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quinta-feira, 3 de dezembro de 2020

Resenha do livro "Um antropólogo em Marte" de Oliver Sacks

 

 
Um Antropólogo em Marte (em inglês: An Anthropologist on Mars) é um livro escrito em 1995 pelo neurologista anglo-americano Oliver Sacks, com grande habilidade ele narra distúrbios neurológicos complexos, fazendo cada leitor ser completamente absorvido pelas incríveis histórias de vida de seus pacientes, as histórias foram baseadas em sete estudos de caso do autor sobre indivíduos com condições neurológicas consideradas paradoxais para com suas atividades, e como essas condições podem levar a um estado de desenvolvimento pessoal e/ou profissional.
 
"Um antropólogo em Marte", título do livro, é a descrição do encontro entre Sacks e Temple Grandin, uma mulher autista renomada internacionalmente por seus estudos na criação de gado e professora universitária. "Um antropólogo em Marte" é a descrição que Grandin usou para representar sua dificuldade em interações sociais.
 
Este livro vale a pena ser lido mais de uma vez, é uma oportunidade de ingressar num mundo especial e fantástico a partir da experiência narrada de seres humanos que pressionados por situações-limite tiveram de desenvolver habilidades para se adaptarem de maneira criativa a conviver com doenças neurológicas devastadoras, o que para a maioria das pessoas é difícil compreender como poderiam superar limitações tão difíceis. 
 
Por outro lado, os estudos de caso apresentados por Sacks são de extrema sensibilidade que nos levam a pensar o que poderia ser uma pessoa “normal”, afinal nossos olhares de estranheza em relação a estes indivíduos especiais são também refletidos na estranheza deles em relação aos ditos normais, afinal não podemos esquecer que somos de alguma forma diferentes uns dos outros, cada um de nós vai vivendo conforme condições orgânicas individuais. Antes de mais nada, esta é também uma oportunidade que pode nos ajudar a compreender melhor o que somos.

Os sete estudos de caso:

·      "O caso de pintor daltônico" discute as realizações de um pintor que sofre um acidente de carro e é acometido por uma Acromatopsia cerebral, a incapacidade de perceber cores devido a algum acidente. No dia seguinte ao acidente, ao ir trabalhar em seu ateliê, antes repleto de pinturas coloridas e luminosas, depara-se com um mundo feito de cinza, branco e preto. As coisas passam a ter uma aparência desagradável, "suja". As pessoas viraram "estátuas cinzentas animadas" e o pintor passa a não suportar sua própria aparência no espelho. Até os alimentos que ele ingeria "pareciam-lhe repulsivos devido a seu aspecto cinzento, morto, e ele tinha que fechar os olhos para comer". Para o pintor, o mundo passou a ser algo parecido com um filme em preto-e-branco, tridimensional, com a diferença que os filmes são representações do mundo, enquanto a vida dele era real. O pintor voltou a pintar inspirado pela visão de um nascer do sol (em preto e branco). "O sol nasceu como uma bomba, como uma enorme explosão nuclear", ele contou à Sacks. Suas pinturas continuaram existindo, mas todas passaram a ser em preto-e-branco. "Senti que se não pudesse continuar pintando, também não ia querer continuar vivendo", ele desabafou com seu médico. Pg. 18

·         "O último hippie" descreve o caso de um homem que sofre de um grande tumor cerebral, e por causa desta, amnésia anterógrada, que impossibilita o paciente de se lembrar de qualquer fato acontecido após a década de 60. Este estudo de caso foi inspiração para o filme “A música nunca parou”

Trecho pg.63: “Não obstante, se Greg, agora incapaz de transformar suas percepções ou memórias imediatas em permanentes, permanecia paralisado nos anos 60, quando sua capacidade de aprender novas informações entrou em colapso, ele se ajustou de alguma forma e absorveu parte do que estava a sua volta, ainda que muito devagar e de maneira incompleta”

·         "Uma vida de cirurgião" conta a interação de Sacks com o cirurgião e piloto amador Dr. Carl Bennett, que possui Síndrome de Tourette. Os tiques podem se manifestar em qualquer parte ou conjunto de partes do corpo (barriga, nádegas, pernas, braços etc.), mas, tipicamente, ocorrem no rosto e na cabeça -- no rosto, como caretas repetidas, e na cabeça como um todo, como movimentos bruscos, repetidos, de lado a lado, e se conhece pelos estranhos grunhidos, crispações, caretas, gestos, e xingamentos involuntários emitidos pelas pessoas que dela sofrem. Dr. Bennett, é morador da cidade estadunidense de Branford, ele é muito querido por seus clientes e respeitado pelos seus colegas de profissão, no pronto-socorro e no hospital local. Bennett, além de operar com perfeição, sem nunca ter cometido um equívoco, dirige carro e pilota um pequeno avião particular. Sua "esquisitisse" lhe conferiu uma identidade e personalidade muito particulares, capazes de se manifestarem absolutamente convencionais durante as atividades profissionais. Os gestos bruscos, os tiques convulsivos, a mímica involuntária, as expressões compulsivas de xingamentos são inteiramente controladas na sala de cirurgia, por exemplo, manifestando-se livremente nos momentos de descontração.

Trecho pg.90: “Bennett às vezes chama a síndrome de Tourette de “uma doença de desinibição”. Diz que há pensamentos, nada excepcionais em si mesmos, que todo mundo pode ter incidentalmente, mas que são normalmente inibidos. No caso dele, esses pensamentos persistem obsessivamente no fundo de sua cabeça e eclodem de repente, sem seu consentimento ou intenção. Assim, por exemplo, ele pode querer sair, ficar ao sol e se bronzear, quando o tempo está bom. Esse pensamento fica no fundo de sua cabeça enquanto atende seus pacientes no hospital, e acaba emergindo numa declaração súbita e involuntária”.

·         "Ver e não ver" é a história de Shirl Jennings, um homem cego desde a infância, graças à luta de sua noiva para conseguir que lhe fizessem uma cirurgia a moça conseguiu o impossível, conseguiu que aos 50 anos de idade lhe proporcionasse o dom da visão, ele foi capaz de recuperar a visão após uma cirurgia.

Sua história permite uma profunda reflexão sobre a diferença entre "enxergar" e o "ver". Quando Virgil abriu os olhos, depois de ter sido cego por tantos anos, não havia memória visual em que apoiar sua percepção e nem mundo algum de experiência e sentido esperando-o. Ele viu, mas o que viu não tinha coerência, seu cérebro não conseguia lhe dar sentido. "Nós que nascemos com a visão", diz o autor, "jamais poderemos imaginar tal confusão". Sacks caminha por toda a trajetória de sofrimento de Virgil na experiência de ver e não ver e nas frustrações de sua mulher Amy e conclui: "viu-se entre dois mundos, exilado em ambos — um tormento ao qual não parecia ser possível escapar. Mas aí veio a libertação, na forma de uma segunda e derradeira cegueira — uma cegueira que ele recebeu como dádiva. Assim como outras pessoas acometidas por essa raridade, Sacks descreve a experiência do paciente como sendo "profundamente perturbadora".

Trecho pg. 119: “Quando abrimos nossos olhos todas as manhãs, damos de cara com um mundo que passamos a vida aprendendo a ver. O mundo não nos é dado: construímos nosso mundo através da experiência, classificação, memória e reconhecimento incessantes”

·         "A paisagem dos seus sonhos" discute a interação entre Sacks e Franco Magnani, um homem obcecado pela sua vila natal Pontito na Tuscania, onde ele morou até os doze anos. Apesar de não ter visto a comunidade por muito tempo, Franco era capaz de relatar detalhes mínimos e precisos de Pontito (Pontito é administrativamente uma frazione da comuna de Pescia, na província de Pistoia, Toscana). Franco é denominado o "Artista da Memória", Franco tem uma capacidade obsessiva, fotográfica e infinita de retratar sua cidade (apenas ela), sob todos os ângulos, de forma recordatória e imaginativa. Conforme dito por Sacks, este artista eidético, é ao mesmo tempo vítima e possuidor de um repertório de imagens, cujo poder é difícil conceber. Ele não está livre para ter equívocos de memória e nem para deixar de lembrar. Trata-se de uma memória patológica, com um poder de fixação, de fossilização ou de petrificação em plena atividade, marcada, porém por uma responsabilidade cultural de recordar o passado e preservar seu sentido.

Trecho pg.163: “O estado de espírito que se anunciara em sonhos durante a noite se aprofundou e intensificou na mente de Franco. Começou a ter “visões” de Pontito durante o dia – visões emocionalmente avassaladoras, mas com uma qualidade minuciosa e tridimensional que ele compara a holografia”

·         "Prodígios" descreve a relação de Sacks com Stephen Wiltshire, um autista savântico, nascido em Londres, descrito como "a melhor criança artista do Reino Unido". É um garoto com prodigiosa capacidade de desenhar paisagens, ruas, edifícios, igrejas, castelos etc. Falando dos idiots savants o autor menciona que não se trata apenas de um sábio, mas de um prodígio. Depois de diagnosticado seu autismo, teve a felicidade de encontrar a compreensão de um professor e vários incentivadores que souberam valorizar mais seu talento que suas deficiências. E assim conseguiu se projetar, ter suas obras premiadas, suas capacidades estimuladas e ser hoje reconhecido como gênio. Desenvolveu também profundas habilidades musicais. Depois de acompanhar os passos, as reações, as vivências do talento no paradoxo das deficiências de Stephen, Oliver concluiu: "suas limitações, paradoxalmente podem servir como forças também. Sua visão é valiosa, ao que me parece, precisamente por transmitir um ponto de vista maravilhosamente direto e não conceitualizado do mundo. Stephen pode ser limitado, esquisito, idiossincrático, autista; mas lhe foi permitido alcançar o que poucos de nós conseguimos, uma significante representação e investigação do mundo" (pg.245). Precisamos pensar que a inclusão social não é apenas colocar alguém especial junto aos demais alunos ditos “normais”, há uma necessidade do professor ter conhecimento e treinamento adequados para fazer a diferença na vida deste ser humano, e principalmente ter a sensibilidade de encontrar a abertura de como ingressar neste universos tão peculiar!

Trecho Pg.243: “Ele constrói o universo de uma maneira diferente – e seu modo de cognição, sua identidade e seus dons artísticos se combinam.

·         O último conto do livro é “Um antropólogo em Marte”, é sobre uma autista, Ph.D. em ciência animal, professora da Colorado State University. Apesar das adversidades, ela tornou-se uma importante autoridade mundial em sua área de atuação profissional. Curiosamente, a linguagem técnica era muito mais acessível a essa pesquisadora do que a linguagem social, o que permitiu que ela se adaptasse à vida fazendo ciência. A ciência a medicou, ao mesmo tempo em que se tornou seu refúgio. Durante toda sua vida, ela dizia-se se sentir como um "antropólogo em Marte". Provavelmente, essa deve ser uma sensação compartilhada por muitas outras pessoas com distúrbios neurológicos. 

     Trecho Pg.260: “Tinha dificuldade em manter sua própria vida simples, ela disse, e de deixar tudo bastante claro e explicito. Construíra uma extensa biblioteca de experiências ao longo dos anos, ela prosseguia. Era como uma biblioteca de fitas de vídeo, que ela podia passar em sua cabeça e consultar a qualquer hora – “vídeos” de como as pessoas se comportavam em diferentes circunstâncias”

Este livro foi fonte de inspiração para um filme de muita sensibilidade, quem ler o livro e assistir ao filme com certeza ao final não será mais o mesmo, em tempo de confinamento podemos aproveitar nosso tempo para sairmos do noticiário que em geral só nos trazem cenas de violência, morte e corrupção, vamos partir para algo que nos faça reanimar e iluminar nosso espírito, vamos criar no presente uma linha de pensamento que irá guiar nosso melhor comportamento, é através da reflexão e do questionamento sobre o modo como entendemos as coisas e o valor que damos a isto que farão a diferença no hoje e no amanhã.

"Um Antropólogo em Marte" é aclamado por muitos leitores e críticos por sua capacidade de proporcionar insights profundos sobre a natureza da mente humana e a diversidade de experiências neurológicas. Ele aborda questões fundamentais sobre a identidade, a empatia e a percepção da realidade.

Como se trata de uma obra literária, a recepção do livro pode variar de pessoa para pessoa. Alguns podem encontrar as histórias cativantes e comoventes, enquanto outros podem não se envolver tanto com o estilo de escrita ou o conteúdo. A melhor maneira de formar uma opinião sobre o livro é lê-lo e avaliar como ele ressoa com você pessoalmente.

Filme:

O longa “A música nunca parou” de Jim Kohlberg foi baseado no estudo de caso de Sacks “O último Hippie”, estrelado por Julia Ormond, J.K. Simmons e Lou Taylor Pucci. Em cena, um pai, Henry Sawyer (J.K. Simmons), que luta para se conectar com o filho Gabriel (Lou Taylor Pucci), que descobre um tumor no cérebro que o impede de produzir novas memórias. Os dois tentam superar uma distância emocional e acabam encontrando uma forma de se relacionarem por meio da música.

Não por acaso a trilha sonora do longa é recheada de pérolas: Bing Crosby, Peggy Lee, Johann Sebastian Bach, Beatles, The Grateful Dead, Bob Dylan, Cyndi Lauper, The Rolling Stones e Buffalo Springfield.

Engenheiro (durão) de classe média, Henry não se dava bem com o filho Gabriel, um jovem hippie como qualquer outro do fim dos anos 1960. Os dois vivem discutindo até que o rapaz sai de casa. Nos anos 1980, a família volta a se reunir enquanto o jovem (já adulto) se recupera da cirurgia para retirada de um tumor no cérebro.

O problema é que Gabriel não se lembra de nada do que ocorreu depois de Woodstock. Imbuído do desejo de finalmente se aproximar do filho, o pai troca seus discos pelos da banda predileta de filho, Grateful Dead. O resultado é surpreendente. A música pode tanto ajudar o rapaz como reaproximar a família.

Assista ao trailer do filme: https://www.youtube.com/watch?v=18PVNfNnKzI

 

Fontes:

Sacks, Oliver. Um antropólogo em Marte: sete histórias paradoxais: tradução Bernanrdo Carvalho. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

https://www.comciencia.br/dossies-1-72/resenhas/epilepsia/sacks.htm

https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81231996000100157

https://pt.wikipedia.org/wiki/Um_Antrop%C3%B3logo_em_Marte

https://www.uai.com.br/app/noticia/cinema/2014/03/21/noticias-cinema,152771/filme-baseado-em-ensaio-de-oliver-sacks-a-musica-nunca-parou-chega.shtml

https://www.eurooscar.com/artig/cerebro5.htm

 

 

 

 

sábado, 21 de novembro de 2020

Federico Garcia Lorca, poeta e dramaturgo

 


Federico Garcia lorca em 1932

Para quem gosta de uma escrita inteligente, original e organizada gosta de Federico Garcia Lorca, ou Garcia Lorca como a maioria dos seus leitores o chamam.

Garcia Lorca fazia uso constante de metáforas e símbolos, através destes modos ele abordou com maestria temas como amor, desejo e frustração.

Algumas de suas obras mais famosas foram poesias como “Romanceiro Gitano – Romance da lua, lua”, “Seis poemas galegos”, o diferencial deste poeta era sua forma original de recitar, o fascínio do público por sua poesia emanava pela maneira peculiar que o poeta recitava, ele tinha uma habilidade oral magnifica, demonstrava uma força espiritual e gosto pela dramaturgia que o fizeram único.

Sua obra tinha uma conotação libertária de forças opressoras, ainda muito presentes nos dias atuais, carregada de sinais e metáforas ele procurou combater o que em resumo suas palavras explicitam: “Acredito que ser de Granada me inclina para a compreensão solidária dos perseguidos. Do cigano, do negro, do judeu …, do mouro que todos carregamos dentro”

Garcia Lorca também se destacou no teatro com obras como “Romance Sonambulo”, La Casa de Bernarda Alba”, “Bodas de sangue”, “Mariana Pineda”, além destas obras ele produziu muitas outras belíssimas joias.

Na obra Pequeno Poema Infinito – Palavras de Federico García Lorca no Prologo encontramos sua irreverente expressão:

“Senhoras e senhores: Desde o ano de 1918, quando ingressei na Residência dos Estudantes de Madri, até 1928 ano em que a abandonei, terminados meus estudos de Filosofia e Letras, ouvi naquele refinado salão onde a velha aristocracia espanhola ia para corrigir sua frivolidade de praia francesa, cerca de mil conferências. Com desejo de ar e de sol, eu me entediei tanto que ao sair me senti coberto por uma leve cinza quase a ponto de converter-se em pimenta de tanta irritação. Não. Não quero que entre nesta sala a terrível mosca do tédio que une todas as cabeças por um tênue fio de sono e põe nos olhos dos ouvintes uns grupos diminutos de pontas de alfinete”. (Federico García Lorca. Pequeno Poema Infinito: Palavras de Federico García Lorca. Roteiro de José Mauro Brant e Antonio Gilberto Tradução de Roseana Murray. Imprensa Oficial p.16)

Em sua crítica a burguesia ele disse: “A burguesia espanhola limpa com a língua as feridas dos milionários!”

O que me levou a escrever sobre Garcia Lorca foi que estava assistindo no youtube, ¨La desaparición de García Lorca¨, com Andy García, e me deu uma vontade enorme de lê-lo e escrever sobre este poeta, diante disto estou compartilhando o link abaixo para assim como eu possam sentir a força de sua obra:

https://www.youtube.com/watch?v=MFFCoxJU0Gc

Biografia: Nascido numa pequena localidade da Andaluzia, García Lorca ingressou na faculdade de Direito de Granada em 1914, e cinco anos depois transferiu-se para Madrid, onde fez amizade com artistas como Luis Buñuel e Salvador Dali e publicou seus primeiros poemas.

Casa de Lorca em Fuente Vaqueros.

Grande parte dos seus primeiros trabalhos baseia-se em temas relativos à Andaluzia (Impressões e Paisagens, 1918), à música e ao folclore regionais (Poemas do Canto Fundo, 1921-1922) e aos ciganos (Romancero Gitano, 1928).

Concluído o curso, foi para os Estados Unidos e para Cuba, período de seus poemas surrealistas, manifestando seu desprezo pelo modus vivendi norte-americano. Expressou seu horror com a brutalidade da civilização mecanizada nas chocantes imagens do Poeta em Nova Iorque, publicado em 1940.

Voltando à Espanha, criou um movimento de teatro chamado La Barraca.E, foi duramente perseguido por conta de sua homoafetividade.

Foi ainda um excelente pintor, compositor precoce e pianista. Sua música se reflete no ritmo e sonoridade de sua obra poética. Como dramaturgo, Lorca fez incursões no drama histórico e na farsa antes de obter sucesso com a tragédia. As três tragédias rurais passadas na Andaluzia, Bodas de Sangue (1933), Yerma (1934) e A Casa de Bernarda Alba (1936) asseguraram sua posição como grande dramaturgo.

O assassinato e o corpo

Controvérsia significante permanece sobre os motivos e os detalhes do assassinato de Lorca. Motivações pessoais, não-políticas também têm sido sugeridas. O biógrafo de García Lorca, Stainton, afirma que seus assassinos fizeram comentários sobre a sua orientação sexual, o que sugere que esse aspecto possa ter desempenhado um papel na sua morte.[2] Ian Gibson sugere que o assassinato de García Lorca foi parte de uma campanha de assassinatos em massa que visava a eliminação de apoiantes da Frente Popular. No entanto, Gibson propõe que a rivalidade entre a anticomunista Confederação Espanhola de Direito Autónomo (CEDA) e a Falange foi um fator importante na morte de Lorca. O ex-vice parlamentar da CEDA, Ramon Ruiz Alonso García, prendeu Garcia Lorca na casa de Rosales e foi o responsável pela denúncia original que levou ao mandado de captura emitido.

Tem sido argumentado que García Lorca era apolítico e tinha muitos amigos em ambos os campos, republicano e nacionalista. Gibson contesta isso em seu livro de 1978 sobre a morte do poeta. Ele cita, por exemplo, o manifesto publicado de Mundo Obrero, que Lorca assinara mais tarde e alega que Lorca foi um apoiante activo da Frente Popular.[3] Lorca leu um manifesto num banquete em honra do companheiro poeta Rafael Alberti em 9 de fevereiro de 1936.

Muitos anticomunistas eram simpáticos a Lorca. Nos dias antes da sua prisão, ele encontrou abrigo na casa do artista e líder membro da Falange, Luis Rosales. O poeta comunista Vasco Gabriel Celaya escreveu nas suas memórias que uma vez se encontrou com García Lorca, na companhia do falangista José Maria Aizpurua. Celaya escreveu ainda que Lorca jantava todas as sexta-feiras com o fundador e líder falangista José Antonio Primo de Rivera.[4] Em 11 de março de 1937, foi publicado um artigo na imprensa falangista denunciando o assassinato de García Lorca: " O melhor poeta da imperial Espanha foi assassinado"[5]. Jean Louis Schonberg também apresentou a teoria do "ciúme homossexual".[6] O processo relativo ao assassinato, compilado a pedido de Franco e referido por Gibson e outros, ainda virá à tona. O primeiro relato publicado de uma tentativa de localizar o túmulo de Lorca pode ser encontrado no livro do viajante britânico e hispânico Gerald Brenan em "A face da Espanha".[7] Apesar das tentativas iniciais, como Brenan, em 1949, o local permaneceu desconhecido durante a era franquista.

Segundo algumas versões, ele teria sido fuzilado de costas, em alusão a sua homossexualidade.

Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Federico_Garc%C3%ADa_Lorca em 21/11/2020 as 09:55hs

Hoje sabemos através da história que Garcia Lorca foi morto por ser revolucionário, por criticar o patriarcal em defesa do matriarcal; por reconhecer o valor da cultura muçulmana na Península Ibérica, por defender os direitos do homem contra a alienação de estados autoritários, por igualar classes e raças, como fez com a população cigana; por ter perdido o punho na mesa contra o capitalismo e a mais inútil burguesia, ou por igualar homossexualidade e heterossexualidade. Lorca foi assassinado por enfrentar a extrema direita que logo derrubaria a Segunda República Espanhola.

Federico García Lorca escreveu o poema ¨Romance Sonámbulo¨ A Gloria Giner y Fernando de los Ríos, esta obra cheia de simbolismos que requerem uma interpretação que nos trará aos dias de hoje onde encontraremos as mesmas preocupações.

¨Romance Sonámbulo¨ A Gloria Giner y Fernando de los Ríos

Verde que te quiero verde.

Verde viento. Verdes ramas.

El barco sobre la mar
y el caballo en la montaña.
Con la sombra en la cintura
ella sueña en su baranda,
verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Verde que te quiero verde.
Bajo la luna gitana,
las cosas le están mirando
y ella no puede mirarlas.

*

Verde que te quiero verde.
Grandes estrellas de escarcha,
vienen con el pez de sombra
que abre el camino del alba.
La higuera frota su viento
con la lija de sus ramas,
y el monte, gato garduño,
eriza sus pitas agrias.
¿Pero quién vendrá?

¿Y por dónde…?
Ella sigue en su baranda,
verde carne, pelo verde,
soñando en la mar amarga.

*

Compadre, quiero cambiar
mi caballo por su casa,
mi montura por su espejo,
mi cuchillo por su manta.
Compadre, vengo sangrando,
desde los montes de Cabra.
Si yo pudiera, mocito,
ese trato se cerraba.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
Compadre, quiero morir
decentemente en mi cama.
De acero, si puede ser,
con las sábanas de holanda.
¿No ves la herida que tengo
desde el pecho a la garganta?
Trescientas rosas morenas
lleva tu pechera blanca.
Tu sangre rezuma y huele
alrededor de tu faja.
Pero yo ya no soy yo,
ni mi casa es ya mi casa.
Dejadme subir al menos
hasta las altas barandas,
dejadme subir, dejadme,
hasta las verdes barandas.
Barandales de la luna
por donde retumba el agua.

*

Ya suben los dos compadres
hacia las altas barandas.
Dejando un rastro de sangre.
Dejando un rastro de lágrimas.
Temblaban en los tejados
farolillos de hojalata.
Mil panderos de cristal,
herían la madrugada.

*

Verde que te quiero verde,
verde viento, verdes ramas.
Los dos compadres subieron.
El largo viento, dejaba
en la boca un raro gusto
de hiel, de menta y de albahaca.
¡Compadre! ¿Dónde está, dime?
¿Dónde está mi niña amarga?
¡Cuántas veces te esperó!
¡Cuántas veces te esperara,
cara fresca, negro pelo,
en esta verde baranda!

*

Sobre el rostro del aljibe
se mecía la gitana.
Verde carne, pelo verde,
con ojos de fría plata.
Un carámbano de luna
la sostiene sobre el agua.
La noche su puso íntima
como una pequeña plaza.
Guardias civiles borrachos,
en la puerta golpeaban.
Verde que te quiero verde.
Verde viento. Verdes ramas.
El barco sobre la mar.
Y el caballo en la montaña.

2 de Agosto de 1924

Federico García Lorca

Em Notas sobre o Romance Sonâmbulo, de Garcia Lorca escrito por Maria das Graças Ferreira Graúna, no ultimo paragrafo encontramos apontamentos que traduzem o sentido por trás dos símbolos utilizados por Garcia Lorca, sua expressão dos perigos daquela época ainda são preocupações no mundo atual, vejamos porque:

No estudo dos símbolos, o verde está relacionado à vida e a morte; à imagem das profundezas e do destino. Nas profundezas habita o verde da esmeralda; a pedra na qual foi esculpido o Graal. No destino, reside a busca; o andar incessante, próprio do povo nômade; dos filhos livros da terra. Nessa perspectiva, situa-se a relação entre a natureza e o sentimento. No poema, a personagem cigana está quase morrendo na imensidão da luz tenebrosa da lua; por outro lado, essa dor também está estreitamente relacionada a sua marginalidade; a sua condição de perseguido. O seguinte fragmento sugere:  

A noite se fez íntima
como uma pequena praça.
Guardas civis embriagados
na porta golpeavam.
Verde que te quero verde.
Verde vento. Verdes ramas.
O barco sobre o mar.
E o cavalo na montanha.

Estes versos finais do Romance Sonâmbulo dão conta da hostilidade, que vem de muito longe, entre ciganos e poderosos. A ironia mais acentuada ao final do poema é apenas uma das armas que o  eu-lírico dispõe para manifestar seu protesto  contra aqueles que receberam a missão honrosa de proteger a vida;  em vez disso,  golpeiam as portas. A poesia de Garcia Lorca trata da angustia do homem dos nossos dias. Por isso, Morejón (1969:VII) afirma que "todo leitor do Romancero Gitano vive agitado por esse vento verde do Romance Sonâmbulo que pode considerar-se, em parte, compêndio e cifra do livro". Desse modo, o que aproxima o Romancero Gitano e a personalidade do seu autor não reside no tema cigano, mas na Liberdade; razão pela qual a poesia de Garcia Lorca, à maneira das canções medievais, percorre o mundo e vence o tempo. Fonte: http://www.blocosonline.com.br/literatura/prosa/artigos/art010.htm

Compartilho a belíssima interpretação “verde que te quiero verde fuego flamenco” disponível no youtube, tenho certeza que irão aproveitar momento único:

http://youtu.be/UG5IDgS_1Kg?t=3s

Outras Fontes:
Faraco, Sergio. 60 poetas trágicos. 1.ed. Porto Alegre, RS. L&PM, 2016
http://www.elespectador.com/noticias/actualidad/cinco-de-tarde-federico-garcia-lorca-articulo-411757

https://midianinja.org/juanmanuelpdominguez/ha-84-anos-era-fuzilado-o-poeta-federico-garcia-lorca/