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domingo, 3 de agosto de 2025

Acomismo

O mundo que se desfez de seu centro

Na correria do dia a dia, às vezes parece que tudo está acontecendo ao mesmo tempo e em nenhum lugar. A mesa do café virou escritório, o celular virou praça pública, e o que antes era sagrado, como o silêncio, virou luxo raro. A vida moderna parece viver um esvaziamento sutil, como se algo central tivesse sido removido. É aí que entra o conceito de acomismo — um estado em que o mundo já não é mais compreendido como cosmos, ou seja, como um todo ordenado, com centro, direção ou sentido.

O termo "acomismo" pode ser entendido como a ausência de cosmos, ou a perda da ideia de um mundo organizado por princípios compartilhados. O cosmos, para os gregos, era beleza, ordem e harmonia. Era o mundo visto como uma jóia que reluz com sentido. Acomismo, por contraste, é o mundo sem narrativa comum, fragmentado, onde cada um vive em sua bolha algorítmica, onde até os afetos são customizados.

O filósofo francês Michel Foucault nos ajuda a pensar essa condição quando afirma que o homem moderno é um ser "descentrado". Em suas palavras, no prefácio de As Palavras e as Coisas, ele diz que talvez o homem moderno esteja próximo de seu fim — “como uma figura desenhada na areia à beira-mar”. Para Foucault, as estruturas que sustentavam o saber e o sujeito foram implodidas. O acomismo seria, então, a vida no pós-terremoto, quando o chão já não dá mais garantias.

Na prática, vivemos o acomismo quando percebemos que não há mais autoridade comum que organize a convivência — a verdade virou questão de gosto, a política virou torcida, a ética virou marca pessoal. Em vez de compartilharmos um mundo, nos conectamos por afinidades imediatas, mas nos desencontramos no essencial. Acomismo é essa sensação de viver numa realidade que perdeu o contorno do real.

Mas há uma possibilidade nesse esvaziamento: ao percebermos o acomismo, podemos desejar reconstituir algum tipo de centro — não o antigo, hierárquico e imposto, mas um centro construído a partir do encontro, da escuta e da responsabilidade comum. Pode ser um reencantamento silencioso, uma busca modesta, talvez, por uma nova forma de cosmos — menos cósmica, mais cotidiana.

No fundo, talvez o acomismo não seja apenas a ruína, mas o intervalo em que decidimos se vamos continuar como poeira flutuando… ou se vamos, juntos, desenhar novamente a figura do mundo.


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