas hoje são aceitas como uma descrição altamente correta de percepção.

Atualmente percebemos o deslocamento da metáfora, de uma posição exclusiva da linguagem para o pensamento seguido da ação, ela faz parte da construção sócio-cognitiva daquilo que entendemos por realidade do cotidiano.

 a metáfora está infiltrada na vida cotidiana, não somente na linguagem, mas também no pensamento e na ação. Nosso sistema conceptual comum, em termos do qual não só pensamos, mas também agimos, é metafórico por natureza. (LAKOFF; JOHNSON (1980 [2002], p. 45)

 

Quando falamos sobre nós, nossos problemas, nossas emoções, nossos desejos, nossos relacionamentos – aquelas coisas mais importantes para nós – é ainda mais provável que façamos uso da metáfora para nos ajudar a descrever com eloquência a profundidade e a complexidade da nossa experiência pessoal.

 

Jung compreendeu e assim conceituou que ao utilizarmos as narrativas míticas e metáforas a realidade do indivíduo é ampliada, de modo, que o indivíduo se identifica com o aspecto coletivo, de tal forma, que o corpo/psique é integrado na dinâmica, esse processo consiste em pensar que todas as narrativas simbólicas que nos tocam são metáforas de nossos processos profundos que ocorrem em nosso psiquismo.

 

As meditações criam um vendaval em nós...

 

Minha mente em seu alvoroço me fez cavalgar o vento...

 

Se você não sabe como remar, mudar de barco não vai ajudar.

 

Confúcio, dizia: “Você não pode mudar o vento, mas pode ajustar as velas do barco para chegar onde quer”.

 

Vejamos outros exemplos:

Uma âncora nunca deve ser lançada quando tivermos nossas velas içadas, embolsadas pelo vento, este é um dilema, nosso eterno conflito de agir, o medo e a coragem. A dúvida e a certeza, que constantemente nos acompanham.

 

Aquele rapaz é um “gato”. –  A metáfora ocorre porque implicitamente o rapaz é comparado a um gato. Quer dizer que é encantador, fofinho, bonito, etc.

 

Ela me encarou e seu olhar era “pedra”. – A dureza e rigidez da pedra está sendo atribuída ao olhar. Podemos observar que a palavra pedra está sendo usada de forma figurativa e não no sentido literal da palavra.

 

Aquela menina é uma “flor”. – Subtende-se que a menina é meiga, bonita, cheirosa, delicada. Ou seja, possui características de flor. Mas, sabemos que aqui o vocábulo “flor” não se refere ao órgão de reprodução de uma planta.

Esta questão é apenas a” ponta do iceberg”. (Quer dizer que a questão é pequena diante de outras.)

Ela é uma “formiga” para doces. (Quer dizer que ela adora doces como se fosse formiga)

Onde há fumaça, há fogo. (Indica que, quando a pessoa desconfia de algo ou alguém por ter sinais, realmente motivo para tal desconfiança.)

Na metáfora Remédio Infalível, percebemos a inocência, ignorância, espertezas e desejo de justiça com uso das próprias mãos, tudo isso está presente na conduta humana:

 

Remédio Infalível

Um vendedor ambulante percorria os povoados oferecendo remédio contra coice de burro. Instalou-se numa pracinha, junto à capela, e começou a gritar com aquela habilidade própria dos charlatões:

- Alô, pessoal! Ouvi contar que aqui há muito burro xucro. É só agente passar perto e já vem o coice. Mas tenho aqui um remédio infalível. Querem experimentar?

Os curiosos se juntavam. Então ele mostrava um pacotinho bem fechado, dizendo:

- Cada pacotinho desses contém o remédio. Cura quem levou o coice e previne contra coices futuros. O pacotinho custa apenas ... E dava o preço de um, de dois, de três pacotes, sempre com o desconto de praxe. Mas, cuidado, perde o efeito.

Muitos roceiros compraram o tal remédio. Chegando às suas casas, abriram curiosamente o embrulho e encontraram dentro três metros de barbante e o conselho por escrito:

"Para evitar coice de burro, basta ficar longe do animal numa distância correspondente ao comprimento deste barbante." Desapontados e ludibriados, foram atrás do vendedor para lhe aplicar uma boa surra. Mas o espertalhão já havia sumido da praça.

 

A metáfora presente na poesia e na música

Wittgenstein (filósofo austríaco naturalizado britânico – 1889/1951), em seu Tractatus Logico-Philosophicus (TLP), tinha o objetivo imediato de explicar como a linguagem consegue representar o mundo, mais especificamente, pretendeu mostrar como uma proposição é capaz de representar um estado de coisas real ou possível. Em sua filosofia não procurou criar uma nova linguagem; antes, lutou com a linguagem a fim de superar os erros decorrentes do seu mau uso. No máximo, o que Wittgenstein fez foi criar novos símiles, imaginar novas formas de vida, utilizar conceitos fictícios, assim como a poesia faz e utiliza, com o objetivo de tornar a filosofia uma atividade terapêutica libertadora. Para ele as metáforas e, mais amplamente, as ligações analógicas terão um papel importante na reflexão de Wittgenstein após o Tractatus” e em sua filosofia.

Na poesia, segundo as considerações de Wittgenstein, cada expressão precisa ser colocada cuidadosamente e artisticamente no local adequado, é isso o que garante a beleza e a integridade do poema. Da mesma forma, considera que em filosofia uma boa metáfora ou uma expressão correta pode ser mais importante do que a formulação de uma hipótese ou de uma teoria. Uma boa analogia gera como consequência a satisfação, enquanto que uma teoria ou hipótese precisa passar pela verificação: “E se a metáfora se revela boa por sua capacidade de iluminar o emprego da linguagem, a claridade que reporta pode ser um fim em si mesmo”. Além do mais, uma teoria nunca é definitiva, já uma metáfora subsiste no tempo, gerando um efeito libertador.

Tomemos como exemplo alguns versos do poema de Vinícius de Morais (1913 – 1980) - “Rosa de Hiroshima”, o poema também virou música na voz de Ney Matogrosso (https://www.youtube.com/watch?v=Tt_goIGovGs)

 

Rosa de Hiroshima

Pensem nas crianças
Mudas telepáticas
Pensem nas meninas
Cegas inexatas
Pensem nas mulheres
Rotas alteradas
Pensem nas feridas
Como rosas cálidas
Mas oh não se esqueçam
Da rosa da rosa
Da rosa de Hiroshima
A rosa hereditária
A rosa radioativa
Estúpida e inválida
A rosa com cirrose
A antirrosa atômica
Sem cor sem perfume
Sem rosa sem nada

 

No poema A rosa de Hiroshima, de Vinicius de Moraes, a “rosa” a que o eu lírico se refere é uma metáfora para a famigerada bomba atômica, ou seja, ela é comparada a uma flor maravilhosa, a rosa símbolo da paixão. No entanto, em nenhum momento, a bomba é explicitamente mencionada no poema.

 

Na poesia, Vinícius usa muitas metáforas. Uma que chama muito a atenção é a palavra “rosa” usada no lugar de “bomba”. O texto nos induz a comparar a bomba jogada sobre Hiroshima com uma rosa, neste caso uma representação de fortíssimo apelo emocional. A palavra "rosa" ainda foi objeto de discussão na idade média na querela dos universais, a questão é colocada de modo quase poético no problema do nome da rosa. o nome da rosa, mesmo que não houvessem mais rosas, significaria alguma coisa em nossas mentes, ou a própria proposição "não existem rosas" deixaria de fazer sentido.



A rosa que é uma flor linda e maravilhosa, que se abre em muitas pétalas, com suas folhas ovaladas ou planas e exala perfume inebriante. A bomba também se abriu ao explodir, e a imagem lembrou a de uma rosa a desabrochar. Porém exalou radioatividade, tirou vidas no presente e no futuro, pois seu alcance espalhou o mal contaminando as gerações vindouras, representou a crueldade estadunidense e a maneira com que veem os não “americanos”.

 

Outra comparação é se refletirmos sobre a difusão e a expansão que os dois termos podem denotar. O cheiro da rosa é capaz de difundir-se exalando perfume e podendo ser projetado por determinadas distâncias. A bomba de Hiroshima, difundiu um mal que se projetou por longas distâncias e até mesmo através do tempo, a história registrou o ato genocida da crueldade humana.

 

Também observamos que o poeta chama a bomba de “rosa hereditária”. A expressão é metafórica e talvez se refira às consequências causadas. O acontecido acarretou um mal que se perpetuou, que passou de geração para geração, de pai para filho. É uma maneira de não nos deixar esquecer do câncer disseminado pelo alto poder da radiação e principalmente nosso olhar desconfiado aos interesses da nação cruel que quis e quer amedrontar o mundo, são volúveis, pois conforme o partido que assume a presidência ora tem uma visão em defesa da natureza, e ora tem interesses puramente capitalistas, basta comparar as contradições nos discursos e nos atos dos últimos governos.

 

Uma rosa é cor de rosa, vermelha, branca e amarela; é rosa dos ventos que representa as direções que sopram os diferentes ventos; é Rosa de Saron uma expressão bíblica que se encontra no Antigo Testamento em Cântico dos Cântico; Rosa do deserto uma flor do deserto, enfim uma rosa esta presente na vida da terra sob muitas formas e sentidos, na metáfora ela adquiriu a beleza sombria da morte ceifadora do presente e futuro, um símbolo do segredo.

 

Saber ler e entender uma metáfora é a capacidade que praticamente todas as pessoas possuem, no entanto, entender o que vai nas entrelinhas é para poucos, alguns até confundem com a catacrese, que também é uma figura de linguagem, mas é utilizada para denominar um elemento quando não há um termo específico que o conceitue. Ela é diferente da metáfora, que tem característica subjetiva e momentânea. Um apelido por exemplo, pode distinguir um ou um grupo de pessoas e nele estar carregado de informações, basta ter a capacidade de analisar.

 

Como vimos a Metáfora é uma palavra que está sendo empregada fora de seu sentido concreto, real, literal. Trata-se de uma comparação implícita, subentendida no texto.  Se caracteriza por comparar sem que sejam empregados termos comparativos. As nossas metáforas e símbolos pessoais nos ajudam a compreender o mundo, inclusive em seus conflitos políticos.

 

Elas dão forma àqueles aspectos da nossa vida que são os mais místicos – nossos problemas e suas soluções, nossos medos e desejos, nossas doenças e saúde, nossa pobreza e riqueza, e a nossa capacidade de amar e ser amado.

 

Quando são dadas formas representacionais a essas experiências, e elas são vistas pelo lado simbólico, deixam de ser efêmeras, aí então se tornam acessíveis para a exploração e a transformação pessoal, nelas são cultivadas nossas emoções com raízes mais profundas.

 

Fontes:

https://metaforas.com.br/artigo/a-magia-da-metafora.htm

https://metaforas.com.br/1998-12-31/remedio-infalivel.htm

https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/view/18613/13537

Jung, Carl, O Homem e seus Símbolos. Rio de Janeiro. 2ª. Ed. Nova Fronteira, 2008.

Lakoff, George & Johnson, Mark, Metáforas da Vida Cotidiana .

James Lawley e Penny Tompkins são psicoterapeutas registrados na Grã Bretanha pela United Kingdom Council for Psychotherapy (UKCP). Eles moram em Londres e ensinam no mundo inteiro. São os autores de Metaphors in Mind: Transformation through Symbolic Modelling. Podem ser contatados na The Developing Company pelo e-mail info@cleanlanguage.co.uk.

O artigo original "The Magic of Metaphor" está no site www.cleanlanguage.co.uk