O mundo que se desfez de seu centro
Na
correria do dia a dia, às vezes parece que tudo está acontecendo ao mesmo tempo
e em nenhum lugar. A mesa do café virou escritório, o celular virou praça
pública, e o que antes era sagrado, como o silêncio, virou luxo raro. A vida
moderna parece viver um esvaziamento sutil, como se algo central tivesse sido
removido. É aí que entra o conceito de acomismo — um estado em que o
mundo já não é mais compreendido como cosmos, ou seja, como um todo
ordenado, com centro, direção ou sentido.
O
termo "acomismo" pode ser entendido como a ausência de cosmos,
ou a perda da ideia de um mundo organizado por princípios compartilhados. O
cosmos, para os gregos, era beleza, ordem e harmonia. Era o mundo visto como
uma jóia que reluz com sentido. Acomismo, por contraste, é o mundo sem
narrativa comum, fragmentado, onde cada um vive em sua bolha algorítmica, onde
até os afetos são customizados.
O
filósofo francês Michel Foucault nos ajuda a pensar essa condição quando
afirma que o homem moderno é um ser "descentrado". Em suas palavras,
no prefácio de As Palavras e as Coisas, ele diz que talvez o homem
moderno esteja próximo de seu fim — “como uma figura desenhada na areia à
beira-mar”. Para Foucault, as estruturas que sustentavam o saber e o sujeito
foram implodidas. O acomismo seria, então, a vida no pós-terremoto, quando o
chão já não dá mais garantias.
Na
prática, vivemos o acomismo quando percebemos que não há mais autoridade comum
que organize a convivência — a verdade virou questão de gosto, a política virou
torcida, a ética virou marca pessoal. Em vez de compartilharmos um mundo, nos
conectamos por afinidades imediatas, mas nos desencontramos no essencial.
Acomismo é essa sensação de viver numa realidade que perdeu o contorno do real.
Mas
há uma possibilidade nesse esvaziamento: ao percebermos o acomismo, podemos
desejar reconstituir algum tipo de centro — não o antigo, hierárquico e
imposto, mas um centro construído a partir do encontro, da escuta e da
responsabilidade comum. Pode ser um reencantamento silencioso, uma busca
modesta, talvez, por uma nova forma de cosmos — menos cósmica, mais cotidiana.
No
fundo, talvez o acomismo não seja apenas a ruína, mas o intervalo em que
decidimos se vamos continuar como poeira flutuando… ou se vamos, juntos,
desenhar novamente a figura do mundo.
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